14/11/2019 - 17:09
O colapso repentino da Assíria (o maior império de sua época), baseado no norte do Iraque e que se estendia do Egito ao atual Irã, consumado na queda de sua capital, Nínive, em 612 a.C., sempre foi um enigma para arqueólogos e historiadores. Afinal, havia uma enorme quantidade de documentação textual em caracteres cuneiformes, escavações arqueológicas e pesquisas de campo. Um estudo recente de pesquisadores internacionais que dá uma resposta ao desafio foi publicado na revista “Science Advances”.
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Inúmeras teorias sobre o colapso – a “mãe de todas as catástrofes”, como dizem alguns historiadores – foram apresentadas desde que Nínive foi escavada pela primeira vez por arqueólogos, 180 anos atrás. Mas como dois pequenos exércitos – os babilônios, no sul, e os medos, no leste – conseguiram convergir na capital assíria e destruir completamente o que era então a maior cidade do mundo permanecia um ponto de interrogação.
Uma equipe de pesquisadores liderada por Ashish Sinha, da Universidade Estadual da Califórnia em Dominguez Hills, e usando dados arquivísticos e arqueológicos fornecidos por Harvey Weiss, professor da Universidade Yale, conseguiu pela primeira vez determinar a causa subjacente ao colapso. Ao examinar os novos registros de precipitação de chuvas da área, a equipe descobriu uma superseca abrupta de 60 anos que enfraqueceu o estado assírio a ponto de Nínive ser invadida em três meses e abandonada para sempre.
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“Explicações anteriores sobre o colapso do império se concentraram na instabilidade política e nas guerras”, escreveram Sinha e seus colegas. “O papel da mudança climática foi amplamente ignorado, em parte devido à falta de registros paleoclimáticos de alta resolução da região.”
Dependência das chuvas
A Assíria era uma sociedade agrária dependente da precipitação sazonal para o cultivo de cereais. Ao sul, os babilônios dependiam da agricultura de irrigação, e por isso seus recursos, governo e sociedade não foram afetados pela seca, explicou Weiss.
A equipe analisou estalagmites (um tipo de espeleotema, formação rochosa que ocorre tipicamente no interior de cavernas como resultado da sedimentação e cristalização de minerais dissolvidos na água) recuperadas da caverna de Kuna Ba, no nordeste do Iraque. Os espeleotemas podem fornecer uma história do clima através das proporções de isótopos de oxigênio e urânio da água infiltrada que são preservadas em suas camadas. O oxigênio da água da chuva vem em duas variedades principais: pesada e leve. A proporção de tipos pesados e leves de isótopos de oxigênio é extremamente sensível a variações de precipitação e temperatura. Com o tempo, o urânio preso nos espeleotemas se transforma em tório, permitindo que os cientistas datem os depósitos das formações.
A equipe de pesquisa sincronizou essas descobertas com registros arqueológicos e cuneiformes e conseguiu documentar os primeiros dados paleoclimáticos da superseca que afetou o coração da Assíria no momento do seu colapso do império, quando seus vizinhos menos atingidos pela estiagem invadiram o império.
Precipitação pequena
Os registros revelaram que o intervalo entre 850 a.C. e 740 a.C., quando o Império Assírio estava no auge, foi um dos períodos mais chuvosos em 4 mil anos, com níveis de precipitação durante a estação fria entre 15% e 30% mais altos do que no período de 1980 a 2007. Mas os dados registros também sugerem que a precipitação da estação fria durante uma megacolheita do século 7 a.C. pode ter ficado abaixo do nível necessário para a agricultura produtiva.
“Agora temos uma dinâmica histórica e ambiental entre o norte e o sul e entre a agricultura de sequeiro [técnica para cultivar terrenos onde a pluviosidade é pequena] e a agricultura de irrigação, através da qual podemos entender o processo histórico de como os babilônios conseguiram derrotar os assírios”, disse Weiss.
Com base na arqueologia e na história da região, Weiss entendeu como os dados de megaplanejamento da Assíria eram sincronizados com a cessação de campanhas militares de longa distância e a construção de canais de irrigação semelhantes aos dos vizinhos do sul, mas restritos em sua extensão agrícola. Outros textos notaram que os assírios estavam preocupados com suas alianças com lugares distantes, enquanto também temiam intrigas internas, observou o professor de Yale.
“Isso se encaixa em um padrão histórico que não é apenas estruturado no tempo e no espaço, mas também no tempo e no espaço repletos de mudanças ambientais”, acrescentou ele. “Essas sociedades experimentaram mudanças climáticas de tal magnitude que simplesmente não puderam se adaptar a elas.”
Segundo Weiss, com esses novos registros de espeleotemas, paleoclimatologistas e arqueólogos agora podem identificar mudanças ambientais no registro histórico global que eram desconhecidas e inacessíveis até 25 anos atrás. “A história não é mais bidimensional; o estágio histórico agora é tridimensional”, vaticinou o professor de Yale.