17/12/2021 - 11:38
Mudanças no nível do mar causaram o declínio de uma das mais antigas sociedades costeiras pré-colombianas das Américas, há 2 mil anos, conhecida como cultura sambaqui. A conclusão veio de estudo realizado no Brasil por pesquisadores do Instituto de Ciência e Tecnologia Ambiental (ICTA-UAB) e do Departamento de Pré-História da Universidade Autônoma de Barcelona (Espanha), publicado recentemente na revista Scientific Reports.
O trabalho, financiado pelo projeto europeu ERC-CoG TRADITION, avaliou a composição isotópica estável de mais de 300 indivíduos humanos e mais de 400 datas de radiocarbono em sítios arqueológicos de sambaquis (em tupi, “montes de conchas”) na costa sul do Brasil. A maioria dos locais são cemitérios coletivos construídos por comunidades de pescadores que floresceram na região entre 7 mil e 1 mil anos atrás. Milhares de sítios já foram registrados por arqueólogos, que costumam encontrar centenas de sepulturas humanas, cuidadosamente depositadas entre enormes quantidades de peixes e mariscos que foram consumidos e usados como túmulos em rituais funerários.
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Os pesquisadores descobriram um declínio acentuado na frequência de sítios arqueológicos cerca de 2.200 anos atrás. Isso coincidiu com uma grande reorganização dos ambientes costeiros em resposta a uma queda no nível relativo do mar.
Recursos menos abundantes
Segundo Alice Toso, pesquisadora do ICTA-UAB e principal autora do estudo, “a mudança do nível do mar há cerca de 2 mil anos possivelmente causou uma virada na capacidade de carga dos ambientes costeiros que por milhares de anos sustentaram grandes comunidades indígenas ao longo da costa sul do Brasil. O encolhimento dos ecossistemas costeiros, como baías e lagoas, fez com que os recursos aquáticos fossem menos abundantes e menos previsíveis, forçando os grupos a se dispersarem em unidades sociais menores”.
André Colonese, pesquisador do ICTA-UAB e autor sênior do artigo, disse: “A distribuição da densidade de radiocarbono nesses locais sugere que a população humana diminuiu ao longo da costa da Mata Atlântica do Brasil há cerca de 2 mil anos. Curiosamente, em vez de abandonar a pesca devido a uma distribuição menos previsível de recursos, as populações remanescentes intensificaram a pesca, explorando em particular espécies de alto nível trófico, incluindo tubarões e raias. Acreditamos que uma mudança fundamental nas práticas de subsistência ocorreu naquela época, da pesca baseada na comunidade (grande partilha) para a pesca familiar (partilha limitada).”
O estudo revela, portanto, que as sociedades costeiras resilientes em escala milenar são vulneráveis aos impactos socioeconômicos dos limites ambientais.