Quase um quarto (23%) do território brasileiro foi queimado ao menos uma vez entre 1985 e 2023, afirmou nesta terça-feira a organização não-governamental MapBiomas, uma rede que envolve universidades, ONGs e empresas de tecnologia e que realiza estudos para monitorar mudanças na cobertura e no uso da terra.

A área queimada é de 199,1 milhões de hectares, ou cinco vezes e meia o território da Alemanha, o quarto maior país da União Europeia, com 35,8 milhões de hectares.

A MapBiomas afirmou que cerca de dois terços da área afetada pelo fogo (68,4%) no Brasil é de vegetação nativa e que cerca de 60% de toda a área queimada é propriedade privada, o que indica uma ligação estreita entre as queimadas e a abertura de áreas para cultivo e pasto.

Além de danificar a cobertura vegetal que, entre outras consequências, altera o equilíbrio ambiental, as queimadas contribuem fortemente para o efeito estufa, uma vez que liberam o carbono armazenado na biomassa para a atmosfera na forma de gás carbônico (CO²).

Resultado de ação humana

Os dados do Mapbiomas mostram ainda que quase metade (46%) da área queimada está na Região Norte, concentrada nos estados de Mato Grosso, Pará e Maranhão.

Os três municípios que mais queimaram entre 1985 e 2023 foram Corumbá (MS), no Pantanal, seguido por São Felix do Xingu (PA), na Amazônia, e Formosa do Rio Preto (BA), no Cerrado.

É na estação seca, entre julho e outubro, que as queimadas mais ocorrem, com 79% das ocorrências, sendo que setembro responde por um terço do total (33%).

Os dados foram obtidos por meio de imagens de satélite. Por eles, os pesquisadores conseguem analisar o tamanho e o padrão histórico das áreas incendiadas, mas não é possível apontar com certeza o que iniciou o fogo.

No entanto, a coordenadora do MapBiomas Fogo e diretora de Ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), Ane Alencar, afirmou à Agência Brasil que é possível inferir que a maior parte das queimadas não tem origem natural, quando sobretudo raios são iniciadores do fogo.

“Onde queima mais, Cerrado, Amazônia, e agora infelizmente no Pantanal, é período seco, período em que, provavelmente, é bastante difícil de acontecerem as descargas elétricas das tempestades”, explica Alencar.

Cerrado e Amazônia

Juntos, os biomas do Cerrado e da Amazônia concentraram cerca de 86% da área queimada pelo menos uma vez no Brasil em 39 anos. No Cerrado foram 88,5 milhões de hectares, ou 44% do total nacional. Isso é quase o tamanho de Mato Grosso. Na Amazônia, queimaram 82,7 milhões de hectares (42%).

Alencar adverte que, embora o Cerrado seja uma vegetação mais preparada para a ocorrência de incêndios, a alta frequência com que o fogo afeta a região debilita o ecossistema, que apresenta características savânicas, com vegetação rasteira.

“É muito mais difícil debelar o fogo”, diz ela. “Na hora em que o fogo está mais forte, com muito vento, é impossível combater.”

Embora Cerrado e Amazônia tenham números absolutos semelhantes de área queimada, esses biomas têm tamanhos diferentes. Por isso, no caso do Cerrado, a área queimada equivale a 44% do território, enquanto na Amazônia esse percentual foi de 19,6%, ou seja, um quinto da extensão do bioma.

“A Amazônia enfrenta um risco elevado com a ocorrência de incêndios devido à sua vegetação não ser adaptada ao fogo, agravando o nível de degradação ambiental e ameaçando a biodiversidade local, enquanto a seca histórica e as chuvas insuficientes para reabastecer o lençol freático intensificam a vulnerabilidade da região”, diz Alencar.

No caso do Cerrado, segundo a coordenadora técnica do MapBiomas Fogo, Vera Arruda, as altas taxas de desflorestamento resultam no aumento do número de queimadas e do risco de os incêndios saírem de controle, o que altera o regime natural do fogo. “Essas mudanças impactam negativamente o equilíbrio ecológico, pois o fogo, embora seja um componente natural do Cerrado, está ocorrendo com uma frequência e uma intensidade que a vegetação não pode suportar”, avaliou.

Pantanal

Embora as situações no Cerrado e na Amazônia sejam preocupantes, o bioma brasileiro com maior percentual de área queimada nos 39 anos avaliados foi o Pantanal, com 9 milhões de hectares, ou 59,2% da sua área total.

No ano passado, foram mais de 600 mil hectares queimados no Pantanal, 97% entre setembro e dezembro, de acordo com o Mapbiomas. O mês de novembro concentrou 60% do total da área queimada nesse bioma. O Pantanal enfrentou incêndios intensos principalmente devido a secas prolongadas.

Tendência

Alencar avalia que, a partir da primeira década dos anos 2000, incentivos para melhor gestão ambiental ajudaram a controlar as queimadas. “Foi diminuindo o desmatamento e também a área queimada.”

No entanto, a partir de 2019 houve um aumento expressivo no desmatamento e da área queimada. Em 2023 esse aumento continuou, porém, devido às mudanças climáticas, que causaram secas severas, o que contribuiu para que terrenos ficassem mais sensíveis a alastramento de incêndios.

(Lusa, Agência Brasil, OTS)