“Sou uma bruxa moderna, e disso não abro mão”, afirma Barbara. Desde sempre ela é convencida de ter contatos com o mundo espiritual. Seu quarto cheira a incenso, ela quer logo consultar as runas sobre o futuro. Mas no início da Idade Moderna, a alemã de 59 anos provavelmente teria ido parar na fogueira.

A ex-criada Maria Anna Schwegelin quase sucumbiu a esse destino em abril de 1775, pois o povo de Kempten, Baviera, queria vê-la ser consumida pelas chamas. Ela foi a última feiticeira condenada à morte na Alemanha– isso, embora o Iluminismo, a idade da razão, já tivesse despontado, e as autoridades não acreditassem tanto assim em bruxaria.

No entanto, elas não queriam decepcionar o povo, ainda profundamente enraizado na superstição. Apenas em 1995 um historiador descobriu que a sentença nunca fora aplicada, e Schwegelin morreu na prisão em 1781. Permanece o mistério de se a suposta bruxa havia de fato se encontrado com o demônio ou se sofria de distúrbios mentais.

Certo é que Barbara não está sozinha, pois em pleno século 21 ainda há quem acredite em feitiços. Uma pesquisa do economista Boris Gershman, da American University de Washington, mostrou que uma parcela respeitável de 40% da população de mais de 95 países está convencida de que bruxas existem.

A percentagem oscila consideravelmente de país para país, de 90% na Tunísia a apenas 13% na Alemanha. Entre outros fatores, considerou-se a crença no poder do mau-olhado e de maldições. Barbara assegura, porém, que não quer rogar praga contra ninguém: “Essa imagem clássica da bruxa que se esgueira à noite, voando numa vassoura para fazer mal com a sua mágica, é uma bobagem total, claro.”

Hagazussa e bodes expiatórios

Porém justamente essa imagem custou numerosas vidas, sobretudo de mulheres, entre os anos 1500 e 1750. Publicado em 1486, o manual Malleus Maleficarum, ditava as regras para se perseguir, extrair confissão sob tortura e executar quem fosse acusado de bruxaria. Doenças, morte do gado, safras ruins, maus negócios: para tudo era preciso um bode expiatório – e em certos países, em pleno século 21, ainda é.

“Fantasias de feitiçaria como no início da Idade Moderna existem ainda hoje, em outros locais”, confirma a etnóloga Iris Gareis. “Infelizmente, há décadas indivíduos considerados bruxos ou bruxas são assassinados de modo cruel em muitas partes do mundo.”

Mas enquanto na Tanzânia ou em Gana mulheres acusadas precisam se refugiar em acampamentos para bruxas para escapar da morte, no Hemisfério Norte há quem se confesse abertamente adepto da feitiçaria – como é o caso do alemão Justin (nome alterado).

“Quando criança, a gente fica conhecendo a Bruxa de Joãozinho e Maria como o mal que devora o bem. E em algum momento começa a refletir a respeito e vê a Bruxa como uma mulher sábia.” Ele é membro do movimento neo-religioso Wicca – nome do inglês arcaico que significa “bruxa”.

Justin lembra a origem do termo em seu idioma: Hexe, do alto-alemão antigo hagazussa, “a que cavalga a cerca”. Ele designava os espíritos femininos capazes de transitar no limite entre o mundo dos deuses e o dos seres humanos, na mitologia nórdica.

Enquanto hagazussa, Justin consegue ter a visão de outros mundos, trazendo mágica para sua própria vida e a de outros, com a assistência de seres espirituais e rituais mágicos. Com o cristianismo, ele nunca se sentiu realmente em casa: faltava-lhe a magia.

Nem todas as bruxas são ruivas

Tampouco Barbara se sentia em casa na igreja: enquanto feiticeira, ela é adepta das religiões pagãs. Com um xamã aprendeu a falar com as árvores e a tocar tambor para se colocar em transe e fazer contato com os espíritos. “O universo das bruxas é rico e colorido. A gente vive um pouco aqui e um pouco num mundo paralelo.”

Enquanto muitas bruxas modernas leem o futuro nas cartas de tarô, ela prefere utilizar as runas como oráculo: “Por que vou esperar até as forças do destino me darem a mensagem? Quando eu faço uma pergunta, a resposta vem, com certeza.”

Incenso e extratos de plantas tampouco faltam em sua casa, para combater doenças: “Isso tudo parece coisa de curandeira. Mas é para parecer mesmo, porque antigamente era isso que definia a bruxaria: conhecer as ervas e curar as pessoas.”

Mas para a etnóloga Gareis, a imagem da feiticeira como sábia dotada de conhecimentos especiais de curandeira e parteira não passa de um clichê, do ponto de vista histórico.

“As mulheres perseguidas como bruxas não eram sempre alguma incrível especialista em ervas, mas, em geral, gente perfeitamente normal. E também não tinham sempre cabelo ruivo, como se costuma afirmar: isso é uma bobagem completa e não consta em nenhum documento histórico.” Entretanto essa noção se fixou a tal ponto nas cabeças que não é possível combatê-la nem com provas científicas.

Figuras de proa do feminismo e a Wicca

O fenômeno das bruxas modernas está intimamente ligado ao movimento feminista da década de 1970, que se rebelava contra a dominância do universo masculino. “A bruxa era praticamente uma figura de proa”, explica Gareis. “Óbvio que essas feministas não eram especialistas em bruxaria. Eram simplesmente mulheres normais, também intelectuais, que se apoderaram dessa imagem da mulher oprimida.”

Nos anos 1980 acrescentou-se o aspecto espiritual, prossegue a etnóloga. Eram sobretudo cidadãs urbanas que se sentiam atraídas pelas religiões pagãs: “O que eu posso imaginar é que, em tempos de insegurança, a gente procure salvação na natureza.”

Enquanto grande parte das feiticeiras das metrópoles contemporâneas não está ligada a nenhum grupo, a Wicca se organiza em círculos bem definidos. O culto nasceu na década de 1950 no Reino Unido, onde é reconhecido como religião, assim como nos Estados Unidos.

Justin já passou por seu ritual de iniciação anos atrás: “Tem quem ache que é preciso uma bruxa usar chapéu preto pontudo para ser reconhecida como tal. Eu gosto quando as pessoas me subestimam porque eu não me apresento cheio de balangandãs e talismãs. E aí – bum! – eu faço acontecer alguma coisa inesperada e mágica. É a minha maldadezinha de bruxo”, acrescenta com uma piscadela.

Ele reforça que não deseja fazer mal a quem quer que seja, porém, assim como Barbara, está convicto que existem bruxos com intenções sinistras: “Tem magos que lançam pragas e maldições que sem dúvida podem ter algum efeito.”

Racionalidade duvidosa e teorias de conspiração

Segundo o estudo do economista Boris Gershman, indivíduos com boa formação e segurança financeira seriam menos propensos a acreditar nas artes de feitiçaria. Mas Iris Gareis não está tão segura disso.

“Diante das teorias de conspiração modernas que se manifestaram nos EUA ou aqui na Alemanha, em especial durante a pandemia de covid-19, dá para duvidar.” A etnóloga não consegue compreender, por exemplo, que gente culta acredite na existência, entre a humanidade, de alienígenas reptilianos que dirigem os eventos da política e economia.

Por sua vez, Justin desaconselha quem não tem os dois pés no chão de envolver-se com o sobrenatural: “Gente psiquicamente instável não deve nem encostar em magia e bruxaria. Se elas não dão conta da própria vida, não vão encontrar nenhuma possibilidade de se equilibrar através da feitiçaria ou da Wicca. Se eu não tenho a base na terra, não posso me esticar até o céu e explorá-lo.”

Ou, para citar o Hamlet de William Shakespeare: “Há mais coisas entre o céu e a terra […] do que sonha a vossa filosofia.”