Nicolás Maduro se vangloria de ter o apoio de países fornecedores de armas como Rússia, China e Irã. Mas até que ponto esses aliados sairiam em defesa de Caracas contra um potencial ataque americano?Em 23 de outubro, em resposta ao aumento do destacamento militar dos EUA na costa da Venezuela, o líder do país, Nicolás Maduro, tentou fazer um apelo pela paz. Ao mesmo tempo, alertou que a Venezuela possui 5.000 sistemas portáteis de defesa aérea Igla-S, de fabricação russa. “Graças ao presidente [Vladimir] Putin, à Rússia, à China e a muitos amigos ao redor do mundo, a Venezuela tem o equipamento necessário para garantir a paz”, afirmou.

Mas, qual é o real poderio do Exército venezuelano e com quais aliados internacionais o país poderia contar em caso de uma escalada das hostilidades com os Estados Unidos, contra os quais, segundo especialistas, “não teria escolha”?

Exército abalado pela crise

O Exército venezuelano foi fortalecido pela fartura do petróleo na era [do antecessor de Maduro, Hugo] Chávez, mas pouco restou após o ápice de 2013 dos gastos com defesa de mais de 6 bilhões de dólares (R$ 32 bilhões).

O orçamento nacional da Venezuela para 2025 totaliza 22,661 bilhões de dólares. Desse total, apenas 3%, cerca de 657 milhões, são destinados ao Ministério da Defesa. Esse valor não inclui projetos financiados por meio de dívidas, entre eles, uma iniciativa para a modernização da Força Aérea do país. No entanto, é difícil obter uma análise mais aprofundada desses números devido à falta de transparência do regime.

Segundo estimativas da CIA, disponíveis publicamente, a Venezuela gasta cerca de 0,5% do seu Produto Interno Bruto (PIB) em defesa (em comparação com, por exemplo, 3,4% na Colômbia ou 3,2% nos Estados Unidos), tem “laços com as Forças Armadas da China, Cuba, Irã e Rússia” e conta com entre 125.000 e 150.000 militares da ativa, além de cerca de 200.000 membros de milícias. Soma-se a isso o apelo às armas para que civis defendam a pátria.

Para a jornalista venezuelana Sebastiana Barráez, especialista em assuntos militares, armar a população nesse contexto é “muito perigoso”. “Quem pode garantir que esses civis armados defenderão Nicolás Maduro quando há divisões até mesmo dentro do regime?”, questionou. A Venezuela também enfrenta sérios problemas em áreas “fundamentais para qualquer Exército”, como o moral das tropas e a liderança.

Barráez cita como exemplo os desertores das Forças Armadas. “Quando o Exército publica uma lista de 8.000 desertores, estamos falando de um golpe muito sério para essa instituição”, disse a especialista à DW.

“Imperialismo sempre à espreita”

“O imperialismo está sempre à espreita.” Essa frase sobre é extraída da Lei Orgânica do Plano da Pátria das Sete Grandes Transformações 2025-2031, promulgada em maio de 2025. A quinta transformação, dedicada à “transformação política e ao poder popular”, estabelece o objetivo de “garantir a proteção da República contra qualquer forma de interferência e intervenção estrangeira”. Mas também de “manter […] o respeito irrestrito à vontade do povo”. Esse, no entanto, é outro problema.

Embora, no papel, o Exército esteja severamente enfraquecido, sua capacidade de defender a Venezuela de qualquer potencial invasor não deve ser subestimada. No entanto, a situação muda quando não fica claro se o objetivo é proteger o país ou o regime de Maduro.

Barráez lembra que, durante as eleições de 2024, algumas seções eleitorais foram designadas para que os soldados votassem. Lá, a vitória da oposição, negada pelo governo, foi ainda maior do que no resto do país, afirma a jornalista. “Em outras palavras, a grande maioria dos militares votou em Edmundo González e não em Nicolás Maduro”, acrescentou.

O Exército venezuelano cresceu e se desenvolveu em meio a conflitos internos – guerrilhas e golpes de Estado – e impulsionado pela fartura do petróleo, que o tornou mais bem preparado para questões internas. A CIA, em seu perfil do país, destaca que as Forças Armadas venezuelanas “também têm um papel doméstico”, que inclui colaborar na manutenção da segurança interna e combater grupos armados, entre outras funções.

Outras análises também destacam essa abordagem, que prioriza o combate terrestre. No entanto, a maioria dos analistas descarta operações terrestres dos EUA contra a Venezuela ou mesmo contra focos de resistência que possam se formar em caso de mudança de regime.

Maduro diz ter “muitos amigos no mundo”

Em seu discurso, Maduro mencionou especificamente a China e a Rússia, além de “muitos outros amigos no mundo”. Entre eles, Irã, Cuba e Nicarágua, bem como grupos como o Hamas e o Hezbollah, que têm presença no país, segundo diversos analistas.

Em maio, ele assinou um Tratado de Parceria Estratégica com a Rússia, que inclui “cooperação técnico-militar” em seu Artigo 14 e visa aprimorar os “laços de defesa”. Pouco depois, foi inaugurada uma fábrica que produz munição para fuzis de assalto Kalashnikov sob licença russa.

O arsenal venezuelano é composto principalmente de armamentos russos, complementado nos últimos anos por equipamentos da China e do Irã.

A Venezuela também assinou um acordo de parceria semelhante com o Irã em 2022 e fabrica localmente drones de projeto iraniano. Além disso, ainda possui equipamentos da França, do Reino Unido, da Espanha, dos Estados Unidos e da Alemanha, mesmo com os embargos de armas impostos pela Europa e pelos EUA contra a Venezuela.

No entanto, apesar de contar com aliados internacionais, é duvidoso que tipo de apoio eles poderiam oferecer em caso de conflito com os Estados Unidos. Os países latino-americanos, em particular, são questionáveis. “Um ataque à Venezuela – não creio que haverá uma invasão – por parte dos EUA colocaria Colômbia, Cuba, Honduras e Nicarágua, e talvez a Bolívia, ao lado de Caracas”, explicou à DW Rogelio Núñez, analista do Instituto Real Elcano. Ele, porém, descartou a possibilidade de envolvimento militar desses países no apoio a Caracas. “Não, jamais militarmente, no máximo solidariedade diplomática”, esclareceu.

“Os demais poderão ficar incomodados – Brasil e México, ou talvez Chile e Uruguai – pelo que isso representa como interferência e violação da Doutrina Estrada, mas não sairão em defesa de um governo como o de Maduro”, acrescentou. De fato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se ofereceu para mediar a crise entre os Estados Unidos e a Venezuela. Núñez, por outro lado, descarta o apoio de outros países. “Nem a Argentina, nem o Peru, nem o Equador, nem o Paraguai, nem El Salvador, nem a República Domuiz Inácio Lula da Silva se ofereceu para mediar a crise entre os Estados Unidos e a Venezuela.

Núñez descarta, por outro lado, o apoio de outros países. “Nem a Argentina, nem o Peru, nem o Equador, nem o Paraguai, nem El Salvador, nem a República Dominicana” vão sequer manifestar descontentamento.

O que fariam China e Rússia em caso de ataque dos EUA?

“O todo-poderoso presidente chinês [Xi Jinping} é muito claro quanto às regras da China, e uma das principais é a não interferência em assuntos externos”, afirmou Felipe Debasa, professor de Relações Internacionais e especialista em história militar, à DW. “Além disso, a China precisaria da Venezuela tanto quanto a Venezuela pensa que precisa dela? Minha opinião pessoal é que não”, ou. “Há muitos mercados”.

Em relação à Rússia, o pesquisador, que estudou o assunto a fundo usando o método Delphi – ou seja, reunindo as opiniões de especialistas renomados – também acredita que o país não se envolveria, embora admita que, se o fizesse, estaria “abrindo a caixa de Pandora”. Ele, no entanto, alertou que os Estados Unidos também não estão interessados em “arriscar um conflito e começar a receber cadáveres em casa”. “Como no Vietnã”, lembrou. “Ou algo semelhante ao que está acontecendo com a Rússia na Ucrânia.”