13/02/2023 - 13:35
Nas margens do Lago Vitória, no Quênia, um pequeno vale se estende ao sul em direção ao imponente Monte Homa. Dele surgiram algumas das mais antigas ferramentas de pedra conhecidas usadas para abater grandes animais, bem como os restos mais antigos de um de nossos primeiros primos, o Paranthropus – um gênero que acreditamos ter coexistido com nossos ancestrais diretos.
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Ferramentas semelhantes e descobertas de fósseis já haviam sido feitas antes, em lugares diferentes e em épocas diferentes. Mas encontrá-los todos juntos em um só lugar, por mais antigos que sejam, é realmente extraordinário.
Na pesquisa publicada em 9 de fevereiro na Science, explicamos como as descobertas no local de Nyayanga estão mudando a maneira como os especialistas pensam sobre carnivoria [nutrição ou hábito alimentar fundamentado no consumo de carne] entre os hominídeos – um grupo que inclui humanos modernos, humanos extintos, ancestrais diretos e primos próximos.
Também levanta dúvidas sobre quem foi realmente responsável por fabricar as ferramentas de pedra que atribuímos anteriormente ao Homo e espécies próximas.
Fósseis na Península de Homa
Nyayanga é um típico vale pastoral situado na Península de Homa, no oeste do Quênia. Esta península há muito é conhecida por produzir vários fósseis. Em 1996, uma equipe multidisciplinar liderada por um de nós (Thomas) começou a trabalhar em um local de 2 milhões de anos chamado Kanjera South. Esse trabalho produziu uma riqueza de restos fósseis de grandes mamíferos, bem como ferramentas de pedra associadas ao nosso gênero, Homo.
Durante uma temporada de campo em Kanjera South, um homem local chamado Peter Onyango, que estava trabalhando com a equipe, sugeriu que investigássemos alguns fósseis e ferramentas de pedra que a erosão revelou em um vale nas margens do Lago Vitória. Esse novo local, chamado Nyayanga em homenagem à praia próxima, estava situado em uma trilha de burro que conduz ao lago.
As primeiras ferramentas de pedra e fósseis que coletamos estavam erodindo nas paredes da ravina. Começando em 2015, uma série de escavações finalmente recuperou um tesouro de 330 artefatos e 1.776 fragmentos de ossos de animais de uma variedade de espécies características de ambientes de savana aberta e floresta aberta.
Megafauna extinta
Os ossos incluíam animais que conhecemos hoje, como girafas, antílopes, elefantes e hipopótamos. Mas eles também incluíam megafauna extinta, como Eurygnathohippus, um ancestral extinto do cavalo, Pelorvis, o búfalo gigante, e Megantereon, a onça dente-de-sabre.
De particular interesse foram os restos de dois dentes do extinto hominídeo Paranthropus – apelidado de Homem Quebra-Nozes, pois acredita-se que seus grandes dentes chatos tenham sido usados para processar matéria vegetal dura. Esses dentes, um intacto e outro fragmento, foram a primeira evidência direta de um hominídeo extinto na península.
O que tornou sua recuperação ainda mais surpreendente foram as ferramentas que encontramos associadas a eles. Ao lado dos dentes do Paranthropus havia algumas ferramentas de pedra pertencentes a uma tecnologia conhecida como Oldowan, caracterizada por três formas principais: martelo, núcleo e lasca.
As ferramentas de Oldowan há muito foram associadas ao nosso próprio gênero, Homo, e já foram consideradas um marco para o início da modernidade humana. Embora não possamos demonstrar que o Paranthropus realmente fez essas ferramentas, essa espécie é até agora o único suspeito na cena do crime.
Os primeiros sinais de abate
Então, para que um hominídeo quebra-nozes e mastigador de plantas usava essas ferramentas? Bem, além das fábricas de processamento – cuja evidência pudemos ver nas bordas das ferramentas –, esses objetos líticos também foram usados para fazer steak tartar de hipopótamo.
Encontramos evidências de corte de carne nas bordas – mas a prova cabal foram as marcas de corte e percussão encontradas em vários indivíduos de hipopótamos associados a essas ferramentas de pedra.
Recorde de antiguidade
Claro, esta não foi a primeira vez que marcas de corte foram encontradas na megafauna. Na verdade, algumas das primeiras evidências de abate da megafauna foram relatadas por nossa equipe em Kanjera South em 2013.
No entanto, nosso abrangente programa de datação em Nyayanga revelou que os depósitos do local têm cerca de 2,9 milhões de anos. Isso significa que eles são provavelmente as ferramentas de pedra mais antigas encontradas com hipopótamos abatidos e material vegetal processado.
Não fica só aí: isso ocorre cerca de 2 milhões de anos antes da primeira evidência de que as pessoas usavam fogo. Isso sugere que o hipopótamo cru estava no cardápio dos hominídeos famintos.
Além disso, os fósseis de dente são os restos de Paranthropus mais antigos já encontrados, e as ferramentas associadas são as mais antigas conhecidas de Oldowan. O segundo grupo mais antigo foi descoberto a cerca de 1.200 quilômetros de distância na Etiópia e datado de cerca de 2,6 milhões de anos.
Admirável velho mundo
Não há evidências de que o Paranthropus estava caçando ativamente a megafauna. Mas estaria competindo com dentes-de-sabre, hienas e crocodilos pelo acesso a carcaças, no mínimo.
Os depósitos de Nyayanga fornecem um vislumbre de um mundo ancestral que possivelmente é radicalmente diverso de qualquer outro que havíamos imaginado. Ao fazer isso, eles levantaram ainda mais questões sobre a evolução dos hominídeos.
Quem eram esses fabricantes de ferramentas engenhosos? Até onde vai a carnivoria? E quão antigo e difundido é o inovador kit de ferramentas Oldowan? Apesar de mais de 100 anos de pesquisa na Península de Homa, muito ainda permanece por ser descoberto.
* Julien Louys é vice-diretor do Centro de Pesquisa Australiano para Evolução Humana na Universidade Griffith (Austrália); Thomas Plummer é professor no Departamento de Antropologia do Queens da Universidade de Nova York (EUA).
** Este artigo The Conversation. Leia o artigo original aqui.