19/08/2024 - 5:39
Personagem importante do período imperial, abolicionista defendia reforma agrária para que, após fim da escravidão, negros pudesse recomeçar suas vidas.Em 1869, Joaquim Nabuco (1849-1910) cursava o último ano da Faculdade de Direito do Recife — hoje Universidade Federal de Pernambuco — quando resolveu defender, sozinho, um escravizado condenado à morte por ter assassinado seu proprietário. Com sua sólida argumentação, conseguiu reduzir para pena perpétua a condição do homem.
Nascido há exatos 175 anos, Nabuco se tornou um dos grandes nomes da luta abolicionista brasileira. Atuou como político, diplomata, historiador, jurista, orador e jornalista. Foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras (ABL) e é em alusão ao seu aniversário que em 19 de agosto se comemora o Dia do Historiador no país.
Sobre a defesa jurídica que marcaria o início de sua luta contra a escravidão, o pesquisador e youtuber Paulo Rezzutti ressalta que o principal ponto trazido pelo jovem jurista foi alegar que o réu havia “agido em legítima defesa contra um crime social”.
“Ele considerava a escravidão um crime maior do que aquele que o escravizado havia praticado contra seu senhor. Isso foi um escândalo. Uma das coisas que ele diz na defesa foi que o escravizado não tinha cometido um crime, mas removido um obstáculo”, comenta Rezzutti.
A partir dali, seu pensamento abolicionista se tornaria cada vez mais vigoroso. Em 1871, ele se mudou para o Rio de Janeiro, então capital do Brasil, e passou a militar na imprensa, pautado pelas causas abolicionista, anticlerical e monarquista.
Eleito deputado, tornou-se uma voz forte contra a escravidão, liderando a bancada abolicionista da casa. Ao mesmo tempo, apoiava o governo imperial. “Ele teve atuação central no parlamento, foi o líder da campanha abolicionista nesta arena”, contextualiza a socióloga Angela Alonso, autora do livro Joaquim Nabuco: Os Salões e As Ruas, professora na Universidade de São Paulo (USP) e coordenadora do Núcleo de Movimentos Sociais e Instituições Políticas do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap).
“Também foi responsável por criar conexões internacionais com outros movimentos abolicionistas e políticos estrangeiros, para que pressionassem o governo imperial pela abolição. E foi a grande estrela pública do abolicionismo, figura carismática, que empolgava com seus discursos e impressionava pelo porte elegante”, acrescenta Alonso. “Além disso, escreveu artigos de propaganda abolicionista e o panfleto mais elaborado da campanha, em 1883.”
Professor na Universidade Estadual Paulista (Unesp), o historiador Paulo Henrique Martinez avalia que “o pensamento de Nabuco” ao partir “do exame das características da escravidão e seus efeitos imediatos e de longo prazo” produziu “uma crítica vigorosa da sociedade brasileira na crise final do Império”.
“Seu talento e objetividade intelectual rapidamente o fizeram compreender que a libertação de cerca de 1,5 milhão de pessoas, então confinadas no trabalho escravo, não seria suficiente para eliminar os danos sociais, econômicos e culturais, resultantes de três séculos de escravidão”, afirma o historiador. “Havia, disse ele, a necessidade de uma reforma social ampla e que abolisse também a herança da existência do regime escravista.”
No entendimento de Nabuco, se essas reformas não fossem realizadas, ocorreria o “prolongamento da escravidão” na vida social e cultural, mesmo que ela desaparecesse, enquanto regime, da “vida constitucional”. “Entendo que esta foi a sua maior contribuição para a luta contra a escravidão”, pontua Martinez. “A abolição não bastaria para reparar danos tão profundos e prejudiciais à vida nacional.”
Encontro com o papa
Decidido a conseguir que a abolição emplacasse no país, ele não se limitou a lutar no parlamento. Na ânsia por apoio internacional, conseguiu uma audiência com o papa Leão 13 (1810-1903) para convencê-lo a publicar um documento exortando que os escravocratas brasileiros alforriassem seus cativos.
O encontro ocorreu em 10 de fevereiro de 1888. “Nabuco explicou a ele o impacto social, econômico e social da escravidão no Brasil”, diz Rezzutti. “O papa se compadeceu e planejou uma encíclica a respeito, apelando à humanidade dos senhores de escravos.”
Chamada de In Plurimis, a carta papal foi publicada em 5 de maio daquele ano, oito dias antes da Lei Áurea ter sido sancionada no Brasil, abolindo oficialmente a escravidão — mas a tradução da carta em português só chegaria ao Brasil depois da lei nacional. O principal argumento do texto católico era que o regime escravocrata era contrário aos princípios do cristianismo.
“A motivação política mais persistente no pensamento e na ação de Nabuco era de natureza moral. Daí a tentativa de sensibilizar aquela que era considerada a maior autoridade moral no cristianismo ocidental e no mundo católico, em particular, o papa”, comenta Martinez.
“Sob a benção política deste, esperava impulsionar a adesão e a aceitação social da necessidade da reforma da ordem econômica, nascida com o abolicionismo na compreensão de Joaquim Nabuco.”
Reformas
Segundo a socióloga Alonso, o monarquismo de Nabuco explicava-se pelo fato de que ele via na continuidade do império a chance de que reformas estruturais fossem feitas no Brasil, favorecendo os ex-escravizados.
“O movimento abolicionista era pelo fim da escravidão, mas não havia uma agenda única sobre o que fazer depois”, comenta. Ela conta que Nabuco era alinhado às ideias do político Tavares Bastos (1839-1875) e do engenheiro André Rebouças (1838-1898): defendia direitos civis para ex-escravos e concessão de terras para eles recomeçarem a vida. “Uma minirreforma agrária”, resume a socióloga.
Essa agenda chegou a ser encampada pelo governo mas não foi adiante, por conta da resistência dos escravocratas. Nesse movimento, Alonso conta que Nabuco “ficou muito perto do republicanismo, com críticas duras a dom Pedro 2º, à princesa Isabel e à monarquia até o 13 de maio [de 1888]”.
“Contudo, quando a Monarquia desistiu da escravidão […], Nabuco e Rebouças julgaram que podiam pautar um terceiro reinado [sucedendo dom Pedro] e convencer Isabel a fazer um governo reformista”, explica ela.
Era um posicionamento distinto daquele da maioria dos abolicionistas, que julgavam haver uma incompatibilidade entre monarquia e uma sociedade a partir do trabalho livre. “[Estes] estavam certos, porque o último ano da monarquia [brasileira] foi dedicado a tentar acalmar os proprietários de escravos, que queriam indenização, e não a prover direitos para ex-escravos”, diz Alonso.
Após a Proclamação da República, Nabuco tornou-se um monarquista contundente, nas palavras da socióloga, “crítico da condução do governo pelos militares”.
Entre 1905 e 1910 ele atuou como embaixador nos Estados Unidos. Joaquim Nabuco morreu em 17 de janeiro de 1910 em Washigton, aos 60 anos, vítima de uma doença hematológica.