04/09/2021 - 7:35
Com novas variantes e aumento de infecções entre vacinados, muitos países adotam dose de reforço. Mas quem deve tomá-la, e como a desigualdade da cobertura vacinal no mundo cria riscos ao combate à pandemia?O número de novas infecções por coronavírus voltou a disparar em muitos países. Além da variante delta, já amplamente difundida, outras mutações preocupantes, como a lambda ou, mais recentemente, a C.1.2 e a mi (µ), estão se espalhando rapidamente. Com isso, surge também a questão de uma possível dose de reforço.
Infecções pós-vacinação (quando quem já completou o ciclo vacinal contrai o vírus) ocorrem raramente, mas são cada vez mais frequentes. Na Alemanha, houve 13.360 infecções sintomáticas pós-vacinação entre os 48 milhões de completamente vacinados, informou em meados de agosto o Instituto Robert Koch (RKI), responsável pela prevenção e controle de doenças no país.
Países como Israel e Estados Unidos já decidiram oferecer a todos os cidadãos uma terceira dose do imunizante, a assim chamada dose de reforço. No futuro, só esses serão considerados totalmente vacinados.
Outros países ricos, por outro lado, só pretendem aplicar a terceira dose em integrantes de grupos de risco, pelo menos a princípio. Nisso se enquadram idosos ou quem toma medicação imunodepressora, como os pacientes de tratamento de câncer.
Enquanto isso, no mundo todo a campanha de vacinação avança a passos lentos. Por solidariedade, portanto, a Organização Mundial da Saúde (OMS) pede que se espere com a terceira dose até que pelo menos 10% da população de todos os países tenha sido vacinada contra a covid-19.
Alemanha: foco nos grupos de risco
Na Alemanha, ainda não há uma estratégia definida. A Comissão Permanente de Vacinação (Stiko) não fez nenhuma recomendação vinculativa até agora. Mas em muitos estados federais, reforços com uma vacina de mRNA já são oferecidos em centros de saúde ou lares de idosos – geralmente pelo menos seis meses após a segunda vacinação.
Além disso, pacientes com imunodeficiência ou imunossupressão, bem como aqueles que precisam de cuidados especiais, deverão receber o reforço, pois correm maior risco de um enfraquecimento da proteção inicial.
A partir de setembro, até mesmo quem foi completamente vacinado com uma primeira dose de um imunizante de vetor (como os da AstraZeneca ou da Johnson & Johnson) também deverá receber uma nova dose com uma vacina de mRNA (como as da Pfizer-BioNTech ou da Moderna). Estudos indicam que uma vacinação cruzada (primeira dose da AstraZeneca e segunda de uma vacina de mRNA) tem um efeito significativamente melhor do que duas doses da AstraZeneca.
Quais os benefícios de uma vacinação de reforço?
O chamado efeito de reforço nas vacinações contra a covid-19 é geralmente desencadeado com a segunda dose: quando há novo contato com determinado patógeno conhecido – seja por meio de uma segunda vacinação ou de uma infecção –, a resposta do sistema imunológico é fortalecida e acelerada.
Tal reação é desencadeada pela formação das chamadas células de memória durante a reação inicial. As células de memória reconhecem o antígeno e assim podem reagir muito mais rápido para destruir o patógeno. Aí reside a importância da segunda dose para todos, e é por isso que quem já contraiu a doença recebe apenas uma dose após a recuperação – pois seu organismo já conhece o patógeno.
Mas sobretudo entre indivíduos com um sistema imunológico já debilitado, a resposta imunológica nem sempre é tão robusta. Pode ser que nesses casos, de fato, seja necessária uma dose de reforço.
Fabricantes admitem declínio do efeito protetor
Desde meados de julho, os fabricantes Pfizer e BioNTech reconhecem que há um declínio no efeito protetor de sua vacina após seis meses. Sendo assim, avaliam que uma terceira dose é necessária, sobretudo para quem tem o sistema imunológico debilitado.
A vacinação de reforço resulta “no mais alto nível de proteção contra todas as variantes do coronavírus testadas até agora, inclusive a variante delta”, afirmaram as farmacêuticas por meio de comunicado.
OMS pede que países ricos suspendam doses de reforço
Do ponto de vista global, o debate sobre uma possível dose reforço chega num momento absolutamente inoportuno. Embora as taxas de vacinação já sejam bastante altas em muitas nações industrializadas, diversos países mais pobres da Ásia, África ou América Latina só conseguiram vacinar uma pequena fração de sua população, devido à escassez de imunizantes.
Por isso a OMS fez um apelo aos países mais ricos para que interrompam a oferta de vacinações de reforço até que em todo os países pelo menos 10% da população tenha sido vacinada contra o coronavírus. Os países ricos devem se abster de doses de reforço pelo menos até o final de setembro, apelou o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus. Trata-se, segundo ele, de um ato de solidariedade para com os mais pobres.
Apesar de compreender a preocupação dos governos, que buscam assim proteger seus cidadãos da variante delta, ele considera inaceitável o fato de que justamente os países que já esgotaram a maior parte dos estoques de vacinas do mundo queiram ainda mais, enquanto indivíduos vulneráveis de outras partes do planeta permanecem desprotegidos.
Este foi o apelo mais incisivo da OMS até agora na luta contra a desigualdade cada vez maior nas taxas mundiais de vacinação. As declarações da organização, no entanto, não são vinculativas.
Perigos da desigualdade na distribuição de vacinas
Não se trata apenas de uma questão de falta de justiça ou solidariedade. Fato é que a pandemia global está longe de terminar, e se as variantes do coronavírus continuarem a se espalhar com a mesma velocidade nos países pobres, devido à falta de vacinas, no médio prazo isso também pode se tornar um problema sério para os mais ricos.
De acordo com a OMS, quanto mais tempo o vírus circula em grupos populacionais não vacinados, maior a probabilidade de que novas variantes apareçam – como a lambda (C.37), que já está difundida na América Latina, a mi (B1.621), identificada na Colômbia, ou a C.1.2, descoberta pela primeira vez em maio no sul da África.
Delta, mi, C.1.2: riscos da evolução acelerada
A variante mi (letra grega µ) acaba de ser classificada pela OMS como uma “variante de interesse” por trazer mutações com possível resistência às vacinas existentes.
Já a C.1.2 (até o momento detectada na África do Sul, República Democrática do Congo, República de Maurício, Reino Unido, China, Nova Zelândia, Portugal e Suíça) é a que demonstra a maior distância genética da cepa original. Com uma taxa de 41,8 mutações por ano, ela muda de forma com particular rapidez, em comparação com outras variantes, explicou pelo Twitter o epidemiologista americano Eric Feigl-Ding.
Com uma evolução tão acelerada, as chamadas mutações de “evasão antigênica” podem surgir mais rapidamente e também contornar as vacinas aprovadas até agora, já que todas elas foram desenvolvidas com base na cepa original.
Precisamente por esta razão é de suma importância as taxas de vacinação aumentarem significativamente, não só nos países ricos, como no mundo todo, explicou Penny Moore, professora do Instituto Nacional de Doenças Transmissíveis da África do Sul, em entrevista ao programa de rádio DW Africalink.
“O verdadeiro problema e o motivo por que tantas novas variantes estão surgindo é a baixa taxa de vacinação. As mutações só ocorrem quando alguém está infectado. Portanto, se pudermos aumentar a cobertura de vacinação em todo o mundo, isso resultará em menos infecções. E essa é a única maneira de reduzir o número de variantes.”