Ataques de militantes iemenitas ao tráfego marítimo no Mar Vermelho suscitaram reação da coalizão armada liderada pelos EUA. Trajetória dos houthis vai de grupo tribal a força política xiita, com apoio do Irã.Em retaliação aos ataques a navios no Mar Vermelho pelo grupo rebelde houthi, a coalizão naval Operação Guardião da Prosperidade, liderada pelos Estados Unidos e composta pelo Bahrein, Canadá, Espanha, França, Holanda, Itália, Noruega, Ilhas Seychelles e Reino Unido, bombardeou nesta sexta-feira (12/01) mais de uma dezena de locais controlados pelos houthis na capital do Iêmen, Sanaa, e em torno.

A decisão marca uma escalada significativa após semanas de ofensivas pelo grupo rebelde iemenita apoiado pelo Irã, que defende a causa palestina e a organização militante Hamas, da Faixa de Gaza.

Os houthis declararam que continuarão a atacar toda embarcação a caminho de Israel até que as Forças de Defesa Israelenses (IDF) suspendam o bloqueio a Gaza, permitindo a entrada de alimentos e outros artigos de primeira necessidade.

De tribo a potência política

Os houthis se derivam de um grupo tribal do norte do Iêmen, próximo à fronteira com a Arábia Saudita. Eles pertencem à subseita dos xiitas zaiditas, distinta dos muçulmanos xiitas tradicionais por certos artigos de fé.

Por exemplo, eles não acreditam no retorno da figura messiânica do 12º imã. Os 12 imãs são considerados descendentes do profeta Maomé, o último teria desaparecido, mas é esperado que volte algum dia. No entanto, o fato de os houthis serem xiitas os conecta com o Irã, considerado representante dos interesses da seita na região.

Os zaiditas compõem cerca de um terço da população do Iêmen, e seu movimento político e militar data dos anos 1990. A vertente contemporânea foi fundada e recebe o nome de Hussein al-Houthi, ex-político iemenita que se opunha às medidas governamentais e à suposta corrupção do ex-presidente Ali Abdullah Saleh, ele próprio houthi.

Depois que os protestos da Primavera Árabe de 2011 derrubaram o regime de Saleh, os houthis acusaram o novo governo, encabeçado por Abed Rabbuh Mansur Al-Hadi, um muçulmano sunita, de marginalizar os zaiditas e de ser próximo demais dos Estados Unidos, e portanto, de Israel. Além disso, para eles, o líder, seria uma marionete da Arábia Saudita.

Em 2014, os houthis se rebelaram contra o governo impopular de Hadi e começaram a dominar partes do país, inclusive a capital, Sanaa. Os sauditas, que de fato apoiavam o presidente Al-Hadi, se opuseram aos rebeldes, e desde 2015 lideram uma coalizão internacional para combatê-los, mas sem grande sucesso.

A guerra do Iêmen foi descrita pelas Nações Unidas como a pior crise humanitária do mundo. Em 2022, os oponentes negociaram seis meses de cessar-fogo. Mesmo depois desse prazo, a situação tem se mantido relativamente calma no país, pois todas as partes parecem ter concluído que se chegou a um impasse.

Papel obscuro de Teerã

O lema dos houthis não deixa dúvidas quanto a sua ideologia: “Deus é grande, morte aos EUA, morte a Israel, maldição sobre os judeus e vitória para o Islã”. Em seu território setentrional, eles adotaram uma ordem fundamentalista islâmica estrita, com viés antiocidental e anti-israelense.

Em sintonia com a maior parte das nações do Oriente Médio, desde a década de 1990 governos iemenitas sucessivos têm respaldado os apelos pelo reconhecimento do Estado da Palestina e o fim da ocupação israelense. Os houthis radicalizaram esse posicionamento e muitos habitantes simpatizam com ele.

Os houthis são vistos como aliados estreitos de Teerã, considerando-se parte do “Eixo de Resistência”, uma aliança regional que também inclui o Hamas de Gaza, o Hisbolá do Líbano e diversas facções paramilitares iraquianas. Hamidreza Azizi, pesquisador do think tank alemão Fundação Ciências e Política (SWP), ressalva que os houthis se distinguem em diversos pontos dos demais grupos, sobretudo por dependerem menos do Irã.

É impossível saber exatamente quanto apoio os houthis recebem de Teerã ou até que ponto obedecem a ordens suas, porém é duvidoso que os iranianos tenham desempenhado algum papel nos mais recentes ataques a navios no Mar Vermelho, postula Fabian Hinz, pesquisador associado de defesa e análise militar pelo Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS).

Ataques são mensagem para público doméstico

Observadores estimam que os atuais ataques pelos houthis não representam perigo militar para Israel, em si: todos os mísseis disparados daquela direção contra o país foram repelidos ou abatidos. As investidas seriam, antes, uma espécie de mensagem política para os públicos domésticos.

“Essa guerra é uma oportunidade de ouro para o grupo houthi demonstrar à população local sua posição pró-Palestina, anti-Israel e antiamericana”, sugere Farea al-Muslimi, pesquisador do programa para o Oriente Médio e Norte da África do think tank Chatham House. Contudo, é improvável que suas ações abram qualquer novo fronte substancial para os israelenses combaterem.

Para o tráfego marítimo, porém, a história é diferente: ligando o Golfo de Aden ao Mar Vermelho, o Estreito Bab Al-Mandab é um dos mais importantes do mundo. Por ele passa 12% do movimento de carga naval do mundo em direção ao Canal de Suez, a rota marítima mais curta entre a Europa e a Ásia, e para chegar lá é preciso passar pelo litoral do Iêmen.

Em reação às investidas dos houthis, companhias de frete importantes anunciaram que suspenderam o envio de barcos pelo estreito, redirecionando-os para contornar o Cabo da Boa Esperança, o que acrescenta 3.500 milhas náuticas (6.482 quilômetros) ao trajeto entre a Europa e Cingapura.