15/07/2025 - 17:20
Comissão da Câmara pode votar nesta quarta projeto que cria alíquota mínima de imposto de renda para quem ganha mais de R$ 50 mil e isenta quem ganha até R$ 5 mil por mês.A forma como o Imposto sobre a Renda de Pessoa Física (IRPF) é cobrado dos brasileiros deve mudar a partir do ano que vem, a depender da vontade do atual governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Um projeto de lei enviado pelo Palácio do Planalto ao Congresso estabelece que as pessoas que ganham até R$ 5 mil por mês ficarão isentas do tributo, e as que recebem de R$ 5 mil a R$ 7 mil terão um desconto parcial.
Para compensar a perda de arrecadação, quem ganha mais de R$ 50 mil por mês terá que pagar uma alíquota mínima de imposto de renda, que será de até 10%.
O governo espera que a renda extra na mão das pessoas beneficiadas pela isenção total ou parcial acabe voltando para a economia na forma de gastos e investimentos, contribuindo para o crescimento.
Ao mesmo tempo, seria reduzida a desigualdade do sistema tributário brasileiro, no qual os super-ricos pagam proporcionalmente muito menos tributos sobre seus rendimentos do que o resto da população brasileira.
Segundo um estudo divulgado em julho da Oxfam Brasil, organização britânica que atua no combate à desigualdade, os 10% de brasileiros mais pobres pagam, em proporção da sua renda, três vezes mais tributos do que 0,1% mais rico da população.
A pesquisa aponta que os mais pobres comprometem 32% da sua renda com tributos, contra 10% dos mais ricos.
Quem precisará pagar mais imposto
O governo estima que a nova alíquota mínima de imposto de renda atingirá 141,4 mil brasileiros – que são 0,13% do total de contribuintes e 0,06% da população do país.
Esse universo abrange pessoas que ganham mais de R$ 600 mil por ano (R$ 50 mil por mês), incluindo lucros e dividendos – como no caso de empreendedores individuais, proprietários ou acionistas de empresas.
Segundo o governo, essas pessoas pagam hoje uma alíquota efetiva média de imposto de renda de 2,54%.
Com a reforma, quem recebe a partir de R$ 600 mil por ano terá que pagar uma alíquota mínima de imposto de renda, que subirá linearmente até alcançar 10% para quem ganha a partir de R$ 1,2 milhão por ano.
Para quem ganha R$ 750 mil, por exemplo, a alíquota mínima será de 2,5%. Para quem recebe R$ 900 mil, de 5%. Para os que ganham R$ 1,05 milhão, de 7,5%. E para quem ganha a partir de 1,2 milhão, de 10%.
Essa alíquota será chamada de Imposto sobre a Renda das Pessoas Físicas Mínimo (IRPFM). Para quem é contratado via CLT e tem salários altos, não haverá mudança, pois essas pessoas já são tributadas na fonte.
A medida considera o quanto a pessoa já recolheu de imposto de renda para definir o valor devido. Se um contribuinte que recebeu R$ 1,2 milhão em um ano já pagou 8% de imposto de renda, ele terá que pagar mais 2%. Se, por outro lado, ele já pagou 12% de imposto de renda, não precisará pagar mais.
Um dos super-ricos que poderá ter que pagar mais imposto de renda – e se destacou por vir a público defender a reforma – é o cineasta Walter Salles, herdeiro do Itaú Unibanco e da mineradora CBMM. Ele tem uma fortuna estimada em R$ 26 bilhões, segundo o ranking de bilionários brasileiros da revista Forbes.
“Temos a chance de construir um país mais justo e igualitário, corrigindo as distorções de um sistema que, como a gente sabe, cobra mais de quem tem menos”, afirmou ele em 8 de julho durante a cerimônia do prêmio Faz Diferença 2024, promovido pelo jornal O Globo. “Quero deixar todo o meu apoio à tributação progressiva, à taxação das grandes fortunas e à democracia com justiça tributária.”
Outro afetado que defendeu o projeto foi o acionista controlador da Porto Seguro, Jayme Garfinkel. “É correto e precisamos aumentar o imposto [de quem ganha mais] porque há uma distribuição de renda totalmente absurda e incrivelmente injusta no Brasil”, afirmou ao site Reset, do portal UOL. “Eu recebo dividendos e rendimentos de investimento, que são isentos. Na hora H, não pago imposto de renda efetivo. Então, eu, que sou privilegiado, tento cumprir a minha parte com filantropia – que, aliás, não tem benefício fiscal.”
Quem vai ficar isento ou pagar menos imposto
Os recursos extras arrecadados com o imposto de renda mínimo dos super-ricos, segundo a proposta do governo, seriam usados para isentar de imposto de renda as pessoas que ganham até R$ 5 mil por mês, e dar um desconto parcial a quem ganha entre R$ 5 mil e R$ 7 mil.
O governo afirma que 10 milhões de pessoas seriam beneficiadas pela isenção total ou parcial, equivalente a 90% do atual universo de declarantes do imposto de renda.
Para quem ganha de R$ 5 mil a R$ 7 mil, haverá um desconto linear. Segundo a regra, quem ganha R$ 5,5 mil terá um desconto de 75%, quem ganha R$ 6 mil, de 50%, e quem ganha R$ 6.500, de 25%. A partir de R$ 7 mil, vale a tabela normal do imposto de renda.
O governo espera que o dinheiro extra na mão para quem for beneficiado com a isenção ou ou desconto será utilizado em consumo. Em seu material de divulgação da proposta, há algumas simulações.
Por exemplo, um motorista que ganha R$ 3.650,66 por mês terá, no final do ano, R$ 1.058,71 a mais na conta, o que poderia “ajudar na compra do material escolar do filho, pagar a revisão do carro ou garantir as compras do supermercado”.
Alguns economistas, porém, projetam que essa renda extra na mão das pessoas, além de estimular o crescimento, irá também pressionar a inflação.
O economista José Alfaix, da gestora Rio Branco, afirmou à revista Veja que a medida teria um impacto positivo no PIB de 0,2% em 2026 e de 0,1% em 2027, e um impacto ainda maior na inflação, com acréscimo anual de 0,4% em 2026 e de 0,6% em 2027.
Como está a tramitação no Congresso
O relator do projeto na Câmara é o deputado federal Arthur Lira (PP-AL), ex-presidente da Casa.
Durante a análise do tema, ele cogitou reduzir a alíquota mínima do imposto de renda para os super-ricos para 9%, devido ao fato de o ganho de arrecadação previsto com a alíquota mínima ser superior à renúncia com a isenção e o desconto parcial.
Segundo o governo, a queda de arrecadação prevista com a isenção e o desconto parcial seria de R$ 25,84 bilhões em 2026, enquanto a alta de arrecadação com a alíquota mínima seria de R$ 34,12 bilhões.
Depois, Lira voltou atrás e manteve a alíquota de 10% em seu relatório. Mas ele aumentou a faixa das pessoas que receberiam um desconto parcial para até R$ 7,35 mil por mês. A faixa de isenção total segue a mesma, até R$ 5 mil.
É possível que seu relatório seja votado nesta quarta-feira na comissão especial da Câmara que analisa o projeto, e a votação em plenário está prevista para agosto. Depois, o texto segue para o Senado. Se for aprovado neste ano, as medidas valeriam a partir de 2026.
Maioria dos brasileiros aprova ideia
Uma pesquisa Datafolha divulgada em 9 de abril apontou que 76% dos brasileiros são favoráveis à proposta de cobrar mais imposto de renda de quem ganha mais de R$ 50 mil por mês, enquanto 20% são contra.
A pesquisa também perguntou o que os entrevistados achavam da isenção de imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil por mês – nesse caso, 70% foram a favor e 26%, contra.
A proposta de criar uma alíquota mínima de imposto de renda para os super-ricos enfrenta menos resistência do que a ideia de criar um imposto sobre grandes fortunas, proposta no ano passado pelo PSB e as federações PT-PCdoB-PV e PSOL/Rede durante a tramitação da reforma tributária.
Essa medida previa cobrar alíquota anual de 0,5% a 1,5% sobre patrimônios a partir de R$ 10 milhões, e foi rejeitada pela Câmara em outubro passado.
A proposta de criar um imposto global sobre grandes fortunas também foi uma das apostas do Brasil durante o exercício da presidência rotativa do G20, mas não prosperou até o momento.
bl/ra (ots)