A guerra continua, mas as disputas sobre a reconstrução do enclave já começaram. Mas o problema maior não deve ser dinheiro – e sim, a política.Os combates, as mortes e a destruição em Gaza ainda nem acabaram, mas já começa um jogo de empurra sobre quem vai pagar a conta.

Ainda que o custo humano do conflito em Gaza seja incalculável, não se pode dizer o mesmo sobre os custos de reconstrução do que foi destruído pelos bombardeios de Israel. Segundo estimativas preliminares, essa fatura pode chegar a 50 bilhões de dólares (246 bilhões de reais).

Nesta semana, a mídia israelense informou que o premiê do país, Benjamin Netanyahu, disse ao seu Comitê de Relações Exteriores e Defesa que os sauditas e os Emirados Árabes Unidos estariam dispostos a pagar a conta da reconstrução de Gaza. Isto apesar de Israel ainda não ter traçado um plano sobre quem governaria o território palestino caso consiga de fato destruir o Hamas.

Há também quem diga que os europeus é que deverão pagar, já que a União Europeia – e a Alemanha em particular – têm historicamente sido importantes fornecedores de ajuda humanitária aos territórios palestinos ocupados. Os Estados Unidos, também entre os maiores doadores, provavelmente serão cobrados para financiar a reconstrução.

Mas tanto nos EUA como na Europa, fala-se nos bastidores que os tomadores de decisões já se questionam sobre o sentido de, mais uma vez, usar milhões pagos pelos contribuintes para reconstruir infraestruturas que provavelmente serão novamente bombardeadas num futuro próximo.

“Ouvi funcionários do alto-escalão da UE dizerem expressamente que a Europa não pagará pela reconstrução de Gaza. (As somas de dinheiro exigidas pela Ucrânia já são absurdas)”, escreveu nesta semana Gideon Rachman, principal colunista de assuntos estrangeiros do Financial Times no Reino Unido. “O Congresso americano [também] demonstra resistência a qualquer forma de assistência externa.”

Israel pagaria pela reconstrução de Gaza?

Outros sugerem que Israel deve pagar pelos danos provocados por sua atual campanha em Gaza. O argumento se baseia na visão compartilhada por ONU, UE e outras organizações internacionais de que o país é uma força de ocupação na região, devendo, portanto, arcar com a reconstrução.

Em 2010, Israel concordou em compensar a principal agência das Nações Unidas atuante em Gaza – a Agência da ONU para Refugiados Palestinos, conhecida como UNRWA – com 10,5 milhões de dólares por edifícios destruídos durante sua operação de 2009 no enclave, muito menor do que a atual.

O pagamento gerou controvérsia tanto entre alguns israelenses, que se perguntavam se isso equivalia a uma admissão de culpa, como entre organizações de direitos humanos, que afirmavam que mais deveria ser pago às vítimas. No entanto, este parece ter sido um raro caso em que Israel concordou com uma compensação.

Os recentes bombardeios israelenses na Faixa de Gaza, onde vivem mais de 2 milhões de palestinos, são uma resposta ao ataque do Hamas a Israel em 7 de outubro. O grupo islâmico é considerado uma organização terrorista por Alemanha, EU, EUA e diversos outros países. Israel também lançou uma ofensiva terrestre na Faixa de Gaza, além de bloquear a entrada de alimentos, água, energia e a maior parte da ajuda ao enclave. E os combates continuam.

Como resultado, mais de metade de todas as habitações de Gaza foram destruídas – até 50 mil unidades habitacionais, com mais de 200 mil danificadas. Além disso, dezenas de hospitais e centenas de escolas e edifícios governamentais foram arruinados, assim como instalações agrícolas. Muito disso havia sido construído com financiamento internacional.

Durante a última ofensiva de Israel em Gaza, em 2021, cerca de mil unidades habitacionais e comerciais foram destruídas e outras 16.257 danificadas, juntamente com 60 escolas. Na época, o custo da reconstrução foi estimado em cerca de 8 bilhões de dólares (39 bilhões de reais).

“O nível de danos estruturais e destruição não tem precedentes”, disse Marta Lorenzo, diretora do Gabinete de Representação da UNRWA para a Europa, sobre o conflito atual. “Não é comparável a nenhuma outra guerra em Gaza.”

“No momento, portanto, é muito difícil estimar o custo, mas não será da responsabilidade de apenas um doador”, avalia.

À DW, Lorenzo disse que o mais provável, depois que a violência baixar, é que possa haver uma conferência de compromissos, “durante a qual esperamos que a comunidade internacional partilhe a responsabilidade”.

Uma disputa política

Mas então quem tem maior probabilidade de arcar com a enorme – e ainda crescente – conta disso tudo?

A resposta é difícil porque o financiamento para a ajuda e a reconstrução em Gaza, bem como para os territórios palestinos ocupados e outros projetos relacionados com a Palestina, tem sido politicamente tenso há décadas. O fato de o Hamas governar o enclave desde 2007 tem sido problemático para os doadores, que questionam como levar ajuda e dinheiro a quem deles precisa, sem financiar também as atividades militares do grupo.

Um bloqueio de 16 anos a Gaza por parte de Israel e Egito, bem como anos de negligência por parte do Hamas, que até então governava o enclave, levaram à degradação da economia. Em 2022, estimativas da ONU apontavam para 80% da população de Gaza dependente de ajuda.

Antes da crise atual, grande parte dessa ajuda vinha da UNRWA, que fornecia serviços de assistência social, escolas e clínicas de saúde. Na qualidade de segundo maior empregador de Gaza, a agência da ONU também foi inúmeras vezes acusada de parcialidade.

Ministros do alto escalão do governo israelense já manifestaram o desejo de eliminar completamente a UNRWA, enquanto políticos moderados de países doadores acreditam que a entidade é fundamental.

Outro exemplo do tipo de controvérsia em torno da reconstrução é o chamado Mecanismo de Reconstrução de Gaza, ou GRM. Criado em 2014 como medida temporária para evitar que o Hamas tivesse acesso a materiais de construção de “dupla finalidade” – com os quais pudesse, por exemplo, construir túneis –, acabou por se tornar um sistema complexo e excessivamente burocrático, que levou a atrasos significativos na entrega de materiais de construção para Gaza. O GRM também aumentou os custos de construção em até 20%, levando a acusações de manipulação do sistema por empreiteiros israelenses visando a obtenção de lucros. Isso fez com que, em certo momento, construtores de Gaza chegassem a boicotar materiais aprovados pelo GRM.

​Sem solução à vista

Tais controvérsias não devem desaparecer tão cedo, sobretudo devido à maior urgência da situação e a um nível de destruição excepcional, prevê Nathan Brown, membro sênior do programa do Carnegie Endowment para o Oriente Médio. A tendência, aliás, é de piora, aponta o especialista.

“O problema não será o financiamento, e sim a política”, disse Brown à DW. “Se amanhã todas as partes – Israel, os palestinos, atores regionais e ocidentais – disserem: 'aqui está o futuro; ele será assim', quer se trate de uma solução de dois Estados ou de um Estado ou de qualquer outra coisa, então dinheiro não será um problema.”

Diversos doadores estariam dispostos a ajudar se isso indicar que o problema está a caminho de ser resolvido permanentemente, observou Brown.

Nos últimos dias, vários relatos apontaram para a disposição dos Emirados Árabes em pagar pela reconstrução de Gaza, mas somente no caso de garantias de uma solução de dois Estados. “Caso contrário, eles estariam basicamente financiando o que, para a sua própria população, parece ser uma reocupação israelense de Gaza”, aponta Brown.

Infelizmente, como observa Brown, uma solução duradoura parece improvável, pelo menos por enquanto. “Não vejo nada acontecendo além de uma série de arranjos improvisados que permitem que a maioria dos principais atores simplesmente encontrem maneiras de tornar as consequências desta campanha manejáveis […]. Para tirá-la da primeira página, digamos assim.”

No momento, há muitas perguntas sem resposta, acrescentou Yara Asi, bolsista não residente do Centro Árabe de Washington DC. “Se não houver uma governança legítima em Gaza, será que os doadores vão se sentir confortáveis em enviar dezenas de milhões de dólares?”, questiona Asi. “Imagino que eles queiram alguma garantia de um tipo diferente de futuro político antes de enviarem todo esse dinheiro mais uma vez.”

Por outro lado, ela salienta que se os europeus e os americanos estão genuinamente descontentes com o fato de estufas, escolas e hospitais construídos com sua ajuda estarem sujeitos a repetidos ciclos de violência, então eles deveriam se esforçar mais para ajudar a resolver o problema.

“Acho que se eles estão cansados de ver este nível de destruição, não podem apenas reclamar do custo da limpeza”, argumenta. “Eles deveriam tomar medidas ativas para evitar isso. Imaginem dizer, bem, [a reconstrução] vem com o pressuposto de que Israel bombardeará Gaza novamente. Israel só pode realmente fazer isso com o apoio destes países. Portanto, é intrigante para mim por que eles não estão fazendo mais [para resolver] o problema.”