13/06/2018 - 12:51
Um novo espaço para trocar ideias, experiências e encontrar caminhos eficazes e inovadores de o comércio internacional contribuir efetivamente com formas de produção e consumo sustentáveis e inclusivos. Essa proposta em prol do meio ambiente foi apresentada em janeiro pelo diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (órgão máximo do comércio internacional), o brasileiro Roberto Azevêdo, em parceria com o diretor-executivo da ONU Meio Ambiente (antigo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente – Pnuma), Erik Solheim.
A iniciativa ainda não tem um formato muito delineado, mas promete reunir os vários atores da sociedade – consumidores, empresas, governos e organizações – para fortalecer o meio ambiente e a economia dos países ao mesmo tempo. O pontapé inicial deve acontecer até o fim deste ano em um evento em Genebra, Suíça – cidade sede da OMC e sede europeia da ONU.
Diplomata de carreira, Azevêdo, 60 anos, já trabalha na OMC há 10 anos. De 2008 a 2013 atuou como negociador-chave do Brasil dentro do organismo. Em 2013 assumiu como diretor-geral da OMC, vencendo oito concorrentes. No ano passado, foi candidato único – fato considerado uma chancela ao seu desempenho no cargo – e teve o mandato estendido por mais quatro anos.
A experiência de Azevêdo em rodadas de negociação típicas da organização certamente influenciou na hora de organizar essa iniciativa: uma grande mesa de diálogo para melhorar o entendimento de como as políticas ambientais e o comércio internacional podem – e devem – andar de mãos dadas para inovar na forma de fazer negócios. Ele defende que “tanto a OMC quanto a ONU Meio Ambiente têm a responsabilidade de levantar essa bandeira e promover mudanças de impacto nessas áreas.” Para os brasileiros fica a satisfação extra de ver um conterrâneo liderando essa investida.
PLANETA – Como nasceu essa iniciativa junto à ONU Meio Ambiente?
AZEVÊDO – Nossas organizações têm uma colaboração de longa data. Desde a criação da OMC, a ONU Meio Ambiente é observadora do nosso Comitê de Comércio e Meio Ambiente. Trabalhamos juntos em diversas frentes, por exemplo, desenvolvendo atividades e estudos que discutem como o comércio e o meio ambiente podem se apoiar mutuamente. Vale lembrar que o acordo que criou a OMC, em 1994, vincula a organização aos objetivos do “desenvolvimento sustentável” e à “necessidade de proteger e preservar o meio ambiente”. Isso está na página 1, no primeiro parágrafo, do nosso acordo constitutivo. Dito isso, nos dias de hoje a cooperação internacional passa por desafios importantes, e isso é verdade tanto na área do meio ambiente quanto do comércio internacional. Resolvemos então aprofundar o diálogo existente e lançar uma nova plataforma em nível global para trocar ideias, experiências e, especialmente, melhorar a compreensão de como o comércio pode ajudar a promover o desenvolvimento inclusivo e sustentável, inclusive os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
PLANETA – Que tipo de resultados práticos a OMC espera da plataforma que propõe junto à ONU Meio Ambiente para encontrar meios de o comércio internacional contribuir com formas de produção e consumo mais sustentáveis?
AZEVÊDO – Ainda é cedo para prever quais ideias serão apresentadas, ou quais serão os resultados dessa iniciativa. Queremos envolver a sociedade civil e mesmo o setor privado nesse diálogo com governos de todo o mundo. Pelo que temos sentido, é possível que ideias interessantes surjam, por exemplo, nas áreas de difusão de tecnologias limpas, energias renováveis, transporte, adaptação tecnológica e economia circular. Esses são temas que conectam o comércio internacional e o desenvolvimento sustentável. Queremos buscar ideias práticas que façam a diferença.
PLANETA – Como tem sido a aceitação dos stakeholders em fazer parte desse debate e de adotar iniciativas em prol do meio ambiente, já que muitas vezes isso é visto pelo mercado como um custo e um ponto contra o desenvolvimento e o crescimento dos negócios?
AZEVÊDO – O mercado entenderá que a sociedade como um todo quer soluções sustentáveis. Se houver custo adicional para um, haverá também para os concorrentes. Uma visão esclarecida perceberá também as oportunidades. Por exemplo, o comércio pode ajudar a disseminar novas tecnologias, promover eficiência energética e contribuir para a economia de baixo carbono. Isso pode ajudar a estimular novos investimentos e inovações, o que pode trazer novas oportunidades de negócios e empregos. Naturalmente, o comércio sozinho não resolve todos os problemas nessa frente, mas com certeza pode ajudar muito se fizer parte de um conjunto adequado de políticas públicas, inclusive na área ambiental.
PLANETA – A atuação do presidente americano Donald Trump a favor do protecionismo e de guerras comerciais entre países deve atrapalhar a intenção da OMC de trabalhar em parceria com a ONU Meio Ambiente?
AZEVÊDO – Num cenário de muitas incertezas, tenho insistido que a coordenação e a cooperação em nível internacional são essenciais para promover estabilidade, segurança e desenvolvimento. Evidentemente o sistema não é perfeito, mas é essencial. Se cada um agir por si, todos acabam perdendo. Há espaço para melhorar a governança global, e isso inclui o trabalho de cada organização internacional, mas também a coordenação e a coerência entre elas. Nosso diálogo com a ONU Meio Ambiente é certamente desimpedido e positivo nesse contexto.
PLANETA – Como o sr. vê a recente restrição pela Justiça, na Alemanha, de carros a diesel altamente poluentes circularem? Isso poderia levar a regras internacionais que coibissem a exportação e importação desse tipo de veículo?
AZEVÊDO – Vale sempre lembrar que as regras da OMC permitem que os membros restrinjam o comércio caso seja necessário para preservar recursos naturais exauríveis ou para proteger a saúde humana, animal ou vegetal. Evidentemente, essas medidas não podem ser aplicadas de maneira discriminatória ou arbitrária, ou seja, o argumento legítimo de proteção ambiental não pode servir como um mero disfarce para encobrir medidas protecionistas. De qualquer forma, o sistema de solução de disputas da OMC tem confirmado o entendimento de que existe ampla margem para políticas de proteção ambiental, mesmo que elas venham a restringir o comércio. Aliás, o Brasil tem experiência positiva nessa área. O país foi questionado a respeito da proibição à importação de pneus usados e ganhou a disputa com base também no argumento ambiental, alegando que não poderia se transformar num depósito de lixo. Mesmo políticas de tolerância zero a um risco ambiental foram consideradas compatíveis com as regras da OMC.
PLANETA – Que detalhes pode nos adiantar a respeito de como deve ser o evento programado para este ano em Genebra, e que deve dar o pontapé oficial aos trabalhos dessa plataforma em prol do meio ambiente?
AZEVÊDO – Nossas equipes estão trabalhando para definir os detalhes desse evento. Acredito que será uma ótima oportunidade para explorar formas práticas de como expandir oportunidades para fortalecer o comércio e o meio ambiente.
PLANETA – Embora todos tenham claro que o sr. não está representando o Brasil na posição que ocupa hoje, para os brasileiros é um marco ter um conterrâneo frente a uma organização desse porte. A seu ver, ser brasileiro influenciou de alguma forma sua chegada ao cargo ou sua decisão de liderar essa iniciativa em prol do meio ambiente?
AZEVÊDO – Durante muitos anos fui o embaixador do Brasil na OMC, representando os interesses comerciais do país na Organização. Hoje, como diretor-geral, represento todos os membros. Minha experiência na diplomacia e no comércio internacional, mas também minha perspectiva de brasileiro e de cidadão, me deixam convencido de que há espaço para melhorar a cooperação global especialmente em temas como comércio e meio ambiente. São desafios globais que exigem respostas globais. Tanto a OMC quanto a ONU Meio Ambiente têm a responsabilidade de levantar essa bandeira e promover mudanças de impacto nessas áreas.