10/01/2017 - 11:56
No ano passado, a Ford anunciou o lançamento de uma nova estratégia de negócios: o Ford Smart Mobility. A iniciativa engloba várias iniciativas em desenvolvimento para melhorar a mobilidade, que envolvem aspectos como conectividade, análise de dados, veículos autônomos, compartilhamento de carros e análises de comportamento do consumidor. Tudo isso delineia um futuro não distante em que a empresa será conhecida não apenas por fabricar veículos, mas por proporcionar a seus clientes os meios de locomoção mais adequados aos seus interesses de momento. Porta-voz da Ford para o tema mobilidade, Luciano Driemeier fala a seguir sobre os planos da empresa para essa área.
PLANETA – O Ford Smart Mobility, nova estratégia de negócios da empresa com foco na mobilidade, foi lançado em 2015. Quando a Ford percebeu que não bastaria mais se definir apenas como uma indústria de veículos?
DRIEMEIER – Já em 2011, Bill Ford (bisneto do fundador da Ford, Henry Ford, e presidente do Conselho de Administração da empresa), dizia que não é uma boa ideia cada pessoa ter dois carros na garagem. Isso foi considerado uma heresia para quem trabalha no setor de automóveis. Hoje, pôr mais e mais carros na rua já não é a resposta predominante no mundo, inclusive para as pessoas ligadas aos negócios automotivos. A Ford iniciou esses debates e continua a liderá-los. Ainda em 2011, Bill Ford citou uma frase marcante do seu bisavô: “Se perguntasse a meus consumidores o que eles queriam, me diriam que queriam um cavalo mais rápido”. Para Bill, estamos agora num ponto desses: se perguntarmos aos consumidores o que eles querem, ouviremos “mais ruas, mais estradas, mais espaço” – algo equivalente ao cavalo mais rápido dos velhos tempos. A Ford quer claramente transformar a mobilidade em um negócio e já se define como uma empresa de mobilidade, não mais apenas automotiva. É claro que nosso foco ainda é produzir carros de que as pessoas gostem. O negócio tradicional de automóveis envolve US$ 2,3 trilhões mundialmente, e a Ford tem 6% dele. Já os serviços de transporte representam um negócio de US$ 5,4 trilhões, e nem a Ford, nem as outras montadoras tradicionais têm participação relevante nessa área. Por meio do Ford Smart Mobility, a Ford vai usar sua essência, que é produzir veículos, para financiar seus negócios no setor emergente da mobilidade.
PLANETA – Que incluem, por exemplo, o compartilhamento de carros…
DRIEMEIER – A tendência do compartilhamento envolve um produto que já temos hoje, mas que terá de ser reinventado. Vamos mudar de “posse” para “uso”, e isso vai acontecer rapidamente. A Ford terá de se reinventar de modo a ter certeza de que a tecnologia necessária para transformar a propriedade do seu carro de passeio em uso vai funcionar. Também vemos na nossa van Transit, de uso mais comercial, a possibilidade de uma “van dinâmica”, intermediária entre dois extremos – o ônibus, maior, de rota inflexível e mais barato, e o transporte particular, menor, de rota flexível e mais caro. Essa van dinâmica teria rota e pagamento de passagens flexíveis – você não pagaria pelo tempo em que não a usou. Ela otimizaria o trânsito, porque não rodaria por onde não precisasse e ajudaria a tirar carros de circulação. Em setembro, anunciamos a aquisição da Chariot, uma empresa de San Francisco que faz exatamente isso. A compra faz parte do processo da Ford de experimentar como funciona esse mercado e como se posicionar nele. Para a Ford, no futuro dessa área, em que entram veículos autônomos, conectividade e análise de dados, por exemplo, as pessoas vão disponibilizar sua rotina para uma empresa de mobilidade, a qual vai planejar os deslocamentos de cada uma delas, usando diferentes modais. Imagine como seria processar a rotina de todos esses usuários e conseguir uma mobilidade tranquila para eles…
PLANETA – Como a Ford avalia o desempenho das duas frentes principais de atuação para o Smart Mobility, o uso e propriedade flexíveis de veículos (que envolve o compartilhamento de carro ponto a ponto) e as soluções de mobilidade urbana multimodais, como bicicletas?
DRIEMEIER – Segundo um levantamento com que trabalhamos, 73% das pessoas declaram preferir ter poucas posses, mas úteis, a ter muitas posses. É uma mensagem interessante: a propriedade já não é mais prioridade. O que estaria na lista de prioridades? De acordo com dados americanos, para cerca de 70% das pessoas, compartilhar economiza dinheiro. Compartilhar, portanto, se torna uma decisão financeira e é uma tendência que não tem volta. Estamos mudando da posse para o uso, e nesse sentido todos os produtos terão de ser reinventados. Em relação às alternativas multimodais, concluímos que a solução de mobilidade não passa por um lugar só. Carros são opção, assim como bicicletas, skates elétricos, metrô, ônibus… A solução está no multimodal, com a tecnologia ajudando a conectar diferentes modais.
PLANETA – O que é o FordPass, plataforma que a Ford lançou nos EUA em maio?
DRIEMEIER – Ele serve para qualquer proprietário de carro e tem várias funcionalidades. Ele vai planejar sua jornada, programando, por exemplo, como pagar estacionamento, como ir do ponto A ao ponto B; vai ter guias que facilitam a mobilidade e até um programa de milhagem, com prêmios de fidelidade. Também abrange FordHubs, centros onde os consumidores podem explorar novidades e serviços oferecidos pela Ford. A plataforma já é uma ferramenta para mudarmos de uma montadora para uma empresa de mobilidade. Está disponível nos Estados Unidos, Canadá, Inglaterra, e em algum momento chegará ao Brasil.
PLANETA – Como andam os testes da Ford com veículos autônomos? E de que modo implantar essa tecnologia em países em que o trânsito é, na prática, mais improvisado, como na Índia?
DRIEMEIER – A Ford já trabalha há mais de dez anos com veículos autônomos. Para 2020-2021, deveremos lançar um carro totalmente autônomo, definido pela SAE International como nível 4 (ou seja, um carro sem volante, pedal de freio ou acelerador), que até lá já deverá ser produzido em escala comercial – ou seja, mais de 100 mil unidades. Fizemos algumas parcerias interessantes nesse sentido e estamos avançados nos testes. O produto estará pronto em 2021, mas é claro que ele ainda não seria usado em locais com trânsito caótico. Nossa prioridade máxima é a segurança, tanto do motorista quanto das demais pessoas. A regulação do carro autônomo passa por questões de segurança, legislação (mesmo em países que já convivem com isso há algum tempo, como os EUA, essa legislação ainda não está pronta), padronização nas cidades, envolve uma parceria da empresa com o poder público…
PLANETA – Na disputa carros híbridos x carros elétricos, a Ford acredita que ambos vão conviver ou um deles prevalecerá?
DRIEMEIER – Como hoje ainda não temos uma infraestrutura de abastecimento dos carros elétricos, o híbrido é perfeito: tem eficiência energética altíssima, é muito mais amigável ao meio ambiente do que o motor a combustão e a infraestrutura para usá-lo está estabelecida. Mas o elétrico vai dominar, porque a humanidade está aprendendo a usar a energia do Sol, que é abundante e barata. Investir em veículos elétricos é parte da prioridade estratégica da Ford: estaremos investindo nos próximos anos US$ 4,5 bilhões em produtos elétricos. A energia solar vai ser armazenada em baterias mais eficientes e vai nos mover em breve.
PLANETA – O que é preciso fazer para a tecnologia de híbridos e elétricos chegar a veículos mais populares?
DRIEMEIER – A tecnologia das baterias de carros elétricos e híbridos ainda não está totalmente dominada e segue cara. Temos um problema de custos no Brasil, que envolve também incentivos, mas o fato é que, em nível mundial, a equação para o carro elétrico ainda não se resolveu. Mas essa tecnologia vem evoluindo rapidamente, como toda tecnologia disruptiva. O elétrico vai se tornar popular quando essa equação for viável. A Ford está investindo bastante dinheiro nisso e, nos próximos quatro anos, vamos lançar 13 produtos elétricos.
PLANETA – A Ford lançou recentemente em sua fábrica de São Bernardo do Campo (SP) um projeto piloto de compartilhamento de carros da frota para colaboradores. Como vocês avaliam o desempenho dele até agora?
DRIEMEIER – Temos alguns projetos piloto de compartilhamento de carros em diferentes lugares do mundo, como na Alemanha e na Inglaterra. O brasileiro, por enquanto, é restrito aos colaboradores de São Bernardo. Colocamos esse projeto para eles de modo a aprender mais sobre esse negócio e viabilizar os projetos de mobilidade da empresa. Foi um sucesso total. O aplicativo até travou porque todos reservaram carro rapidamente. Uma coisa que já aprendemos é que os consumidores são muito diferentes, o que ainda não nos permite otimizar custos para fazer um experimento em, por exemplo, São Paulo ou Xangai, que nos dê um resultado aproveitável para todo o mundo. Tudo passa pela maneira como o consumidor abraça a tecnologia, quais são as dificuldades que ele tem.