14/11/2025 - 17:06
País vota no domingo em referendo que pode mudar a Constituição e permitir o retorno de forças norte-americanas ao território equatoriano. Medida pode fortalecer pressão dos EUA em águas da América Central.O Equador decide em referendo popular no domingo (16/11) se revogará uma cláusula constitucional que proíbe a presença de forças militares estrangeiras no país. A votação foi convocada pelo presidente do país, Daniel Noboa, que defende a instalação de bases militares em território equatoriano.
Para isso, precisará alterar o artigo 5 da Constituição, eliminando o texto que descreve o país como um “território de paz”. O referendo também consulta a população sobre a convocação de uma Assembleia Constituinte, que ficaria responsável por desenhar uma nova Carta Magna com foco no combate ao crime organizado.
Pesquisas do instituto Cedatos sugerem que quase dois terços da população apoiam a mudança. Se aprovada, permitiria que os Estados Unidos ocupassem bases na costa pacífica do Equador.
Para o Equador, isso fortaleceria os laços com os EUA e potencialmente melhoraria os esforços para combater a violência local. Para o governo do presidente americano Donald Trump, seria um impulso em sua campanha contra redes de tráfico de drogas em toda a região, que já levou a quase duas dezenas de ataques militares a embarcações supostamente ligadas ao tráfico nas águas da América do Sul e Central.
Antes do referendo, Noboa recebeu a secretária de Segurança Interna dos EUA, Kristi Noem, e a levou para conhecer antigas bases militares americanas nas cidades costeiras de Manta e Salinas, hoje usadas pelas forças armadas equatorianas.
Até 2008, Manta era o centro operacional das atividades de interceptação dos EUA.
“O objetivo da base em Manta era permitir, basicamente, que aviões de vigilância dos EUA patrulhassem aquelas águas”, explica Evan Ellis, professor de Pesquisa sobre a América Latina no Instituto de Estudos Estratégicos da Escola de Guerra do Exército dos EUA. “Assim, seria possível fazer um trabalho mais eficaz de interceptação dos barcos de drogas que navegavam pelo Pacífico oriental. Sem ela, os EUA foram forçados a se deslocar para outros locais [fora do Equador].”
Retorno dos EUA pode afetar a segurança interna do Equador
O Equador já foi amplamente visto como uma das nações mais pacíficas da América do Sul. Mas anos de crimes violentos mudaram esse cenário, com cartéis internacionais de drogas e gangues locais liderando aumentos nos assassinatos e atentados.
Desde a saída das forças americanas em 2008 e a reformulação da Constituição pelo ex-presidente Rafael Correa para barrar militares estrangeiros no território equatoriano, o país se tornou um importante ponto de trânsito de drogas, especialmente cocaína, oriunda de centros de produção ilícita na Colômbia e no Peru.
Ellis afirma que a barreira constitucional de Correa deixou as forças de segurança mal preparadas para lidar com o crime transnacional: “[Elas] estavam dramaticamente subfinanciadas, dramaticamente sem capacidades, porque o Equador sempre foi um lugar relativamente pacífico, de baixa violência.” E embora líderes equatorianos posteriores tenham retomado parcerias de segurança com os EUA, a chegada de Noboa em 2023 e de Trump em 2024 aproximou ainda mais os dois países, afirma.
De fato, o crescimento do problema das drogas e da criminalidade, aliado a uma plataforma de campanha em “modo de guerra” contra gangues e violência local, impulsionou a reeleição de Noboa neste ano contra a popular rival de esquerda, Luisa González.
O período eleitoral ficou marcado pela escalada da violência no país, inclusive com um ataque à comitiva de Noboa.
Agora, parece provável que os equatorianos aprovem a presença de forças estrangeiras no país.
“O peso do crime organizado está mudando a opinião pública”, afirma Benjamin Gedan, diretor do Programa Latino-Americano do Stimson Center, nos EUA. “Pesquisas recentes mostram apoio surpreendente a ataques dos EUA contra supostos traficantes no Caribe e no Pacífico. Os equatorianos são amplamente pró-americanos, usam o dólar dos EUA e reconhecem que seus serviços de segurança são inexperientes.”
O governo Noboa indicou que policiais e forças de segurança locais seriam capacitados com a expertise americana caso a votação seja aprovada.
Equador pode ser parceiro na guerra às drogas de Trump
Desde setembro, ataques dos EUA a barcos em águas internacionais deixaram mais de 70 mortos. O governo Trump alega que essas embarcações, em sua maioria venezuelanas, estariam a serviço do tráfico de drogas. Apesar dos pedidos de governos latino-americanos, da ONU e de observadores de direitos humanos, Trump não apresentou provas dos ataques.
Os ataques americanos abalaram a região. Nesta semana, o maior porta-aviões do mundo, o USS Gerald R. Ford, da força naval americana, chegou às águas da região.
O principal alvo de Trump tem sido o regime de Nicolás Maduro na Venezuela, amplamente visto por governos das Américas como ilegítimo após duas eleições contestadas.
Trump também demonstrou frustração pública com a Colômbia e disse que os esforços recentes do presidente Gustavo Petro para conter a produção ilegal de drogas não foram suficientes. A relação se deteriorou ainda mais nesta semana, quando Petro, em resposta aos ataques antidrogas – que, segundo ele, vitimaram inocentes – suspendeu o compartilhamento de inteligência com os EUA.
Embora a operação antidrogas dos militares americanos seja impopular com o governo colombiano, o Equador parece aberto à perspectiva de mudança, ainda que apenas como resposta para enfrentar problemas internos de criminalidade.
“Uma base americana reaberta resolveria o problema? Não”, avalia Gedan. “Acima de tudo, o Equador precisa livrar sua polícia e sistema judicial da corrupção e encontrar maneiras de deter a lavagem de dinheiro e desmontar grupos criminosos sofisticados. Mas, dado o terrível custo da violência, não é surpresa que os equatorianos, por ora, aceitem caças e drones americanos explodindo ‘bandidos’ no mar.”