O chamado Relógio do Juízo Final, que mede simbolicamente o tempo até a iminência de uma catástrofe mundial, foi adiantado e agora está a 90 segundos da meia-noite – o mais perto que já chegou do dia derradeiro. O principal motivo é a invasão da Ucrânia pela Rússia e o risco de uma escalada nuclear do conflito.

O anúncio foi feito nesta terça-feira (24/01) pelo Boletim dos Cientistas Atômicos, grupo de especialistas que gere o projeto simbólico desde 1947. Em relação à última medição, em 2022, o relógio foi adiantado em 10 segundos. O ponteiro havia permanecido a 100 segundos da meia-noite, o recorde anterior, por três anos.

“As ameaças veladas da Rússia de usar armas nucleares lembram ao mundo que uma escalada do conflito – por acidente, intenção ou erro de cálculo – é um risco terrível. As possibilidades de que o conflito possa sair do controle permanecem altas”, afirmou Rachel Bronson, presidente do Boletim dos Cientistas Atômicos.

O grupo também disse que os combates na Ucrânia em torno da usina nuclear de Zaporíjia – a maior da Europa –, e da zona de exclusão em torno de Tchernobil exacerbaram os riscos atômicos.

Segundo Bronson, por essa razão, pela primeira vez, o anúncio do grupo também será traduzido para russo e ucraniano, em uma tentativa de atrair atenção para a gravidade da situação.

“O governo dos Estados Unidos, seus aliados da Otan e a Ucrânia têm uma infinidade de canais de diálogo. Exortamos os líderes a explorar todos eles em sua capacidade máxima para voltar o relógio”, conclamou Bronson.

Outras ameaças

Além da guerra na Ucrânia, segundo os responsáveis pelo projeto, o horário foi adiantado devido às ameaças relacionadas à crise climática e pelo colapso de normas e instituições globais necessárias para mitigar os riscos associados ao avanço das tecnologias e ameaças biológicas, como a covid-19.

“Estamos vivendo em uma época de perigo sem precedentes, e o relógio reflete essa realidade. Noventa segundos é o mais próximo que o relógio já esteve da meia-noite, e é uma decisão que os nossos especialistas não tomam de ânimo leve”, disse Bronson.

Para Sivan Kartha, membro do conselho do Boletim e cientista do Instituto Ambiental de Estocolmo, os riscos para o clima estão se tornando cada vez mais visíveis e foram alimentados pelo aumento do uso de carvão para gerar energia, à medida que os países buscam alternativas ao gás natural russo.

“Com as emissões continuando em alta, os extremos climáticos permanecem e são ainda mais claramente atribuíveis às mudanças climáticas”, ressaltou Kartha.

O grupo também destacou como ameaças a proliferação de armas nucleares na China, o aumento do enriquecimento de urânio pelo Irã e testes de mísseis na Coreia do Norte.

O que é o Relógio do Juízo Final?

O Relógio do Juízo Final é descrito como “uma metáfora de quão perto a humanidade está da autoaniquilação”. Os responsáveis pelo projeto o movem para frente ou para trás com base nos níveis de ameaças globais.

Albert Einstein, J. Robert Oppenheimer e outros cientistas que trabalharam no Projeto Manhattan e nas primeiras armas nucleares fundaram o Boletim dos Cientistas Atômicos, uma organização sem fins lucrativos com sede em Chicago, em 1945. A ideia do Relógio do Juízo Final surgiu em 1947.

O relógio foi originalmente definido em sete minutos para a meia-noite. O mais longe que já esteve do horário derradeiro foi em 1991, após o fim da Guerra Fria, quando foi ajustado para 17 minutos para a meia-noite.

O relógio foi destaque na história em quadrinhos e no filme Watchmen, ganhando maior notoriedade.

Um grupo de cientistas nucleares e climáticos e outros especialistas, incluindo ganhadores do Prêmio Nobel, discutem eventos mundiais para decidir a que horas deixar o relógio.

A Campanha Internacional pela Abolição das Armas Nucleares, vencedora do Prêmio Nobel da Paz em 2017, também chamou a atenção para a mudança do relógio.

“Já estamos fartos da inação que se segue aos avisos do Relógio do Juízo Final”, disse a diretora-executiva da Campanha, Beatrice Fihn. “Os líderes dos estados com armas nucleares devem negociar urgentemente o desarmamento nuclear, e a reunião do G7 em Hiroshima em maio de 2023 é o lugar perfeito para delinear tal plano”, apelou.

Hiroshima foi a primeira cidade japonesa a ser atingida por uma bomba atômica americana, em 6 de agosto de 1945, poucos dias antes de Nagasaki.

O ex-secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, também pediu aos líderes mundiais que tomem medidas. “Os líderes não deram ouvidos aos avisos do Relógio do Juízo Final em 2020”, disse Ban. “Todos nós continuamos a pagar o preço. Em 2023 é vital para o nosso bem que eles ajam”, concluiu.

le/lf (AP, AFP, Lusa, Reuters, ots)