17/12/2025 - 17:21
Enquanto o Brasil trabalha com a expectativa de assinatura no sábado, italianos e franceses dizem que acordo é “prematuro”. Lula critica hesitação e diz que, se assinatura for adiada, Brasil não fará mais o acordoOs planos do governo brasileiro de selar no próximo fim de semana o acordo comercial entre Mercosul e União Europeia foram colocados em xeque nesta quarta-feira (17/12), após a Itália se juntar à França e pedir um adiamento das tratativas. Paralelamente, sob pressão, a Comissão Europeia acatou incluir novas salvaguardas no texto final do pacto.
O presidente da França, Emmanuel Macron, afirmou em reunião de gabinete que o país irá “se opor firmemente” ao acordo com o bloco sul-americano. O governo francês vem exigindo cláusulas de salvaguarda mais robustas, controles mais rígidos sobre importações e padrões mais severos para os produtores do Mercosul, como forma de amenizar o impacto da concorrência sobre os agricultores europeus.
A França também quer salvaguardas mais duras, incluindo “cláusulas espelho” que obriguem os produtos do Mercosul a cumprir as regras da UE sobre uso de pesticidas, bem-estar animal e inspeções mais rigorosas de segurança alimentar.
A oposição francesa tem sido endossada por Polônia, Hungria e, agora, pela Itália. A primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, disse ao parlamento de seu país que a assinatura do acordo dependeria de mudanças essenciais no texto para sair do papel.
Meloni afirmou que assinar o acordo nos próximos dias “seria prematuro”. Ela pediu um pacote de medidas para proteger os agricultores italianos antes de aprovar o tratado.
“Isso não significa que a Itália pretende bloquear ou se opor ao acordo como um todo… mas que pretende aprová-lo apenas quando incluir garantias recíprocas adequadas para o nosso setor agrícola”, declarou.
Comissão acata mudanças
A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, tem negociado a assinatura do tratado, mas precisa do apoio de pelo menos dois terços dos países da UE. A oposição da Itália aumenta a possibilidade de a França reunir aliados suficientes para vetar a assinatura.
Na terça-feira, o Parlamento Europeu obteve maioria para endurecer medidas de salvaguarda no texto final. Entre elas, os eurodeputados acataram a inclusão de um mecanismo de reciprocidade, que dá poder à Comissão Europeia para abrir investigações sempre que houver “indícios confiáveis de que importações com benefícios tarifários não respeitam regras equivalentes às exigidas dos produtores da UE”, como bem-estar animal e proteção trabalhista.
Já na quarta-feira, membros do Parlamento e da Comissão chegaram a um acordo provisório para estabelecer os controles mais rígidos exigidos no texto final. Neles, a UE se reserva ao direito de abrir investigações se houver um aumento de mais de 8% ao ano nos volumes de importação ou uma queda de preços nessa proporção em um ou mais países do bloco europeu.
Eles também concordaram com uma declaração que detalha medidas da União Europeia para realizar inspeções, inclusive nos países do Mercosul, a fim de apoiar os agricultores e garantir que padrões de produção – como os relativos ao uso de pesticidas – sejam cumpridos.
Uma cúpula de representantes dos países acontece entre quinta e sexta-feira para estabelecer os detalhes finais. Apesar dos apelos por uma prorrogação do prazo, von der Leyen e o presidente do Conselho Europeu, António Costa, ainda estão programados para comparecer ao evento com chefes de Estado do Mercosul no próximo sábado, em Foz do Iguaçu.
Em paralelo, o Senado francês aprovou uma resolução na qual insta o governo a levar o acordo comercial ao Tribunal de Justiça da UE.
Lula critica atrasos
Em reunião ministerial nesta quarta-feira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva indicou que, se a UE adiar a assinatura, o tratado não será mais celebrado enquanto ele estiver no cargo.
“Já avisei que, se não for agora, o Brasil não fará mais o acordo enquanto eu for presidente”, disse. Macron “não quer [o acordo] por causa dos seus agricultores” e Meloni “agora se opõe, vá-se lá saber porquê”, criticou.
Para Lula, as condições negociadas até agora “são mais favoráveis” para a UE do que para o Mercosul e não há espaço para novas alterações. As tratativas para a criação da maior zona de livre comércio do mundo haviam se encerrado em dezembro de 2024, após décadas de negociação.
“Eu vou para Foz do Iguaçu na expectativa de que eles digam sim, e não digam não. Mas, também, se disserem não, nós vamos ser duros daqui para frente com eles, porque nós cedemos a tudo que era possível a diplomacia ceder”, disse.
O Brasil encerra seu mandato à frente do Mercosul no final deste ano e passa a chefia do bloco ao Paraguai. Segundo Assunção, a conclusão do acordo depende exclusivamente do consenso europeu. No entanto, Brasil e Paraguai ainda não se pronunciaram sobre as mudanças acordadas no Parlamento Europeu.
Longa negociação
O acordo comercial está em negociação há mais de 25 anos. Se ratificado, abrangeria um mercado de 780 milhões de pessoas e um quarto do Produto Interno Bruto global.
O chanceler federal alemão Friedrich Merz disse a parlamentares em Berlim que defende o pacto.
“A capacidade de ação da União Europeia também pode ser medida pelo fato de que, após 26 anos de negociações, finalmente estamos em posição de concluir este acordo comercial – e assim também avançar rapidamente com os tratados negociados com México e Indonésia”, afirmou.
Ele acrescentou que aqueles “que reclamam de detalhes de grandes acordos comerciais que nós, europeus, queremos concluir com importantes áreas econômicas do mundo ainda não entenderam de fato as prioridades que devemos estabelecer agora”.
A Espanha e os países nórdicos também afirmam que o acordo ajudaria exportações afetadas por tarifas dos Estados Unidos e reduziria a dependência da China ao garantir acesso a minerais.
gq (AFP, Reuters, EFE, Lusa, OTS)
