Algumas espécies de tardígrados (ou ursos d’água, como também são conhecidas essas minúsculas criaturas aquáticas) podem sobreviver em diferentes ambientes muitas vezes hostis ou até fatais para a maioria das formas de vida. Pela primeira vez, pesquisadores descrevem um novo mecanismo que explica como alguns tardígrados podem suportar desidratação extrema sem morrer. A pesquisa foi publicada na revista PLOS Biology.

Os cientistas exploraram proteínas que formam um gel durante a desidratação celular. Esse gel endurece para apoiar e proteger as células do estresse mecânico que, de outra forma, as mataria. Essas proteínas também demonstraram funcionar em células de insetos e até mesmo apresentar funcionalidade limitada em células cultivadas em humanos.

Os tardígrados costumam chamar a atenção para si mesmos, apesar de serem tão pequenos. Sua incrível capacidade de sobreviver em situações que matariam a maioria dos organismos capturou a imaginação do público. Pode-se facilmente imaginar que, decodificando seus segredos, poderíamos aplicar o conhecimento a nós mesmos para tornar os humanos mais resistentes a temperaturas extremas, pressões e até desidratação. Por enquanto, isso é apenas ficção científica, mas, no entanto, pesquisadores, também cativados pelas criaturas microscópicas, buscam entender os mecanismos responsáveis ​​por sua robustez, pois isso pode trazer outros benefícios também.

Reação das células

“Embora a água seja essencial para toda a vida que conhecemos, alguns tardígrados podem viver sem ela potencialmente por décadas. O truque está em como suas células lidam com esse estresse durante o processo de desidratação”, disse o professor associado Takekazu Kunieda, do Departamento de Ciências Biológicas da Universidade de Tóquio (Japão) e autor correspondente do artigo. “Acredita-se que, à medida que a água sai de uma célula, algum tipo de proteína deve ajudar a célula a manter a força física para evitar o colapso sobre si mesma. Depois de testarmos vários tipos diferentes, descobrimos que as proteínas solúveis em calor abundantes no citoplasma (CAHS), exclusivas dos tardígrados, são responsáveis ​​por proteger suas células contra a desidratação.”

Pesquisas recentes sobre as proteínas CAHS revelam que elas podem sentir quando a célula que as encapsula fica desidratada, e é aí que elas entram em ação. As proteínas CAHS formam filamentos semelhantes a gel à medida que secam. Esses filamentos formam redes que sustentam a forma da célula à medida que ela perde sua água. O processo é reversível, então, à medida que as células do tardígrado se reidratam, os filamentos retrocedem a uma taxa que não causa estresse indevido na célula. Curiosamente, porém, as proteínas exibiram o mesmo tipo de ação inclusive quando isoladas de células de tardígrados.

“Tentar ver como as proteínas CAHS se comportavam em insetos e células humanas apresentou alguns desafios interessantes”, disse o autor principal Akihiro Tanaka, pós-graduando no laboratório de Kunieda. “Por um lado, para visualizar as proteínas, precisávamos corá-las para que aparecessem sob nossos microscópios. No entanto, o método de coloração típico requer soluções contendo água, o que obviamente confunde qualquer experimento onde a concentração de água é um fator que se busca controlar. Por isso, recorremos a uma solução à base de metanol para contornar esse problema.”

Aplicações futuras

A pesquisa sobre mecanismos relacionados à preservação a seco de células ou organismos pode ter muitas aplicações futuras. Kunieda e sua equipe esperam que, por meio desse novo conhecimento, os pesquisadores possam encontrar maneiras de melhorar a preservação de materiais celulares e biomoléculas em estado seco. Isso poderia prolongar a vida útil de materiais usados ​​para pesquisa, medicamentos com prazos de validade curtos ou talvez até órgãos inteiros necessários para transplantes.

“Tudo sobre tardígrados é fascinante. A extrema variedade de ambientes em que algumas espécies podem sobreviver nos leva a explorar mecanismos e estruturas nunca antes vistos. Para um biólogo, esse campo é uma mina de ouro”, disse Kunieda. “Nunca esquecerei o dia de ano novo de 2019, quando recebi um e-mail de Tomomi Nakano, outra autora do artigo. Ela estava trabalhando até tarde tentando ver a condensação de proteínas CAHS e observou as primeiras redes de filamentos CAHS em células humanas cultivadas. Fiquei surpreso ao ver essas imagens microscópicas claramente definidas. Era a primeira vez que eu via algo assim. Foi realmente um ano novo muito feliz!”

Saber como isolar e ativar essas proteínas especiais, porém, é apenas o começo. Kunieda e sua equipe planejam peneirar mais de 300 outros tipos de proteínas, algumas das quais provavelmente desempenham um papel na incrível capacidade de preservação da vida desses minúsculos animais aquáticos.