Reversão de parte das tarifas impostas por Trump sinaliza trégua nas relações entre Brasília e Washington. Analistas apontam que resultado enfraquece bolsonarismo e pode fortalecer real ante o dólar.133 dias. Esse foi o tempo entre a carta que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, endereçou ao Brasil anunciado tarifas adicionais de 40% sobre todos os produtos brasileiros que entravam no país e a retirada das mesmas sobre centenas de produtos do agropecuários, como café, frutas tropicais e carne bovina, entre outras – medida anunciada na quinta-feira (20/11).

A reversão das tarifas impostas por Donald Trump sinaliza uma trégua nas relações entre Brasília e Washington e é vista por analistas como uma vitória política do governo Lula sobre a extrema-direita. A medida também tem potencial de fortalecer o real e reaquecer as exportações brasileiras, especialmente de café e carne bovina, após quatro meses de tensão comercial entre os dois países.

“Esta é uma vitória impressionante da diplomacia brasileira onde o próprio Trump cita as conversas com o presidente Lula como o evento que vira a percepção da Casa Branca. O peso da diplomacia, somado ao esforço presidencial e do vice-presidente Geraldo Alckmin, praticamente sepultam as perspectivas políticas na questão tarifária”, avalia o economista André Perfeito.

Vitória política

Na quinta-feira, o presidente dos Estados Unidos anunciou a retirada da tarifa de importação de 40% sobre mais de 200 produtos brasileiros, entre eles café, frutas tropicais, cacau, carne bovina e sucos.

A medida resulta de uma conversa entre Trump e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 6 de outubro, quando ambos concordaram em abrir negociações sobre barreiras comerciais impostas em julho, após longa troca de farpas. Nessa época,

Trump anunciou uma sobretaxa de 40% a produtos vendidos pelo Brasil. Posteriormente, a taxa foi acrescida com as chamadas “tarifas recíprocas” de 10% aplicadas globalmente sobre importações.

Ao anunciar o tarifaço em julho, o presidente dos Estados Unidos justificou a medida citando um falso déficit com o Brasil, e também deixou claro que pretendia fazer pressão política sobre o país sul-americano, mencionando o processo contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, seu aliado quando este último ocupava a Presidência – em meio ao lobby do deputado Eduardo Bolsonaro e de influenciadores de extrema-direita como Paulo Figueiredo sobre membros do governo norte-americano para fustigar a relação e o comércio entre os dois países.

Inicialmente, a Casa Branca acabou anunciando uma lista com quase 700 exceções, como suco de laranja e produtos de aviação, que beneficiou 43% do valor das exportações brasileiras. Mas produtos como carne e café continuaram sobretaxados em 40% até esta semana. Essas tarifas entraram em vigor no dia 30 do mesmo mês e, desde então, começaram as negociações para construir acordos comerciais.

No entanto, mesmo com a retirada de várias tarifas de diversos produtos, 22% do total de exportações brasileiras para os EUA ainda continuam sendo taxadas. O governo brasileiro diz esperar zerar essas tarifas remanescentes em novas negociações.

De acordo com o professor de Relações Internacionais da FGV, Pedro Brites, a decisão do governo brasileiro de não ceder de imediato às pressões de Bolsonaro e Trump, adotando uma postura firme nas negociações e buscando tanto o diálogo direto quanto o apoio de canais indiretos, como empresários e setores econômicos afetados, acabou demonstrando eficácia e garantiu resultados positivos ao país.

“Então me parece que foi, sim, uma vitória do governo Lula, uma vitória do Itamaraty e, simbolicamente, eu acho que representa de fato uma derrota para atores como o Eduardo Bolsonaro, como Paulo Figueiredo, mas especialmente ao discurso mais amplo da direita”, diz Pedro Brites, que cita o apoio inicial do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, em relação às tarifas.

Além disso, o governo Trump também pode ter sofrido pressão interna para um realinhamento de perspectiva em relação ao Brasil.

“A equipe e outros membros do governo estão sendo pressionados também, na minha visão, pelas estruturas do Estado norte-americano, dizendo o seguinte: não vale a pena, do ponto de vista estratégico e econômico, ter uma disputa com o Brasil. Então esse realinhamento primeiro é com o Brasil e é com o sistema internacional, porque o presidente Trump percebeu que num sistema internacional entrópico, com tendência ao conflito, não vale a pena ter uma disputa”, afirma José Niemeyer, professor de Relações Internacionais do Ibmec-RJ.

Há ainda o elemento geopolítico, em que os Estados Unidos buscam desassociar o governo brasileiro a um possível alinhamento com a China.

Os laços entre as burocracias estatais e as sociedades civis são mais fortes com os EUA, mas vem crescendo também com a China. Do ponto de vista diplomático, há uma narrativa comum com a China no que se refere a temas como a promoção da liderança do “Sul Global” e “multipolaridade” como pilares para uma ordem internacional mais justa. Ao impor as tarifas, Trump colocava dificuldades nas relações bilaterais e incentivava a ampliação das relações entre o Brasil e outros países, incluindo a China”, diz Lívia Peres Milani, pesquisadora do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos (INCT-INEU).

Impacto econômico deve ser positivo

Para além do impacto político, a isenção das tarifas também deve fomentar novamente as exportações do produto brasileiro ao mercado dos Estados Unidos. Um exemplo é o café. Na safra 2024-2025, as exportações brasileiras da commodity atingiram um marco histórico na safra com uma receita cambial recorde de US$ 14,7 bilhões, segundo o Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé).

O desempenho reforça o peso do café na pauta de exportações brasileiras e, sobretudo, a relevância dos Estados Unidos como principal destino: o mercado americano respondeu sozinho por 17,1% de todo o café embarcado, o equivalente a 3,31 milhões de sacas, à frente da Alemanha e da Itália.

“[A isenção] é uma excelente notícia e reforça a perspectiva de um setor externo mais robusto. Por exemplo, o café tinha perdido 50% das exportações para aquele país. Só disso ser normalizado, podemos pensar em algum boom das exportações”, afirma André Perfeito.

Segundo Perfeito, o fim das tarifas extras aos produtos brasileiros pode valorizar o real ante o dólar. “Muito provavelmente o Real pode se apreciar na esteira dessa notícia e romper o patamar dos R$ 5,30”, afirma.

Para além dos impactos macro, a decisão de Washington reforça a relevância do Brasil no cenário comercial internacional e consolida os efeitos da política de diversificação de mercados adotada nos últimos anos.

“Embora ainda seja cedo para estimar o ganho real dessas medidas, já que não tínhamos uma dimensão clara das perdas efetivas, o Brasil vinha adotando uma estratégia ampla de diversificação de mercados e de atração de novos parceiros. No fim das contas, isso acaba sendo um efeito duplamente positivo, porque o país continua abrindo mercados, buscando novos parceiros e gerando incentivos para diferentes setores, ao mesmo tempo em que manteve a relação com os Estados Unidos, mesmo que em bases diferentes das que tínhamos antes, mas ainda assim importantes para o acesso àquele mercado”, diz Pedro Brites.

O sucesso em excesso, porém, pode criar problemas e é necessário atenção ao aumento nos preços internos que um excesso de exportações, com a volta das vendas aos Estados Unidos, poderá trazer. “Já havíamos superado o gargalo imposto pelas tarifas de Trump. Agora teremos que exportar ainda mais e uma maior demanda pode criar efeitos indesejados nos preços, o quanto é impossível prever ainda”, completa Perfeito.