15/10/2025 - 11:04
Coreia do Sul quer retomar reuniões de parentes separados após armistício com norte-coreanos há mais de 70 anos. Analistas duvidam que Kim Jong-un vá autorizar os encontros, suspensos desde 2018.Em 1953, a Coreia do Sul e a Coreia do Norte haviam chegado a um impasse após três anos de combates. Seus territórios fronteiriços haviam trocado de mão diversas vezes com o respectivo apoio de tropas americanas e chinesas. O armistício assinado naquele ano sacramentou a divisão da Península Coreana e de milhares de famílias, separadas pela zona tampão que se estabeleceu entre os países.
No começo de outubro, o presidente sul-coreano, Lee Jae Myung, pediu à Coreia do Norte a retomada de reuniões entre as famílias separadas há sete décadas pela Guerra da Coreia. Os últimos encontros deste tipo aconteceram em 2018, mas foram congelados desde então devido à nova escalada de tensões entre os países.
Lee defende que as reuniões familiares sejam retomadas como parte de um esforço humanitário entre as nações vizinhas, mas analistas creem que os apelos não serão ouvidos por Pyongyang.
“Infelizmente, as relações entre as Coreias estão mergulhadas em profunda desconfiança, mas a questão das famílias separadas continua sendo a principal prioridade que a Coreia do Sul e a Coreia do Norte devem trabalhar juntas para resolver”, disse Lee ao reforçar o apelo no início deste mês, em um discurso em memória das famílias separadas.
O armistício de 1953, que dividiu a península, nunca foi seguido por um tratado de paz, o que faz com que Coreia do Sul e do Norte permaneçam tecnicamente em guerra. Para Lee, esta é uma oportunidade de “diálogo e cooperação” entre os países.
O presidente sul-coreano prometeu que seu governo faria “o máximo para garantir que a paz se enraíze na península coreana” e assegurar que “a dor das famílias separadas não seja transmitida às gerações futuras”.
Desde agosto, os países dão sinais de arrefecimento das tensões, com a retirada de alto-falantes das fronteiras dispostos para distribuir propaganda ao país vizinho, mas as tensões permanecem.
A Coreia do Norte “tem as cartas na mão”
Os comentários de Lee foram feitos pouco antes da celebração do Chuseok, o festival anual da colheita, quando as famílias sul-coreanas se reúnem e prestam homenagem aos seus antepassados.
Atualmente, há um reconhecimento crescente de que o tempo está se esgotando para um número cada vez menor de famílias divididas em cada lado da Zona Desmilitarizada.
Em 2018, quando 83 norte-coreanos foram autorizados a se reunir com 89 parentes do sul, o sul-coreano mais velho selecionado por sorteio para viajar ao norte na ocasião tinha 101 anos.
A postura de Pyongyang sobre a questão parece ter se tornado ainda mais hostil desde então. Em fevereiro deste ano, a Coreia do Norte foi vista desmantelando uma instalação usada anteriormente para as reuniões. Até o momento, o líder norte-coreano Kim Jong-un não respondeu aos pedidos.
“Não creio que o Norte tenha qualquer intenção de sequer responder”, disse Kim Sang-woo, ex-político de um partido de esquerda sul-coreano, que agora atua no conselho da Fundação Kim Dae-jung para a Paz.
“No momento, a Coreia do Norte tem todas as cartas na mão e pode concordar com as reuniões, mas, desde que melhorou sua relação com a China e a Rússia, não tem necessidade de fazer nada que o Sul queira”, afirmou à DW.
Embora a Coreia do Norte ainda esteja amplamente isolada politicamente e dependente da China, agora também formou uma forte parceria com a Rússia, que viu tropas norte-coreanas serem enviadas para lutar na guerra da Ucrânia.
“[O presidente sul-coreano] Lee tem boas intenções, mas isso será uma tortura para as famílias que receberão falsas esperanças de que poderão ver seus parentes no Norte”, disse Kim. Ao menos 36 mil pessoas solicitaram o benefício à Coreia do Sul.
Uma vida sem notícias da família
Dan Pinkston, professor de Relações Internacionais da Troy University, em Seul, conheceu vários coreanos que estão separados de seus parentes desde a guerra da década de 1950 e não sabem se seus entes queridos ainda estão vivos.
“É uma situação completamente trágica”, disse ele. “Conheço um homem que trabalha no Ministério da Unificação em Seul e que já trabalhou em esforços para organizar reuniões no passado. Seu pai tinha uma irmã que estava estudando para ser enfermeira quando os norte-coreanos invadiram [a Coreia do Sul] em 1950 e foi capturada.”
“Ela foi levada para o Norte, mas não se soube mais nada depois disso”, disse ele. “Décadas mais tarde, sempre que o Norte fornecia ao ministério listas com os nomes das pessoas que queriam participar das reuniões, ele sempre verificava para ver se conseguia encontrar sua tia.”
“Ele nunca conseguiu, e isso é muito triste – mas essa é apenas uma entre milhares de pessoas que foram afetadas”, disse ele.
Pinkston concorda que há poucas chances de Kim Jong-un atender ao pedido de Lee.
“Por que Kim faria um favor político ao Sul?”, questionou Pinkston, ressaltando que Seul não tem mais a influência que costumava ter com ofertas de assistência econômica e outros tipos de ajuda.
Encontros são visto como ameaça
Outro fator que o Norte pode estar levando em consideração é que, se as reuniões realmente acontecerem, isso poderia levar a um aumento dos sentimentos fraternos pelo Sul.
“Existe um risco muito real de que as reuniões provoquem sentimentos nacionalistas e o desejo emocional pela reunificação, o que vai contra a política adotada por Pyongyang no último ano, que afirma que o Norte e o Sul são ‘dois Estados hostis'”, disse Pinkston.
Kim Sang-woo também aponta uma armadilha propagandística para o Norte, caso as reuniões ocorram.
“O regime controla rigidamente seu povo sob uma espécie de feitiço que eles mesmos criaram”, disse ele. “Por gerações, eles disseram ao seu povo que o Sul é corrupto, que somos escravos dos Estados Unidos, que não somos independentes, que há desordem generalizada e que o Sul está à beira do colapso”, acrescentou.
“Para manter essa imagem viva, eles não podem permitir nenhum contato entre seu povo e parentes no Sul”, destacou Kim. “É terrivelmente triste, é claro, mas não vejo o Norte mudando sua posição sobre isso tão cedo.”