12/12/2025 - 17:00
Transferência de crianças para acampamento recreativo norte-coreano é tomada como por organizações de direitos humanos como parte de doutrinação russa e tentativa de usar ucranianos para “diplomacia infantil”.Duas crianças ucranianas capturadas pela Rússia foram enviadas a um acampamento recreativo para filhos da elite norte-coreana, segundo depoimento da especialista jurídica do Centro Regional de Direitos Humanos da Ucrânia (RCHR), Kateryna Rashevska, coletado por um subcomitê do Congresso dos EUA.
Segundo o RCHR, a dupla – identificada como Misha, de 12 anos, da região ucraniana de Donetsk ocupada pela Rússia, e Liza, de 16 anos, da capital da Crimeia, Simferopol – foi levada ao acampamento norte-coreano de Songdowon junto a um grupo de crianças russas.
Fundado em 1960, o acampamento de férias foi originalmente concebido para receber crianças de outros estados do bloco comunista, permitindo-lhes usar um parque aquático, um campo de futebol, academia, aquário e outras atividades, enquanto permanecem em dormitórios no local. Segundo especialistas, hoje o objetivo recreativo se soma a uma propagação de símbolos do regime de Kim Jong-un.
Para Rashevska, as duas crianças são vítimas de crimes de guerra e usadas como parte da propaganda russa. Segundo Kiev, a Rússia sequestrou mais de 19,5 mil crianças ucranianas desde o início da guerra. Esse número inclui casos que a Ucrânia diz terem sido verificados.
A cifra real, porém, pode ser maior. Misha e Liza, por exemplo, provavelmente não estão incluídas nesses números, já que informações sobre elas foram coletadas recentemente, pontua Rashevska.
“Há atualmente evidências insuficientes para confirmar elementos de deportação ilegal neste caso, tornando inadequado classificá-las prematuramente como crianças sequestradas nesse sentido”, disse ela.
Contudo, segundo Rashevska, a viagem à Coreia do Norte envolve outras violações dos direitos das crianças, incluindo doutrinação política, elementos de militarização e uso em propaganda russa – proibidos pelo Artigo 50 da Quarta Convenção de Genebra – além de violações da Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança, como identidade, descanso e lazer e o princípio do interesse superior da criança.
Além do acampamento norte-coreano, o RCHR documentou outros 165 alojamentos montados por Moscou para crianças, em sua maioria localizados na Rússia e em Belarus.
Ativista de direitos humanos condena movimento de ‘propaganda’
Moscou e Pyongyang aprofundam sua aliança desde a invasão da Ucrânia, em fevereiro de 2022. Como parte dessa nova amizade, a Coreia do Norte forneceu munições e tropas para a guerra na Ucrânia, enquanto a Rússia retribuiu com alimentos, combustível e tecnologia militar.
Rashevska disse à DW que as duas crianças que ficaram no Acampamento Internacional Infantil de Songdowon, perto da cidade portuária oriental de Wonsan, na Coreia do Norte, foram posteriormente devolvidas à Ucrânia ocupada pela Rússia.
“Por que isso importa?”, perguntou. “Porque, nesse caso, a Rússia está essencialmente explorando nossas crianças ucranianas para sua propaganda. Elas são apresentadas como uma espécie de ‘embaixadores russos’ da diplomacia infantil e juvenil.”
“Estão usando nossas crianças para construir parcerias estratégicas com um país que os EUA designaram como patrocinador estatal do terrorismo e que, de fato, é cúmplice no crime de agressão contra a pátria dessas crianças, contra a Ucrânia. Isso é absolutamente inaceitável.”
Após a queda da União Soviética, o acampamento se tornou um local para filhos de altos funcionários norte-coreanos, embora tenha aberto as portas a crianças estrangeiras desde que Moscou e Pyongyang reavivaram sua amizade.
Acampamento é ‘rito de passagem’
“É um pouco como um acampamento de escoteiros, mas com a família Kim como foco”, disse Dan Pinkston, professor de relações internacionais no campus de Seul da Troy University, que pôde visitar a instalação durante uma viagem à Coreia do Norte em 2013.
“Para crianças norte-coreanas, o acampamento é quase um rito de passagem, onde podem fazer todo tipo de atividades recreativas, mas com fortes doses de propaganda e doutrinação. Havia pôsteres, placas e slogans sobre os males do imperialismo.”
“Mas o que é revelador é que isso mostra como Coreia do Norte e Rússia estão cada vez mais cooperando e organizando visitas de turistas, empresários e agora estudantes”, acrescentou.
Pinkston acredita que as duas crianças ucranianas enviadas à Coreia do Norte podem ter feito parte de um teste para observar os efeitos de maior doutrinação, vinculada à sensação de que estavam sendo “recompensadas” por bom comportamento.
“Tudo faz parte da ‘russificação’ dessas crianças e acredito que veremos ver mais viagens desse tipo no futuro”, disse ele.
Outros analistas veem o movimento apenas como parte da propaganda russa. Andrei Lankov, professor russo de história e relações internacionais na Universidade Kookmin de Seul, descreveu a visita como “uma peça bastante descarada de manipulação”.
‘Tratamento desumano’
Seja qual for a motivação do líder norte-coreano e do presidente russo Vladimir Putin, Rashevska é categórica ao afirmar que a comunidade internacional precisa fazer mais para proteger jovens ucranianos.
“Para o regime de Kim Jong Un, esta é uma forma suave, socialmente aceitável de aprofundar a ‘parceria estratégica’ com a Rússia por meio da ‘diplomacia infantil'”, disse ela.
“Para a Rússia, é útil porque as crianças veem um país onde os direitos humanos e as liberdades são ainda piores do que na própria Rússia: sem internet, sem telefones celulares, sem possibilidade de manter contato.”
“Mesmo que apenas uma criança seja afetada. Mesmo que apenas duas crianças sejam afetadas. Porque são nossas crianças. Crianças não são estatísticas. Crianças não são ferramentas para chocar pessoas”, disse Rashevska.
Assembleia da ONU pede que Rússia devolva crianças ucranianas cativas
Na semana passada, a Assembleia Geral da ONU pediu o retorno imediato e incondicional de crianças ucranianas “transferidas à força” para a Rússia.
A assembleia adotou uma resolução não vinculativa exigindo “que a Federação Russa assegure o retorno imediato, seguro e incondicional de todas as crianças ucranianas que foram transferidas ou deportadas à força”.
Também pede a Moscou que “cesse, sem demora, qualquer prática adicional de transferência forçada, deportação, separação de famílias e tutores legais, alteração de status pessoal, incluindo por cidadania, adoção ou colocação em famílias adotivas, e doutrinação de crianças ucranianas”.
O Ministério das Relações Exteriores da Rússia disse que a resolução “profere declarações ultrajantes contra a Rússia, acusando-a do que chama de deportação de crianças ucranianas, falando sobre sua ‘adoção forçada’ e apagamento de identidade”.
“A Rússia enfatiza mais uma vez que quaisquer acusações de deportação de crianças ucranianas são totalmente infundadas e enganosas”, segundo comunicado do ministério.
“Isso foi exclusivamente uma questão de evacuar de zonas de combate menores cujas vidas estavam em risco.”
