04/10/2019 - 18:20
Imagine se você contratasse um funcionário que desaparecesse quatro dias por mês sem dizer aonde foi e o que estava fazendo – e passasse nove meses repetindo essa prática. Todos nós temos um funcionário assim. Seu nome é Ricardo Salles (Novo-SP), atual ministro do Meio Ambiente. Neste ano, até 3 de outubro, 13,7% dos dias de trabalho do ministro não tiveram nenhuma agenda revelada. No site do MMA, constam como “sem compromissos oficiais”.
Excluindo os feriados de Carnaval, Semana Santa e Corpus Christi e os dias em que ficou afastado após passar mal e ser internado em Brasília, Salles em tese deu expediente em 190 dias úteis. Em 26 dias a agenda não apontava nenhum compromisso. Em pelo menos 14 casos os dias “sem compromissos oficiais” eram segundas ou sextas-feiras, dias da semana em que o ministro costuma estar em São Paulo, onde mora.
Procurado, o Ministério do Meio Ambiente não respondeu até o fechamento deste texto o que Salles estava fazendo. Em pelo menos quatro casos ele estava trabalhando: em 4 de fevereiro, deu entrevista ao programa Pânico; em 13 de março, postou foto em seu perfil no Twitter com a delegação brasileira em Nairóbi, onde participou de reunião da ONU; nesta quinta-feira (3) e na quarta-feira (2), embora não constasse nada na agenda, o ministro estava em missão oficial à Europa.
A viagem à Europa e aos EUA, que começou no dia 19, teve todas as suas agendas mantidas em segredo; nada foi divulgado previamente. O mesmo aconteceu em pelo menos mais um caso – o de uma viagem que Salles faria à Europa e aos Estados Unidos em maio e que foi cancelada.
A agenda da viagem atual acabou vazando em pedaços: primeiro, o jornal Folha de S.Paulo revelou em 12 de setembro que Salles se encontraria no dia 19 em Washington com o think-tank negacionista da mudança climática Competitive Enterprise Institute (após a revelação, o encontro foi cancelado). No dia 28, o site Unearthed publicou uma lista mais completa de encontros na Europa, que incluía empresas fabricantes de pesticidas, como Bayer e Basf, a Volkswagen e empresários de óleo e gás e mineração.
Depois disso, o ministério passou a inserir os compromissos do ministro durante seu tour europeu após o encerramento das atividades do dia. Isso ocorreu em pelo menos duas datas: 30 de setembro e 2 de outubro. Em 27 de setembro, o site The Intercept Brasil publicou uma imagem da agenda do dia 30 que não continha nenhum compromisso. Em 2 de outubro a agenda completa já constava no site do ministério. A agenda do dia 2 foi atualizada na manhã do dia 3 – até então, constava como “sem compromissos oficiais”.
Na França, na Alemanha e no Reino Unido, o ministro foi alvo de protestos de ambientalistas.
Ministros de Estado, na qualidade de funcionários públicos, são obrigados a disponibilizar suas agendas ao público que lhes paga o salário. Desde 2013, uma lei que trata de conflito de interesses em cargos públicos determina que as agendas devam ser postadas diariamente na internet. A Comissão de Ética Pública da Presidência adotou em 2017 uma resolução que determina a divulgação de todos os compromissos públicos que não estejam protegidos por sigilo. A CGU (Controladoria-Geral da União) também tem regras a respeito.
Dois ex-ministros do Meio Ambiente consultados pelo OC, Izabella Teixeira e Carlos Minc, afirmaram que sempre divulgaram previamente suas agendas de viagem. “Eu até tinha problemas com isso, porque os fazendeiros desmatadores saíam de suas áreas, viajavam, quando viam que eu ia para Amazônia nas operações Boi Pirata [contra pecuária ilegal]”, disse Minc.