10/10/2025 - 15:46
Apesar de a Rússia sofrer diversos embargos, país continua a atacar a Ucrânia com mísseis e drones produzidos com componentes vindos do Ocidente.A Ucrânia não passa praticamente uma noite sem sofrer ataques aéreos massivos da Rússia. Só na madrugada do dia 4 para o dia 5 de outubro, quase 500 drones e 50 mísseis foram lançados contra o território ucraniano. E muitos desses armamentos, aparentemente, têm componentes de origem ocidental.
A queixa partiu do presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, em discurso feito no início da semana. São microchips, sensores, conversores e outras peças de alta tecnologia que, apesar das sanções, chegam à Rússia.
Segundo Zelenski, mais de 100 mil componentes fabricados no exterior foram apreendidos somente após o ataque do último final de semana. Eles eram originários dos EUA e da Alemanha, mas também de outros países europeus, além de China e Taiwan.
O presidente ucraniano criticou duramente seus aliados ocidentais, já que quase todos os componentes constam em listas de sanções internacionais e não podem – ou não poderiam – ser exportados para a Rússia: “Se determinados países abandonarem seus reprováveis planos de fornecer componentes importantes para a produção de mísseis e drones à Rússia, a ameaça diminuirá drasticamente”, escreveu na plataforma X.
Rotas tortuosas
Especialista em sanções da Escola de Economia de Kiev (KSE), Benjamin Hilgenstock afirma que os controles de exportação para muitos desses elementos foram introduzidos logo no início da ofensiva russa, na primavera de 2022. “Posteriormente, foram reforçados e ampliados para outros grupos de produtos, mas, basicamente, já existem desde o início desta guerra”, pontua.
Nos últimos três anos e meio, somente a União Europeia (UE) aprovou um total de 18 pacotes de sanções contra a Rússia. Em julho deste ano, o bloco reforçou significativamente as proibições de exportação dos chamados bens de dupla utilização, ou seja, produtos que podem ser usados tanto para fins civis quanto militares.
E, mesmo assim, “esses componentes continuam chegando à Rússia por meio de caminhos tortuosos”, segundo Hilgenstock. Na maioria das vezes, há toda uma série de intermediários envolvidos: na China, nos Emirados Árabes Unidos, na Turquia, no Cazaquistão ou em países do Cáucaso.
“Em muitos casos, uma empresa ocidental vende um componente estrutural de forma totalmente legal a um parceiro comercial em outro país. Este, por sua vez, revende-o, e assim por diante, até que, em algum momento, ele acaba nas mãos de alguém que vende e envia para a Rússia”, explica Hilgenstock.
“Jogo de gato e rato”
O problema é conhecido há muito tempo, razão pela qual a UE já começou a sancionar intermediários em países que revendem produtos à Rússia. No entanto, “isso é, naturalmente, um jogo de gato e rato, porque é relativamente fácil criar um novo intermediário três portas adiante, no mesmo corredor”, observa Hilgenstock, que, junto com seus colegas de KSE, já analisou muitas das vulnerabilidades do regime internacional de sanções em um estudo realizado em janeiro de 2024.
“Muitas dessas peças nem sequer são produzidas no Ocidente. Elas podem ser de empresas ocidentais, mas muitas vezes são manufaturadas em fábricas no Sudeste Asiático. Portanto, fisicamente, esses componentes nunca passam pelo território da UE”, afirma o pesquisador. Segundo ele, isso torna praticamente impossível para as autoridades europeias de controle de exportação, como a alfândega, verificar as rotas desses produtos.
Sanções estão surtindo efeito, afirma pesquisador
O sistema oferece à Rússia lacunas consideráveis para obter bens necessários de forma urgente, apesar dos embargos. Mas, segundo Hilgenstock, isso não significa que as sanções não estejam funcionando.
“Não se pode esperar que impeçamos a exportação de cada chip de computador para a Rússia. Mas sabemos que o país atualmente paga preços muito mais altos do que qualquer outro por essas peças. E isso, por si só, já é um sucesso, porque significa que a Rússia recebe menos mercadorias e, muitas vezes, de qualidade inferior, pelo mesmo dinheiro, e tudo fica atrasado”, afirma o cientista político.
Entretanto, ainda há maneiras de melhorar a aplicação das sanções, a exemplo dos fabricantes desses produtos, que deveriam assumir maior responsabilidade pelo controle de suas redes de distribuição e garantir que eles não cheguem à Rússia.
“No setor financeiro, por exemplo, há várias décadas existem requisitos muito específicos em relação à lavagem de dinheiro ou ao financiamento do terrorismo. Isso levou os bancos que atuam internacionalmente a investir recursos consideráveis em mecanismos de controle interno para saber com quem estão fazendo negócios e quem está por trás de seus parceiros. E precisamos chegar ao mesmo ponto nesse caso. Mas isso é um processo, e leva tempo”, explica Hilgenstock.
Especialmente porque, para tal endurecimento, também é preciso vontade política: “Simplesmente não existe um consenso em nível europeu para avançar”, diz. E não são apenas os “suspeitos de sempre”, ou seja, países como Hungria ou Eslováquia, que se opõem a um endurecimento do regime de sanções.
“Outros países, incluindo a Alemanha, nem sempre concordam com obrigações de diligência mais rigorosas para as empresas”, critica Hilgenstock. Sua conclusão: “Ainda existem lacunas, e essas lacunas poderiam ser fechadas”.