25/10/2016 - 15:22
A ideia de que o sangue pode devolver a vida ao homem é propagada há milhares de anos. Povos nativos das Américas, da África e até mesmo romanos tomavam um gole do sangue de guerreiros moribundos, a fim de absorver sua força. Hoje, a ciência tem investido em pesquisas para entender como os componentes do sangue podem de fato auxiliar na recuperação da saúde e, quem sabe até, atrasar o envelhecimento.
Na respeitada Universidade Stanford, na Califórnia, um grupo de cientistas faz testes inéditos com pessoas que desenvolveram o mal de Alzheimer. Causada pela morte de células cerebrais, a doença provoca a perda de funções cognitivas, como a memória, a orientação, a atenção e até a comunicação. A pesquisadora Sharon Sha, especialista em comportamento neurológico, é a responsável pelo experimento. Desde 2014, pacientes voluntários têm recebido doses de plasma sanguíneo doado por pessoas jovens e sadias.
O objetivo é repetir em humanos o que os colegas dela conseguiram com ratinhos de laboratório. “Ainda não analisamos os resultados. Queremos reunir os dados de 18 pacientes e, aí sim, poderemos tirar conclusões”, diz Sharon. O coordenador geral da pesquisa é o professor de neurologia Tony Wyss-Coray. Alguns anos atrás, ele se associou ao cientista e empresário Karoly Nikolich e montou a empresa Alkahest, financiada por um bilionário chinês, para “prolongar a saúde humana contra o processo do envelhecimento”.
Desde então, Coray tem participado de eventos e feito palestras em fóruns de grande repercussão para explicar seus experimentos. Em um vídeo gravado no laboratório da universidade ele narra o comportamento de dois hamsters: “Um deles é jovem e escapa rapidamente de um labirinto. O outro, mais velho, tem dificuldade para memorizar o caminho de saída. Transferimos o sangue do rato jovem para o organismo do outro e veja o resultado!”: o ratinho envelhecido escapa pelo buraco correto em apenas alguns segundos.
O vídeo com os ratinhos ilustra o que a equipe de Coray tem obtido nos laboratórios de Stanford. Em 2008, um de seus alunos reuniu uma boa quantidade de informações sobre cobaias que compartilhavam sangue. O processo é conhecido como parabiose: os ratos têm um pedaço da pele retirado na lateral do corpo e são costurados, dois a dois. Eles cicatrizam juntos e passam a compartilhar a corrente sanguínea. O estudante realizou a parabiose combinando ratos jovens e velhos, e analisou lâminas dos cérebros de todos eles depois. A produção de neurônios havia aumentado consideravelmente nos cérebros das cobaias que recebiam sangue dos mais jovens.
Fórmula da juventude
No corpo humano, o sangue percorre 96 mil quilômetros de veias e artérias para levar oxigênio, nutrientes e interligar todos os órgãos. No caminho vão hemácias, plaquetas, leucócitos e mais de 700 tipos de proteínas. Apesar dos avanços da hematologia, ele continua a ser um fluido cheio de mistérios. Segundo a equipe de Coray, a razão para o envelhecimento dos tecidos está no sangue – mais exatamente, nessa enorme variedade de proteínas que ele transporta. Com o passar dos anos, as moléculas proteicas que levam ao crescimento dos tecidos deixam de ser produzidas. No mesmo passo, as proteínas que causam inflamações começam a aparecer em maior quantidade. A Alkahest planeja identificar e isolar essas proteínas, e desenvolver uma fórmula para reverter o envelhecimento.
Nos testes em Stanford, os voluntários com Alzheimer recebem apenas o plasma sanguíneo – a parte líquida do sangue, de cor amarelada, que contém plaquetas, proteínas e sais minerais. Embora o experimento esteja em fase inicial, cientistas de outros centros de pesquisa no mundo já se mostram preocupados com a publicidade que esse tipo de experiência pode alcançar. A possibilidade do rejuvenescimento faz brilhar os olhos de muita gente e o plasma sanguíneo já é comercializado em alguns países sem muita dificuldade.
A hematologista Angela Cristina Malheiros Luzo, da Unicamp, alerta para a necessidade de se respeitar todas as etapas da pesquisa científica. No Brasil, uma resolução do Conselho Federal de Medicina determina que procedimentos com aplicação de PRP (o plasma rico em plaquetas) sejam mantidos em nível experimental, respeitando os protocolos de ética científica. “Mesmo assim, ortopedistas e dentistas têm usado plasma em seus pacientes, com a promessa de acelerar o processo de cicatrização pós-cirurgia”, diz Angela.
Até 2050, 2 bilhões de pessoas no mundo terão mais de 60 anos de idade. Se hoje o mercado da saúde já é um dos mais lucrativos do mundo, em alguns anos a busca por remédios, tratamentos e fórmulas será ainda maior. Investir em pesquisas com plasma parece ser um negócio promissor, mas há muito a se estudar sobre seus componentes. “Até onde os fatores de crescimento podem estimular a produção de células sem afetar o equilíbrio do organismo? Ainda estamos longe de responder”, afirma Angela.
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Enzima da juventude
Em 2009, três americanos dividiram o prêmio de US$ 1,4 milhão do Nobel de Medicina por descobrir como a enzima telomerase protege o DNA e evita que as células envelheçam. A descoberta abriu novas linhas de pesquisa no tratamento do câncer, mas também reacendeu o interesse dos cientistas que procuram a “fórmula da juventude”.
Todos os seres vivos são formados por células. E todas as células eucariotas (mais complexas, como as nossas) têm um núcleo com cromossomos dentro. O cromossomo contém os genes (onde estão nossas informações genéticas) e, para protegê-los, há telômeros (extremidades compostas de DNA) encaixados nas pontas da estrutura. “O telômero é como aquela ponta de plástico no fim do cadarço no sapato. Sem ela, o fio desfia com o tempo. Com as cadeias de genes ocorre o mesmo: sem o telômero, elas são danificadas e a célula morre”, explica a bióloga Maria Izabel Camargo-Mathias, da Unesp.
Mas o telômero também tem seu limite. Ele depende da presença da telomerase, comum nas células jovens, mas quase inexistente nas células mais velhas. Sem a enzima para se refazer, a cada divisão celular o telômero perde um pedaço, até ficar tão estreito que não protege mais nada. Por que determinados seres vivem apenas alguns minutos e outros passam facilmente dos 100 anos? Ainda existem muitas perguntas por responder a esse respeito, mas uma das explicações possíveis está justamente na produção da telomerase.
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Três “imortais”
Rato-toupeira-pelado
Enquanto um rato comum vive em média 2 anos, o rato-toupeira-pelado atinge 30 anos. Habitante do leste da África, esse animal tem 10 centímetros de comprimento e vive dentro de tocas com túneis profundos. Além de longevos, os bichos não exibem sinais de envelhecimento. Os mais velhos possuem ossos tão fortes quanto os jovens, as fêmeas podem procriar em qualquer idade e eles ainda apresentam resistência ao câncer.
Nas células da maioria dos animais, o desaparecimento da telomerase ao longo da vida leva ao envelhecimento, mas, por outro lado, protege-os das mutações que causam o câncer. Como os ratos-toupeira-pelados nunca têm câncer, sua produção da enzima não precisa diminuir. Os telômeros mantêm seu tamanho original, protegendo o material genético. Teoricamente, as células desses roedores são imortais.
Lagosta
Na teoria, as lagostas podem viver infinitamente. Elas produzem a telomerase em grande quantidade e constantemente, ou seja: suas funções orgânicas nunca se alteram. Estudos indicam que quanto mais velha for, mais resistente e fértil será a lagosta. Mas ela vai renovando seu exoesqueleto ao longo da vida, e é quando esse processo fica mais difícil que ela morre. Em média, a lagosta europeia macho vive 31 anos, e a fêmea, 54 anos.
Planária
Verme que vive na lama e na água, a planária tem células-tronco diferentes das da maioria dos outros animais. No organismo humano, por exemplo, as células-tronco vão se dividindo para compensar a perda de outras células, mas, com o tempo, as cópias vão mostrando sinais de envelhecimento. Já as planárias estão sempre jovens, porque produzem telomerase durante toda a vida e têm renovação celular idêntica e ilimitada.