Brasil perdeu um artista que, com maestria, decompôs os grandes dramas da existência e a essência da vida em uma paleta de cores minimalista.Poderia ser uma cena que leva o espectador ao desespero. Mas na foto Benako Camp, que Sebastião Salgado tirou em 1994 para seu livro sobre a migração na Tanzânia, o sorriso de uma criança pequena no colo da mãe destaca-se acima da miséria ao seu redor. É uma reminiscência do motivo bíblico da expulsão do Paraíso, mas que abriga uma centelha de esperança graças ao sorriso da criança.

As imagens de Sebastião Salgado geralmente parecem pintadas, às vezes até perfeitas demais, de modo que parecem um pouco surreais em sua beleza – mesmo quando mostram horror e terror. Como as fotos dos poços de petróleo em chamas no Kuwait em 1991 e os heróicos bombeiros lutando contra as labaredas. Em sua beleza, elas lembram as cenas da Capela Sistina, exceto pelo fato de retratarem o profano em preto e branco.

Salgado preferia fotos em preto e branco porque acreditava que as cores distrairiam o espectador da essência da imagem, e que o preto e branco era mais adequado para transmitir e expressar emoções. Embora tenha fotografado com filme colorido, mais tarde ele criou obras de arte em sua câmara escura que captavam o mundo em seus tons de cinza, entre os dois extremos do preto e branco.

Suas fotos eram “poemas de esperança”, escreveu o jornalista Jamil Chade na ocasião da morte de Salgado. Talvez também se possa dizer que elas cobriam todo o espectro da existência, tanto a das pessoas lançadas na terra quanto a da fauna e da flora que nela vivem. Se a viagem à Lua nos trouxe a imagem distante, mas colorida, do planeta azul, Salgado o dissecou de perto com sua lupa em preto e branco.

Para fazer isso, ele se lançou em expedições fotográficas que não apenas o levaram aos limites do mundo, mas também aos limites de sua capacidade física. Pagou um preço por seu impetuoso desejo de viajar com problemas de saúde. Mas, como um conquistador que caiu fora da modernidade, ele viajou sem parar para ampliar seus horizontes e os da humanidade.

Em uma época em que a maioria das pessoas se contenta em explorar o mundo com seus smartphones – e tirar fotos – ele continuou se aventurando pelo desconhecido. E lá descobriu verdades primordiais da existência que parecem proféticas hoje. Como se fosse um sismógrafo humano que sente os dramas que estão chegando ao planeta: crises de refugiados, mudanças climáticas, a dissolução de estruturas e o desaparecimento do mundo primitivo.

Alguns de seus grandes trabalhos têm nomes bíblicos, e quase todos surgiram a partir de viagens de proporções bíblicas. Em 1986 ele fotografou por mais de 33 dias os garimpeiros da Serra Pelada na lama do Pará, e o livro de fotos Terra (1997) reúne mais de 16 anos de fotografias de pessoas marginalizadas no Brasil, incluindo agricultores sem terra e mendigos no Paraná. Dessa forma, ele aproximou os brasileiros das grandes cidades de sua terra natal desconhecida.

Êxodos, o trabalho com o qual antecipou, no ano 2000, os principais movimentos migratórios do século 21, reúne imagens de 36 países que ele fotografou durante seis anos. Estão lá os africanos cruzando o Mediterrâneo em barcos precários, os migrantes latino-americanos a caminho dos EUA, atravessando o muro que Donald Trump depois quis deixar mais alto e mais longo, ou os refugiados do genocídio em Ruanda, na África.

Gênesis (2013), sua “carta de amor à Terra”, mostra as últimas áreas intocadas pelo mundo moderno e seu poder destrutivo. Ele viajou por mais de 30 países durante mais de oito anos, fotografando no Ártico e na Antártica, na África, na Oceania e, entre outros lugares, no Brasil. “A gente tem a impressão de que o planeta foi completamente destruído ecologicamente, mas ainda existe 46% do planeta que está preservado”, disse certa vez sobre seu projeto.

Para seu último ciclo de grandes imagens, Amazônia (2021), ele viajou pela região amazônica por mais de seis anos, onde visitou dezenas de povos indígenas. No prefácio, explicou sua escolha de local: “Para mim, é a última fronteira, um misterioso universo próprio, onde o imenso poder da natureza pode ser sentido como em nenhum outro lugar da Terra. Aqui está uma floresta que se estende ao infinito, que contém um décimo de todas as espécies de plantas e animais vivas, o maior laboratório natural único do mundo”.

Seu projeto de longo prazo, o Instituto Terra, fundado em 1998, também tem proporções bíblicas – e motivos bíblicos. Com milhões de mudas, ele e sua esposa reflorestaram a fazenda onde Salgado passou a infância, cuja destruição da natureza ele se recusava a aceitar. Foi nessas montanhas, na fazenda de seus pais, que ele descobriu o jogo de luzes quando criança, como contou mais tarde. Era o seu Jardim do Éden, para o qual ele retornou quando adulto para restaurá-lo à sua forma original.

Thomas Milz saiu da casa de seus pais protestantes há mais de 25 anos e se mudou para o país mais católico do mundo. Tem mestrado em Ciências Políticas e História da América Latina e, desde então, trabalha como jornalista e fotógrafo para veículos como a agência de notícias KNA e o jornal Neue Zürcher Zeitung. É pai de uma menina nascida em 2012 em Salvador. Depois de uma década em São Paulo, mora no Rio de Janeiro há doze anos.

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