06/12/2025 - 19:13
País aprova nova lei de alistamento obrigatório e pacote de incentivos para recrutamento. Serviço continuará voluntário, mas alguns temem que essa seja um passo para volta da conscrição compulsória, abandonada em 2011.Está frio e nevando, e Carlotta, de 16 anos, está de pé em um vasto campo de treinamento militar em Grafenwöhr, no sul da Alemanha, observando uma peça de artilharia disparar munição real. O barulho é muito alto quando os projéteis são disparados, por isso Carlotta precisa usar protetores auriculares.
Este não é um dia como outro qualquer para a jovem estudante: enquanto seus amigos estão sentados em salas de aula aquecidas na cidade de Colônia, ela viajou sozinha de trem até o estado alemão da Baviera. Nos quartéis do Batalhão de Artilharia de Tanques 375, em Weiden, ela encontrou alojamento e recebeu um uniforme. Usando a vestimenta, ela agora está no frio do inverno no campo de treinamento, junto com cerca de duas dezenas de outros jovens, homens e mulheres.
Uma equipe inteira de supervisores cuida dos jovens: o Exército alemão não está poupando esforços para recrutar novos soldados. Carlotta também quer descobrir se a Bundeswehr (Forças Armadas da Alemanha) é realmente uma vocação para ela. Para isso, está participando dos chamados “Dias de Descoberta” — uma espécie de estágio curto com as tropas, que inclui atividades físicas e noites de confraternização.
A estudante consegue imaginar-se ingressando no Exército no futuro. “Para começar, por três ou quatro anos, e, se eu gostar, por oito anos”, disse ela à DW. No entanto, ela não é favorável à reintrodução de um serviço militar obrigatório: “Não se deve impor algo às pessoas. É muito melhor entrar de forma voluntária do que ser forçado, porque assim você perde a motivação”.
Campanha de incentivos
O ministro da Defesa da Alemanha, Boris Pistorius, concorda com esse ponto de vista: segundo ele, o objetivo da nova lei de alistamento militar, aprovada nesta semana, é motivar mais jovens a se alistarem voluntariamente.
Um dos incentivos é o aumento salarial: a partir do início de 2026, novos recrutas receberão um salário mensal de 2.600 euros (R$ 16 mil) antes dos impostos. Em troca, deverão servir nas Forças Armadas por pelo menos seis meses. Aqueles que se comprometerem por pelo menos doze meses também receberão um subsídio para tirar carteira de habilitação, que na Alemanha envolve altos custos.
O novo modelo de alistamento militar da Alemanha, aprovado pelo Bundestag (Parlamento) na sexta-feira (05/12), é, portanto, uma campanha de incentivos que Pistorius quer instrumentalizar para evitar outro cenário: um retorno do serviço militar obrigatório pleno, que o seu Partido Social-Democrata (SPD), de centro-esquerda, rejeita. O serviço militar continuará sendo voluntário “se tudo correr como esperamos”, destacou Pistorius durente debate no Bundestag.
Mas será possível preencher as lacunas de pessoal sem serviço obrigatório? Enquanto o SPD acredita que sim, políticos de outros partidos da atual coalizão de governi — as conservadoras União Democrata Cristã (CDU) e a União Social Cristã (CSU) — são céticos. Eles prefeririam um retorno ao serviço nacional, que a Alemanha abandonou em 2011.
A Bundeswehr quer recrutar 80.000 novos soldados até 2035, e a nova lei estabelece um caminho para atingir essa meta. Diante da ameaça representada pela Rússia, o efetivo permanente do Exército deve crescer dos atuais pouco menos de 182.000 soldados para 260.000 — esse é o compromisso da Alemanha com a Otan. Além disso, um contigente de 200.000 reservistas deverá ser estabelecido. O Ministério da Defesa deverá apresentar relatórios semestrais sobre os números.
Proposta de sorteio provocou repúdio entre jovens
A disputa sobre os planos futuros de serviço militar dividiu a coalizão governista por meses. Entre os modelos discutidos que provocaram controvérsia estava um sistema de sorteio. A proposta de decidir por sorteio quem teria de ingressar na Bundeswehr foi repudiada por muitos jovens. De modo geral, muitos jovens sentem que foram deixados de fora da discussão sobre o novo alistamento militar, apesar do plano de sorteio ter saído da pauta.
A nova “Lei de Modernização do Serviço Militar” permanece como um compromisso: por enquanto, o serviço militar permanece voluntário. Ao mesmo tempo, todos os homens de 18 anos passarão a ter novas obrigações: a partir do início de 2026, eles receberão um questionário que deverá ser preenchido. Ele perguntará sobre a disposição para servir na Bundeswehr, a aptidão física e a formação educacional. Para as mulheres, o preenchimento será voluntário, pois, segundo a Constituição do país, elas não podem ser obrigadas a prestar serviço militar.
A partir de meados de 2027, o processo avançará mais um passo: todos os homens nascidos em 2008 ou depois deverão comparecer, em data marcada, a um exame de aptidão física que determinará, em caso de conflito, quem poderia ser convocado. Embora o processo comece em 2026, só em meados de 2027 a Bundeswehr terá capacidade suficiente para receber novos recrutas.
Críticas aos exames médicos obrigatórios
O exame médico obrigatório é particularmente controverso: críticos o veem como um primeiro passo rumo ao retorno completo do serviço militar obrigatório. Eles também temem que o sistema de sorteio volte à pauta caso não haja voluntários suficientes. Nesse caso, o governo poderia decidir introduzir um chamado “recrutamento por necessidade”, no qual uma parte dos jovens de determinada faixa etária seria convocada conforme as necessidades da Bundeswehr. A decisão sobre reintroduzir o serviço obrigatório total ou parcial cabe ao Bundestag.
No dia em que a lei foi aprovada, estudantes foram às ruas em muitas cidades alemãs para protestar: “Não queremos ser trancados em quartéis por meio ano, treinados em disciplina cega e obediência, e ensinados a matar”, escreveram os organizadores da””greve estudantil contra o serviço militar obrigatório” em uma convocação para manifestações em todo o país. “Sentimo-nos negligenciados como geração, e não vemos por que nossa geração deveria pular nas trincheiras pelo governo”, disse Leo Reinemann, estudante e coorganizador de um protesto em Koblenz, no oeste da Alemanha, à emissora pública SWR.
Número de objetores de consciência em alta
Por enquanto, ninguém será obrigado a prestar serviço militar — a Bundeswehr continua contando com candidatos voluntários. E o direito de recusar o serviço militar por motivos de consciência permanece inalterado.
E cada vez mais alemães estão fazendo uso desse direito: até o fim de outubro, o governo havia recebido mais de 3.000 pedidos de objeção de consciência — tanto de pessoas que nunca serviram quanto de soldados e reservistas. Com isso, o número de pessoas que, por motivos de ordem religiosa, moral, humanística ou filosófica rejeitam servir nas Forças Armadas bateu um novo recorde desde a suspensão do serviço militar obrigatório em 2011.
