03/09/2025 - 16:42
Apesar de tarifas impostas por Trump, Embraer vive seu melhor momento e envia maior parte de aviões para os EUA. Akaer também decola e expande projetos para Alemanha e Portugal.Dentro de um dos galpões da Akaer, em São José dos Campos, interior paulista, a movimentação discreta dos funcionários pouco revela a importância do que está sendo produzido nas bancadas. Num processo rigoroso e manual, eles montam tanques de combustível de uma aeronave executiva da Embraer, uma atividade iniciada ali em 2025.
Em breve, o espaço ficará mais agitado. No corredor ao lado, grandes estruturas metálicas ganham forma para abrigar a linha de montagem da fuselagem dianteira da D328eco, um novo avião turboélice da alemã Deutsche Aircraft.
Fundada em 1992 por três ex-funcionários que deixaram a Embraer num momento de crise e demissões, a companhia nasceu como um escritório de projetos de engenharia na mesma cidade da fabricante de aviões. Três décadas depois, a Akaer vê seus planos de expansão saírem do papel.
“Estamos crescendo com projetos novos e diversificação”, resume Aldo Júnior, vice-presidente de Vendas e Negócios. “Foi uma questão de sobrevivência expandir os negócios”, adiciona.
Os fundadores evitaram ficar à mercê do destino da Embraer e fugir das turbulências do setor, como a vivida na década de 1990. Agora, assistem atentos à guerra comercial dos Estados Unidos contra o Brasil, enquanto assinam novos contratos com empresas americanas.
Da era militar ao auge
Os tanques fabricados na Akaer vão movimentar parte dos até 155 jatos executivos previstos para serem entregues pela Embraer até o fim do ano. Eles correspondem à maior fatia da carteira da fabricante, com fila de espera de até três anos para quem quiser comprar um.
Com histórico de fortes solavancos ao longo de seus 56 anos, a empresa vive o seu melhor momento. Até o fim de 2025, até 244 aeronaves serão entregues a clientes do mundo inteiro, incluindo as do segmento de defesa.
Por enquanto, a Embraer passou quase ilesa pelo tarifaço imposto ao Brasil pelo presidente americano, Donald Trump. A ameaça de 50% de sobretaxa sobre todos os itens importados do Brasil, no último momento, ficou em 10% para os aviões da fabricante. Há impacto, ainda assim, e as negociações para zerar este número junto aos americanos seguem, diz Francisco Gomes Neto, presidente da Embraer, em declarações públicas.
Criada pelo governo militar em 1969 como parte da estratégia de fundar uma indústria aeronáutica no Brasil, a Embraer é responsável por cerca de 23 mil empregos – a metade deles só em São José dos Campos. Qualquer oscilação em sua carteira de pedidos é sentida de forma amplificada no país.
É por isso que a guerra comercial no horizonte gera incertezas. A fabricante tem mais de 200 aviões a serem entregues para companhias americanas, com o jato Embraer 175, que acomoda até 78 passageiros, liderando a lista.
“Com a sobretaxa, esses pedidos muito provavelmente seriam cancelados. E se isso acontecesse, haveria crise e uma demissão em massa”, diz Weller Gonçalves, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos da cidade.
Gonçalves ressalta que, no processo acelerado de desindustrialização vivido no país, a fábrica é uma das poucas a concentrar um grande número de funcionários. A unidade da montadora GM na mesma cidade, que já teve 13 mil funcionários, hoje, por exemplo, conta com cerca de 3 mil.
Carro-chefe puxa o setor
Para montar um avião em seus hangares, processo que leva mais de um ano no caso dos jatos executivos, a Embraer depende de mais de três mil fornecedores espalhados por 60 países. Estima-se que cerca de 100 deles estejam na mesma região da fábrica, segundo dados da prefeitura de São José dos Campos.
“A Embraer é este carro-chefe que puxa o setor”, pontua André Camargo, consultor de empresas do mercado aeronáutico.
À medida que a fabricante brasileira cresceu, uma rede de empresas fornecedoras de componentes específicos foi se desenvolvendo ao redor. Muitas delas, como a própria Akaer, nasceram de iniciativas de ex-funcionários que compraram máquinas e começaram negócios de pequeno porte – hoje já consolidados.
Camargo afirma que a questão tributária sempre pesou contra essas pequenas empresas, que tinham dificuldades para pagar pelos materiais pela falta de capital de giro. E a Embraer, para manter a engrenagem funcionando, precisa fazer uma boa gestão e controle da cadeia de suprimentos. Ao que tudo indica, tem dado certo.
“No mercado de defesa, o cargueiro militar KC-390 tem recebido boa aceitação internacional e já conquistou espaço entre países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), especialmente na Europa, com tendência de crescimento nas vendas”, diz Camargo, fazendo referência à aliança política e militar que conta com 32 membros.
Num cenário de mudanças geopolíticas sensíveis, com Trump em disputa com a China, o Brasil tem todo potencial para se firmar como parceiro estratégico global no setor. A explicação estaria na mão de obra qualificada, um custo interessante e posição geográfica entre EUA e Europa, avalia o consultor.
Novos voos
Com um quadro de 700 funcionários, a Akaer deve contratar mais 250 até 2026. Dentro os projetos que terão início nos próximos meses está o desenvolvimento da cabine da maior aeronave civil já feita no mundo, a WindRunner. A encomenda vem da americana Radia.
“Temos esse cliente nos Estados Unidos. Mas por ser um trabalho de engenharia, de serviços, talvez a gente não tenha impacto das novas regulamentações”, comenta Junior.
Windrunner está sendo projetada para transportar pás de geradores eólicos de até 105 metros. O contrato inicial com a empresa brasileira, de quatro anos, deve se estender por mais quatro. Nesta próxima fase, a Akaer deverá fabricar a cabine que está desenhando. Até que o avião possa ser comercializado, há uma longa jornada que envolve ensaios em voo e certificação.
“A visão dos fundadores era tornar a empresa uma fornecedora de primeiro nível, chamado na indústria de Tier 1. E conseguimos. O projeto com a Deutsche Aircraft consagra esta meta e nos qualifica, abre portas para o mundo”, afirma Junior.
A encomenda da portuguesa EEA Aircraft, que quer colocar no céu até 2027 o LUS-222 de 19 lugares, voltado para o mercado civil e militar, também vai agitar os galpões da Akaer em breve. Será a primeira vez que a empresa vai projetar e produzir um avião completo em sua planta no interior paulista.