A degradação da democracia avança na América Latina, e o mais afetado é o Brasil.Primeiro a boa notícia: a América Latina continua sendo, depois da Europa e da América do Norte, a região com o maior número de democracias. O Uruguai está na 15ª posição, ao lado do Canadá e do Japão. A Costa Rica ocupa a 18ª posição, à frente de países como a França e a Itália. E o Chileestá no mesmo nível que a Bélgica.

Mas esses já são os poucos destaques num quadro geral bastante sombrio do mais recente Índice de Democracia da Economist Intelligence Unit (EIU), a divisão de pesquisa e análise da revista The Economist: o estado da democracia piorou pela nona vez consecutiva desde 2016. Em apenas cinco dos 24 países avaliados na região da América Latina e do Caribe a situação da democracia melhorou, e nos outros 17 os indicadores democráticos continuaram a piorar.

Em todo a América Latina, mais da metade das pessoas vive em democracias imperfeitas ou sob regimes autoritários.

Em especial o Brasil apresentou uma evolução decepcionante: a maior democracia da região caiu seis posições no índice mais recente e ocupa a 57ª posição, entre a Namíbia e a Índia. Essa é a queda mais acentuada em toda a região.

Por um lado, o Brasil tem uma boa nota no critério processo eleitoral e pluralismo político, com 9,58 de 10. Mas em outros critérios a situação é bem pior. O país tem fraquezas significativas, principalmente em termos de funcionamento do governo, cultura política e equilíbrio institucional.

Numa pesquisa de 2024 do Pew Research Centers, 80% dos brasileiros dizem observar uma polarização forte ou muito forte entre apoiadores de diferentes campos políticos. Isso se reflete na crescente politização da mídia, da Justiça e das redes sociais e acelera a degradação da democracia.

Crítica à Justiça

A EIU critica sobretudo a Justiça brasileira, em especial a briga entre o Supremo Tribunal Federal (STF) e a rede social X. Em agosto de 2024, a Corte Suprema brasileira ordenou o bloqueio temporário da rede porque ela havia se negado a bloquear contas que supostamente estavam espalhando “conteúdo antidemocrático”. Por causa disso, o STF mandou bloquear o X por dois meses – em meio a uma campanha eleitoral. “Algo assim nunca havia acontecido numa democracia desse tamanho”, afirma a EIU.

Todos aqueles que saúdam as medidas adotada pelo ministro Alexandre de Moraes deveriam tentar imaginar como seria se um ministro radical de direita ou conservador-religioso tivesse o poder e a influência que Moraes tem hoje.

Diante dos atuais acontecimentos na região, não se pode esperar nada de bom para o Brasil. Em outros países, como México, Equador e sobretudo El Salvador, o que se vê é que os eleitores estão dispostos a descartar princípios do Estado de Direito em favor de mais segurança pública.

A população quer ordem, progresso e sobretudo segurança. Ao mesmo tempo cresce a desconfiança em relação a partido políticos, parlamentos e instituições. Como essas instituições não parecem estar em condições de resolver os problemas mais urgentes da população, medidas autoritárias têm cada vez mais apelo popular.

Temo que isso também valha para o Brasil. A segurança pública falha é há décadas a maior preocupação da maioria dos brasileiros. Mas quem conhece as propostas do governo ou da oposição para enfrentar esse problema?

O anseio por soluções autoritárias ainda é limitado no Brasil. Mas e se na próxima eleição presidencial aparecerem candidatos propondo medidas de linha dura ao estilo do presidente de El Salvador, Nayib Bukele?

Temo que eles teriam boas chances.

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Há mais de 30 anos o jornalista Alexander Busch é correspondente de América do Sul. Ele trabalha para o Handelsblatt e o jornal Neue Zürcher Zeitung. Nascido em 1963, cresceu na Venezuela e estudou economia e política em Colônia e em Buenos Aires. Busch vive e trabalha em Salvador. É autor de vários livros sobre o Brasil.

O texto reflete a opinião pessoal do autor, não necessariamente da DW.