23/09/2025 - 10:33
Comissão Europeia propõe atrasar por mais um ano entrada em vigor da lei que proíbe venda na União Europeia de produtos oriundos de áreas desmatadas.Devido à pressão do setor industrial e de parceiros comerciais, a Comissão Europeia planeja adiar pela segunda vez a entrada em vigor de uma controversa lei contra o desmatamento, muito criticada por Estados Unidos, Brasil e Indonésia.
A comissária europeia do Meio Ambiente, Jessica Roswall, propôs em Bruxelas, nesta terça-feira (22/09), que a lei entre em vigor no fim de 2026, ou um ano depois do planejado.
A lei da União Europeia (EU) para cadeias de suprimentos livres de desmatamento proíbe a venda de produtos cultivados em áreas que foram desmatadas depois de dezembro de 2020. As regulamentações afetam carne bovina, couro, cacau, café, óleo de palma, soja, madeira e borracha, incluindo derivados como chocolate e móveis. Elas estavam originalmente programadas para entrar em vigor em 30 de novembro de 2024 e, pouco antes disso, foram adiadas em um ano.
Agora Roswall propõe um novo adiamento. Assim, a regulamentação entraria em vigor para grandes empresas a partir do fim de 2026, enquanto para pequenas e médias empresas, o prazo seria adiado para 30 de junho de 2027.
Como motivo para o novo adiamento, Roswall mencionou dificuldades para os sistemas de TI devido à grande quantidade de dados a serem processados.
Cabe agora aos 27 países-membros da UE e ao Parlamento Europeu decidir sobre a nova proposta de adiamento feita pela Comissão Europeia.
Reações de ambientalistas
A lei visa acabar com os 10% do desmatamento global alimentados pelo consumo de produtos importados pela UE, mas é uma parte muito contestada da agenda verde europeia.
Ativistas ambientais criticaram a decisão da UE. “É uma surpresa muito desagradável”, disse a ativista Anke Schulmeister-Oldenhove, do WWF. “Este é o segundo adiamento”, e o argumento técnico invocado “levanta questões”.
“Cada dia que esta lei é adiada equivale a mais florestas devastadas, mais incêndios florestais e mais condições climáticas extremas”, afirmou a ativista Nicole Polsterer, do grupo ambientalista Fern.
Já o ministro alemão da Agricultura, Alois Rainer, do partido conservador CSU, descreveu a decisão da Comissão como “absolutamente correta”.
O que diz a lei
O objetivo da regulamentação é combater o desmatamento dentro da União Europeia e também em outras regiões do planeta. De acordo com a legislação, produtos só podem ser vendidos na UE se nenhuma floresta tiver sido desmatada para sua produção após dezembro de 2020.
Empresas que queiram vender seus produtos na UE – incluindo soja, carne bovina e óleo de palma – terão que comprovar que eles não provêm de terras recentemente desmatadas. Para isso deverão usar dados de geolocalização nos países produtores, combinados com fotos de satélite, e transmitir essas informações a Bruxelas.
Muitas empresas e também governos da UE criticaram tanto as exigências como os custos para cumprir com as regras de rastreabilidade. Diversos setores econômicos, incluindo o alimentício e as editoras de jornais, também criticaram a proposta de lei pela falta de tempo para se preparar. Vários países-membros da UE pressionaram pela revisão ou adiamento da legislação, incluindo Itália, Áustria e Alemanha.
Adiamentos e lei menos exigente
Há um ano, em meio à pressão de parceiros comerciais como o Brasil, a Indonésia, os Estados Unidos, a Austrália, a Nova Zelândia e o Canadá, a Comissão Europeia concordou com uma extensão inicial de pouco mais de um ano, até o fim de dezembro de 2025, para que as regulamentações começassem a ser aplicadas a grandes empresas, e até junho de 2026 para pequenas empresas.
Os países-membros e o Parlamento Europeu aceitaram essa primeira extensão, que foi amplamente criticada pela esquerda e por ambientalistas, incluindo Virginijus Sinkevicius, que era comissário do Meio Ambiente quando a lei foi elaborada e negociada, em 2023.
Meses depois, em maio de 2025, a Comissão publicou a controversa lista de países cujas exportações para a União Europeia dos produtos abrangidos pela lei poderiam gerar desmatamento na fonte, mas incluiu apenas Rússia, Belarus, Coreia do Norte e Mianmar, que já estão sujeitos a sanções comerciais, na categoria de “alto risco”.
Membros do Partido Popular Europeu (PPE), o grupo conservador que é o maior no Parlamento Europeu, pedem agora um enfraquecimento das exigências. Entre outras coisas, eles defendem uma categoria para países com risco zero de desmatamento, que poderiam ser isentos de obrigações e controles.
“Regiões e produtos onde não há risco algum de desmatamento devem ser tratados de forma desburocratizada e sem requisitos adicionais de documentação”, afirmou a eurodeputada da CDU Christine Schneider. No ano passado, o conselho dos 27 países-membros rejeitou essa ideia.
O ministro alemão da Agricultura também já se manifestou a favor de uma categoria de risco zero. Numa reunião de ministros da Agricultura da UE em maio, Rainer afirmou que as exigências rigorosas “não eram necessárias” para produtos dos próprios países da UE.
Ainda não está claro se uma exceção para os países da UE seria consistente com as regras da Organização Mundial do Comércio (OMC).
A lei, em sua forma atual, prevê três categorias de risco diferentes, e todos os países da UE já recebem um risco baixo, o que significa que as empresas precisam fornecer menos informações à Comissão Europeia. Já o Brasil está na categoria intermediária, ao lado da Indonésia e Malásia.
Roswall afirmou ser muito cedo para decidir sobre possíveis mudanças adicionais na lei.
Pressão de parceiros comerciais
O anúncio de Bruxelas ocorreu poucas horas após a conclusão de um acordo de livre comércio com a Indonésia, uma das mais fortes críticas da nova legislação.
A lei também é criticada pelo governo dos Estados Unidos, que fechou um acordo comercial com a UE no fim de julho com amplas concessões ao governo do presidente Donald Trump.
Numa declaração comercial conjunta no fim de agosto, a Comissão Europeia prometeu abordar as preocupações dos produtores e exportadores dos EUA relacionadas à lei antidesmatamento “para evitar impactos indevidos no comércio EUA-UE”.
A indústria de papel e celulose dos EUA exige que os produtos americanos sejam isentos das regras.
Roswall afirmou na terça-feira que a proposta de um novo adiamento “não tinha absolutamente nada” que ver com os compromissos assumidos com o governo dos EUA. Tampouco há qualquer conexão com as negociações da UE sobre acordos comerciais com vários outros países, disse.
Além do acordo comercial com a Indonésia, a Comissão Europeia também pretende finalizar um acordo com os países do Mercosul. Os países sul-americanos haviam exigido tratamento preferencial da UE na lei antidesmatamento, o que a Comissão rejeitou.
as/cn (AFP, Reuters, DPA, Efe)