11/02/2022 - 14:11
Ela não enxerga mais e precisa ser amparada sempre que se movimenta em sua cadeira de rodas. Mas segue muito lúcida. Sabe que todos os dias acorda às 7 horas e é colocada à mesa para tomar café. Em seguida, é transferida para a capela do asilo onde vive, em Toulon, no sul da França, para manter a fé em dia.
Nascida na cidade de Alès, também no sul da França, em 11 de fevereiro de 1904, Lucile Randon, conhecida como irmã André, reclama da falta de independência. Para seu 118º aniversário, comemorado nesta sexta-feira (11/02), ela disse desejar “morrer logo”.
“Passar o dia todo sozinha apenas com a sua dor não é divertido. É terrível não poder fazer nada sozinha”, lamentou. “Deus não me escuta. Deve estar surdo.”
Aos 118 anos, ela é considerada a mulher mais velha da Europa e a segunda do mundo, apenas 13 meses mais jovem que a japonesa Kane Tanaka, que nasceu em 2 de janeiro de 1903.
Ao ser questionada sobre como foi a experiência de ter sido infectada com covid-19, doença que contraiu e da qual se recuperou no ano passado, irmã André diz apenas que sentiu um pouco de cansaço. E comenta: “De qualquer forma, tive gripe espanhola.”
A pandemia de gripe espanhola ocorreu entre 1918 e 1920, quando irmã André era uma adolescente de no máximo 16 anos, e estima-se que tenha vitimado em torno de 50 milhões de pessoas.
Irmã André tinha em torno de 40 anos quando diz ter vivido a fase mais feliz de sua vida, ao mudar-se para Paris para trabalhar como babá: “Isso foi há 80 anos. Paris era tão bonita. Eu só tinha vivido em Gard, um povoado pequeno e feio, e agora estava em uma cidade radiante”, recorda-se.
Nascida em uma família protestante pouco praticante, ela acabou se convertendo ao catolicismo e virando freira na congregação Filhas da Caridade, onde trabalhou até o final dos anos 1970. Depois, quando já tinha 100 anos, ainda ajudava a cuidar de residentes mais jovens do asilo onde vive.
Se a disposição não é mais a mesma, ao menos o humor continua firme: “Já não suporto mais os convidados. Sou menos amável”, diz, referindo-se às celebrações do aniversário. “Sempre me admiraram por minha sabedoria e inteligência, e agora zombam de mim porque sou recalcitrante.”
Mesmo assim, não dispensa uma interação. “Gosto muito quando me fazem companhia, a exemplo do David. Ele é encantador. Você o conhece?”, questiona.
David Tavella trabalha no asilo onde Irmã André vive. E atua também como “assessor de imprensa” da anciã, gerenciando os pedidos de entrevistas de jornalistas de todas as partes do mundo, além dos presentes e cartas. Uma delas, aliás, foi enviada pelo presidente francês, Emmanuel Macron, que lhe desejou um ótimo 2022.
Os supercentenários na França
Quando se fala em expectativa de vida, países como o Japão ou as chamadas “zonas azuis“, regiões remotas da Sardenha, na Itália, Grécia ou Costa Rica, são frequentemente citadas como de grande concentração no número de centenários. Na França, um pouco menos.
No entanto, foi justamente na Provença, no sudeste francês, que viveu a pessoa mais velha do mundo até hoje. Jeanne Calment morreu em Arles, em 1997, aos 122 anos.
Também no sul da França, em Nice, vive André Boite. Aos 111 anos, ele é um dos poucos supercentenários – que têm mais de 110 anos – do mundo.
De acordo com o Instituto Nacional de Estatística e Estudos Econômicos da França (Insee), cerca de 30 mil centenários vivem atualmente na França, sendo que 40 deles têm mais de 110 anos de idade.
Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), havia em torno de 500 mil centenários no mundo em 2015 – número que pode chegar a 25 milhões em 2100.
Qual o segredo da longevidade?
Há vários estudos e hipóteses, mas não uma certeza absoluta a respeito do segredo para a longevidade. A estabilidade econômica, a democracia e a alimentação são alguns fatores citados.
O demógrafo e geriatra Jean-Marie Robine cita “até mesmo a social-democracia” e “duas grandes dietas: a japonesa e a do Mediterrâneo”, ambas baseadas em peixes e legumes. No entanto, reforça: “Não temos certeza, são apenas hipóteses.”
Além desses fatores, é preciso levar em consideração as próprias características do indivíduo, como a genética, ou mesmo a ausência de genes ligados a fatores de risco.
“Jeanne Calment atendia a todos os quesitos para a longevidade. Ela tinha um estilo de vida impecável. Começou a fumar aos 25 anos, mas apenas um cigarro por dia, e bebia um dedo de vinho do Porto à noite”, diz Catherine Levraud, chefe de geriatria do hospital de Arles.
Professora de psicologia do envelhecimento na Universidade de Lausanne, na Suíça, Daniela Jopp lembra que o otimismo é outro fator importante, já que está ligado aos “mecanismos do sistema imunológico”.
Em estudos feitos com centenários na Alemanha e nos Estados Unidos, a pesquisadora identificou traços comuns: normalmente, os centenários são extrovertidos, têm carisma, boas relações sociais, são apaixonados, capazes de dar sentido à vida e também adaptáveis.
gb/lf (AFP, KNA)