20/03/2023 - 15:48
Apesar das demandas por maior bem-estar animal, galinhas, porcos e outros são mantidos em espaços apertados e desumanos. União Europeia quer proibir o uso de gaiolas até 2027 – uma meta improvável.A população humana e sua necessidade por produtos de origem animal continuam aumentando a níveis sem precedentes: a produção global de carne para consumo cresceu 45% em 2020, em comparação a 2000.
O boom das carnes é reflexo do aumento da criação intensiva, com animais – como galinhas e porcos – mantidos em espaços pequenos e restritivos, como gaiolas, currais e estábulos.
Embora 94% dos cidadãos da União Europeia estejam preocupados com o bem-estar dos animais – e quase 60% estejam dispostos a pagar mais por uma produção de carne mais favorável a ele –, o uso de gaiolas na criação de galinhas, porcos ou coelhos continua generalizado.
As preocupações com o bem-estar se estendem ao meio ambiente. Por um lado, a produção de carne é ruim para o clima, gerando 14,5% de todas as emissões de gases de efeito estufa – aproximadamente o equivalente a todo o setor global de transportes, de acordo com o Greenpeace.
Os animais recebem ração rica em nitrogênio, produzindo, assim, esterco rico em amônia tóxica, que por sua vez gera óxido de nitrogênio, um potente gás de efeito estufa. Entre seus efeitos nocivos, a amônia danifica os olhos e o sistema respiratório dos frangos mantidos em aviários.
Os ativistas dos direitos animais argumentam que a agropecuária por métodos humanos e sustentáveis, incluindo a criação de galinhas poedeiras ao ar livre, pode reduzir as necessidades de ração, combustível e água, cortando custos e poluição, ao também reciclar nutrientes e melhorar o solo.
Porém eles concordam que a redução do consumo e produção de carne é a melhor maneira de aumentar o bem-estar animal e minimizar os impactos ambientais do setor. Uma vez que o contrário vem ocorrendo, como os animais estão sendo tratados em todo o mundo e como lhes proporcionar uma existência menos desumana?
“Fim da era das gaiolas”
Em 2021, o Parlamento Europeu se comprometeu com a proibição do uso de gaiolas na criação de animais. Uma lei subsequente – que está sendo elaborada pela Comissão Europeia – livrará de gaiolas todas as galinhas, porcos, bezerros, coelhos, patos, gansos e outros animais, em toda a Europa, até 2027.
A lei foi inspirada por uma iniciativa cidadã na UE denominada “Fim da era das gaiolas”, que reuniu 1,4 milhão de assinaturas, visando acabar com a dor e o trauma de mais de 300 milhões de animais que passaram toda ou parte de suas vidas em gaiolas, currais ou estábulos.
Esse objetivo foi quase alcançado por vários países da UE: entre 87% e 98% dos animais de Luxemburgo, Áustria, Suécia, Holanda e Alemanha estão livres de gaiolas. Por outro lado, na Espanha, mais de 86 milhões deles são criados em gaiolas, e apenas 13% do gado não vive confinado.
Como a maioria dos países da UE mantém menos de 40% de seu gado fora de gaiolas – incluindo a França (34%) e a Grécia (22%) –, parece improvável que se vá conseguir libertar os animais de toda a região nos próximos anos.
Em todo o bloco europeu, quase todas as porcas adultas – que os especialistas dizem ser altamente inteligentes e que anseiam por espaço ao ar livre – passam cerca de metade do ano dentro de “caixas de gestação” nas quais mal conseguem se mover – e muito menos se virar.
De acordo com a organização de direitos dos animais The Humane League, com sede nos Estados Unidos, essas porcas são exploradas como máquinas de reprodução continuamente produzindo leitões em currais frios, escuros e sujos, onde muitas vezes sucumbem à doença. Elas “estão entre os animais mais maltratados do planeta”, afirma o grupo.
Na China, um arranha-céu de 26 andares na província de Hubei, onde se criam 1,2 milhão de animais por ano, também suscita preocupações éticas e temores de que se torne um terreno fértil para zoonoses.
Enquanto isso, uma lei aprovada em outubro de 2022 na Alemanha permite que os consumidores escolham o que comprar de acordo com o tratamento dispensado aos animais. Todos os produtos suínos, por exemplo, são obrigados a ter um rótulo que diferencie entre cinco diferentes métodos de criação: curral, curral com espaço extra, curral ao ar livre, livre em terreno aberto e orgânico.
No entanto, os animais criados em fazendas orgânicas não são imunes ao sofrimento. Um estudo alemão aponta que mais da metade das vacas leiteiras em fazendas orgânicas têm mastite – uma inflamação dolorosa dos úberes, mas seguem sendo ordenhadas diariamente.
Embora a mastite também seja comum em fazendas convencionais, os padrões de produção orgânica proíbem o uso de antibióticos e, portanto, limitam o tratamento eficaz das vacas “orgânicas”.
Um relatório da organização alemã de proteção ao consumidor Foodwatch mostra que os porcos de criação orgânica – onde recebem palha e mais espaço, por exemplo – sofrem de pneumonia, feridas abertas e abscessos quase na mesma proporção que nas fazendas convencionais, devido à falha no monitoramento sanitário.
Alimentando o vício do frango
Cerca de 33,1 bilhões de frangos foram criados globalmente em 2020 – quase cinco para cada ser humano. Isso representa um aumento de 130% em 20 anos. Tais números ilustram a dificuldade de suprir o desejo crescente por carne animal através de métodos éticos e de baixa intensidade.
De acordo com a Coalizão de Conscientização sobre Agricultura Industrial, com sede na Califórnia, os frangos de corte constituem 95% dos animais abatidos em todo o mundo para alimentação. Os EUA são o maior produtor mundial.
Os frangos de corte são normalmente criados em galpões de 1.486 metros quadrados que abrigam cerca de 20 mil aves. isso equivale a menos de 75 centímetros quadrados por animal.
Em meio à superlotação, eles alcançam seu tamanho máximo em seis semanas e são abatidos. Na década de 1950, para tal era necessário cerca do triplo do tempo, de acordo com a organização Compassion in World Farming.
Devido ao crescimento acelerado e apetite exagerado, as pernas não conseguem suportar o peso corporal das aves, forçando-as a ficarem deitadas no chão, sofrendo de dores e mancando. Órgãos como o coração e os pulmões também ficam sob tensão, resultando em morte precoce.
Confinamento do gado
Embora o gado bovino para corte seja parcialmente mantido em pastagens, em todo o mundo, em seus últimos meses antes do abate é cada vez mais comum os animais ficarem confinados lotes de engorda, onde recebem uma dieta cereal dominada por milho altamente energético, em vez de grama, sua dieta natural.
Os currais de confinamento têm capacidade média para cerca de mil vacas nos EUA – enquanto na África do Sul o maior curral comporta 130 mil cabeças de gado, segundo especialistas.
O gado de todo o mundo – incluindo os vitelos, que em parte passam a vida inteira nesses currais – normalmente tem pouca ou nenhuma cobertura, sofre frio e lama no inverno e estresse térmico durante os verões quentes e secos, em baias sem sombra.
Na Austrália, um dos maiores exportadores de carne bovina do mundo, há cerca de 500 desses currais de confinamento que em 2022 abrigaram um recorde de quase 1,3 milhão de cabeças de gado.
De acordo com o grupo de bem-estar animal RSPCA, da Austrália, as superfícies abrasivas e lamacentas dos lotes causam claudicação, dor e lesões, devido a uma doença inflamatória que afeta seus cascos.
No entanto, a situação do gado confinado na Austrália está melhorando, com mais de 90% dos estabelecimento agora respeitando padrões nacionais de bem-estar animal, incluindo drenagem de currais enlameados, criação de currais para os doentes, e cuidados extras para vacas prenhas e bezerros recém-nascidos.
Os defensores do sistema de confinamento argumentam que é uma maneira mais sustentável de produzir carne, pois assim florestas e outros ecossistemas não são transformados em pastagens. Mas os especialistas também mostram como as dietas de cevada ou milho em currais de confinamento produzem cerca de 40% mais emissões de metano, um potente gás de efeito estufa.