Um par de terremotos em 2021 enviou ondas sísmicas profundamente no núcleo do Planeta Vermelho, dando aos cientistas os melhores dados até agora sobre seu tamanho e composição.

A Nasa aposentou sua sonda InSight Mars em dezembro, mas o tesouro de dados de seu sismômetro será examinado nas próximas décadas. Ao observarem as ondas sísmicas que o instrumento detectou em dois tremores em 2021, os cientistas conseguiram deduzir que o núcleo de ferro líquido de Marte é menor e mais denso do que se pensava anteriormente.

As descobertas, que marcam as primeiras observações diretas já feitas do núcleo de outro planeta, foram detalhadas em um artigo publicado na revista Proceedings of the National Academies of Sciences (PNAS). Ocorridos em 25 de agosto e 18 de setembro de 2021, os dois abalos foram os primeiros identificados pela equipe da InSight a terem se originado no lado oposto do planeta em relação ao módulo de pouso – os chamados terremotos distantes. A distância provou ser crucial: quanto mais longe um terremoto acontece do InSight, mais fundo no planeta suas ondas sísmicas podem viajar antes de serem detectadas.

Uma das últimas imagens já tiradas pela sonda InSight Mars da Nasa. Feita em 11 de dezembro de 2022, o 1.436º dia marciano, ou sol, da missão, ela mostra o sismômetro da InSight na superfície do Planeta Vermelho. Crédito: Nasa/JPL-Caltech

Sorte e habilidade

“Precisávamos de sorte e habilidade para encontrar e usar esses tremores”, disse Jessica Irving, cientista da Terra na Universidade de Bristol (Reino Unido) e principal autora do artigo. “Os terremotos distantes são intrinsecamente mais difíceis de detectar porque uma grande quantidade de energia é perdida ou desviada à medida que as ondas sísmicas viajam pelo planeta.”

Irving observou que os dois abalos ocorreram depois que a missão estava operando no Planeta Vermelho por mais de um ano marciano completo (cerca de dois anos terrestres), o que significa que o Marsquake Service – os cientistas que inicialmente examinam os sismógrafos – já haviam aprimorado suas habilidades. Também ajudou o fato de um impacto de meteoroide ter causado um dos dois terremotos – impactos fornecem uma localização precisa e dados mais nítidos para um sismólogo trabalhar. (Como Marte não tem placas tectônicas, a maioria dos tremores é causada por falhas, ou fraturas de rochas, que se formam na crosta do planeta devido ao calor e estresse.) O tamanho dos terremotos também foi um fator nas detecções.

“Esses dois terremotos distantes estavam entre os maiores ouvidos pela InSight”, disse Bruce Banerdt, investigador principal da InSight no Laboratório de Propulsão a Jato (JPL) da Nasa no sul da Califórnia. “Se eles não fossem tão grandes, não poderíamos tê-los detectado.”

Um dos desafios na detecção desses terremotos em particular é que eles estão em uma “zona de sombra” – uma parte do planeta na qual as ondas sísmicas tendem a ser refratadas para longe da InSight, dificultando que o eco de um terremoto alcance o módulo de pouso, a menos que seja muito grande. A detecção de ondas sísmicas que atravessam uma zona de sombra é excepcionalmente difícil; é ainda mais impressionante que a equipe da InSight tenha feito isso usando apenas o único sismógrafo que eles tinham em Marte. (Em contraste, muitos sismômetros estão distribuídos na Terra.)

Modelos refinados

“Foi preciso muita experiência sismológica da equipe da InSight para extrair os sinais dos sismogramas complexos registrados pelo módulo de pouso”, disse Irving.

Um artigo anterior que ofereceu um primeiro vislumbre do núcleo do planeta baseou-se em ondas sísmicas que se refletiam em seu limite externo, fornecendo dados menos precisos. A detecção de ondas sísmicas que realmente viajaram pelo núcleo permite que os cientistas refinem seus modelos de como é o núcleo. Com base nas descobertas documentadas no novo artigo, cerca de um quinto do núcleo é composto por elementos como enxofre, oxigênio, carbono e hidrogênio.

“Determinar a quantidade desses elementos em um núcleo planetário é importante para entender as condições em nosso sistema solar quando os planetas estavam se formando e como essas condições afetaram os planetas que se formaram”, disse um dos coautores do artigo, Doyeon Kim, do ETH Zurich (Instituto Federal Suíço de Tecnologia em Zurique).

Esse sempre foi o objetivo central da missão da InSight: estudar o interior profundo de Marte e ajudar os cientistas a entender como todos os mundos rochosos se formam, incluindo a Terra e sua Lua.