02/02/2023 - 10:58
Originalmente, a cidade industrial nas margens do rio Volga era para a Wehrmacht apenas uma etapa no objetivo final de conquistar os campos petrolíferos do Cáucaso. Mas devido a seu nome, Stalingrado tinha, tanto para Adolf Hitler como para Josef Stalin, um significado que ia além do estratégico.
Devido às longas rotas de abastecimento, a ofensiva alemã do 6º Exército sob o comando do general Friedrich Paulus contra Stalingrado era arriscada desde o início. A ofensiva começou em meados de agosto de 1942, pouco mais de um ano após o regime nazista ter declarado guerra à União Soviética. “Os russos estão no fim de suas forças”, afirmava Hitler.
Como ficaria comprovado mais tarde, esse foi um grande equívoco. É verdade que, apesar da forte resistência, a Wehrmacht (Forças Armadas da Alemanha durante o Terceiro Reich, entre 1935 e 1945) conseguiu ocupar a maior parte da cidade até meados de novembro. Mas, ao mesmo tempo, o Exército Vermelho lançou um movimento de pinça, manobra militar em que os flancos do exército oponente são atacados simultaneamente por duas frentes defensivas.
Já no fim de novembro, estavam cercados todo o 6º Exército do Terceiro Reich e partes do 4º Exército Panzer (unidade blindada), reunindo quase 300 mil soldados. Sob ordens de Hitler, porém, eles foram forçados a manter suas posições a todo custo. Paralelamente, em julho Stalin emitira a ordem de “não retroceder um passo”.
Os alemães ficaram cercados, e sua situação se deteriorou rapidamente. Durante semanas eles foram abastecidos por via aérea, mas em nenhum momento os carregamentos foram suficientes. E com o avanço do Exército Vermelho, cada vez menos suprimentos chegavam.
Resistência até (quase) o fim
Durante o inverno, as temperaturas atingiram 30ºC negativos. A repetitivamente prometida “ofensiva de resgate” falhou. A maioria dos soldados alemães cercados em Stalingrado não morreu em combate, mas de desnutrição e hipotermia.
No entanto, o general Paulus seguiu comprometido com a rígida ordem de Hitler de aguentar “até o último soldado” e, em 8 de janeiro, rejeitou uma proposta soviética de capitulação.
Em 29 de janeiro – a situação já era completamente irreversível – Paulus enviou a seguinte mensagem a Hitler: “No aniversário de sua conquista do poder, o 6º Exército saúda seu líder. A bandeira com a suástica ainda está hasteada sobre Stalingrado. Nossa luta pode ser um exemplo para as gerações vivas e futuras, de nunca capitular, mesmo na situação mais desesperadora, e aí a Alemanha vencerá. Salve, meu Führer.”
Mas a lealdade de Paulus tinha limites. Quando, em 31 de janeiro, o Exército Vermelho invadiu o quartel-general montado no porão de uma loja de departamentos, o comandante nazista foi feito prisioneiro. Ele proibiu seus oficiais de cometerem suicídio, porque deveriam compartilhar o destino dos soldados comuns. As tropas alemãs capitularam.
Enquanto isso, o cerco alemão a Stalingrado se dividira em dois. No fim de janeiro, os soldados do cerco do sul se renderam; em 2 de fevereiro, também os do norte, sendo capturados pelas Forças Armadas russas. Hitler ficou furioso quando foi informado.
Batalha e carnificina
O balanço da batalha: do lado soviético, mais de meio milhão de mortes, incluindo numerosos civis. Por longo tempo, Stalin impedira a retirada da população civil, Já nos primeiros dias de combate, mais de 40 mil cidadãos foram mortos em ataques aéreos. Dos cerca de 75 mil habitantes que permaneceram até o fim da batalha, muitos morreram de fome ou frio.
Do lado alemão, as estimativas variam entre 150 mil e 250 mil soldados mortos. Dos quase 100 mil alemães que foram presos pela União Soviética, apenas cerca de 6 mil sobreviventes retornaram ao seu país em 1956, incluindo Paulus.
A Batalha de Stalingrado não foi a que contabilizou o maior prejuízo para a Wehrmacht, nem a mais importante em termos militares. Porém, teve enorme significado do ponto de vista psicológico, também pelo fato de tanto Hitler quanto Stalin a verem como um duelo de prestígio.
“Em Stalingrado, defendemos nossa Mãe Rússia”, escrevia na época o autor soviético Ilya Ehrenburg. Por sua vez, o ministro da Propaganda da Alemanha nazista, Joseph Goebbels, anotou: “É efetivamente uma questão de vida ou morte, e nosso prestígio, assim como o da União Soviética, depende grandemente desse resultado.”
A batalha na cidade que seria rebatizada Volgogrado em 1960 tornou-se o grande ponto de inflexão da Segunda Guerra Mundial: após essa derrota, a Alemanha de Hitler passaria cada vez mais para a defensiva.
Stalingrado e a guerra na Ucrânia
Para a União Soviética vitoriosa, Stalingrado se transformou num mito: lá, o exército da Alemanha nacional-socialista, por longo tempo considerado o mais forte do mundo, fora derrotado de maneira decisiva.
No século 21, a liderança russa volta a lançar mão desse mito, justamente na guerra contra a Ucrânia. Desde o início, em 24 de fevereiro de 2022, o Kremlin se esforça para apresentar a invasão como uma nova luta contra “nazistas” no topo do Estado ucraniano, decididos a exterminar a população russófona no leste do país. Já ao dar a ordem de ataque, o presidente Vladimir Putin anunciou que “desnazificaria” o país vizinho.
Também o Museu de Stalingrado, na atual Volgogrado, é integrado a essa representação. Há anos abrigando uma das mostras mais visitadas do país, ele tem organizado festividades para as famílias de soldados russos mortos na Ucrânia.
Lá realizou-se ainda uma cerimônia do Exército Jovem, financiado pelo Ministério da Defesa, em que seus integrantes foram saudados como “descendentes dos vencedores de Stalingrado”. Os conhecidos monumentos de guerra de Volgogrado também foram pontos de encontro para soldados a caminho da Ucrânia.
Entretanto, a descrição de Putin da liderança ucraniana como “nazista” não passa de mero pretexto para sua guerra de agressão. E os paralelos traçados por ele entre hoje e 80 anos atrás não se sustentam do ponto de vista histórico. A diferença decisiva é que em 1941 a União Soviética foi invadida pela Alemanha nazista, enquanto em 2022 sua sucessora, a Federação Russa, atacou a vizinha Ucrânia sem que tivesse sofrido ameaça.
Holodomor, “mitos russofóbicos” e os mortos de Stalingrado
A avaliação da figura de Josef Stalin ilustra bem a discrepância entre como a Rússia e a Ucrânia interpretam o passado. No 80º aniversário da Batalha de Stalingrado acaba de ser inaugurado um novo busto do antigo ditador soviético – em Volgogrado, rebatizada após sua morte justamente para apagar a lembrança do regime de terror que custou milhões de vidas.
Na Ucrânia, Stalin é execrado como o responsável pelo “Holodomor” (morte por fome, em ucraniano): em 1932 e 1933, uma devastadora crise de fome fez 4 milhões de vítimas no país. Segundo a visão local predominante, a catástrofe teria sido provocada intencionalmente, a fim de quebrar a resistência dos camponeses ucranianos contra a coletivização forçada.
Essa opinião é partilhada pelo Parlamento Europeu e o alemão Bundestag, que no fim de 2022 classificaram o Holodomor como genocídio. A reação do Ministério russo do Exterior foi: os deputados alemães teriam “teimosamente decidido apoiar esse mito político e ideológico, cultivado pelas autoridades ucranianas, instigadas por forças ultranacionalistas, nazistas e russofóbicas”.
Pelo menos no tocante aos mortos de Stalingrado, as autoridades russas e alemãs têm cooperado até agora. Pois em trabalhos de construção em Volgogrado e cercanias seguem sendo encontrados cadáveres, naturalmente também de soldados alemães, e até valas comuns inteiras.
Graças à cooperação entre as autoridades russas e a associação alemã Volksbund, encarregada das sepulturas dos mortos de guerra, são depositados em cemitérios militares oficiais, como o de Rossoschka, nos arredores de Volgogrado, os restos mortais tanto de soldados da Wehrmacht quanto do Exército Vermelho – separados por uma alameda, porém no mesmo campo santo.