14/10/2019 - 18:46
A startup BioInsumos e Diagnósticos (BiDiagnostics) vem trabalhando, com apoio do Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE) da FAPESP, no desenvolvimento de um novo teste para diagnóstico da esporotricose – doença de pele causada por fungos do gênero Sporothrix sp e considerada uma zoonose.
Um aumento exponencial no número de casos tem sido observado nos últimos anos, principalmente em gatos domésticos, mas também em cães e em humanos. O fungo, naturalmente encontrado no solo, infecta a pele de felinos por meio de feridas. Pode causar lesões graves, que se disseminam por todo o corpo e afetam órgãos internos. O quadro pode tornar-se fatal se não for tratado a tempo.
Já em humanos, normalmente infectados por meio da arranhadura ou mordeduras de gatos contaminados, o patógeno costuma provocar lesões nos braços e na face, geralmente não tão severas como as dos felinos.
Embora raramente represente um risco à vida humana, a esporotricose é muito confundida com infecções semelhantes – principalmente a leishmaniose cutânea –, o que dificulta o diagnóstico e retarda o tratamento, aumentando os custos para os sistemas de saúde público e privado.
“Nos últimos cinco anos, foram registrados casos da doença tanto em animais como em humanos em todas as regiões do país, com um aumento de até 600% no número de pacientes notificados”, disse a microbiologista Leila Maria Lopes Bezerra, fundadora da BiDiagnostics.
Com base em estudos feitos nos últimos 20 anos sobre os efeitos e a evolução do fungo Sporothrix sp, a pesquisadora identificou um antígeno específico para o diagnóstico sorológico da esporotricose humana causada pela espécie S. schenckii.
A partir da caracterização do antígeno específico, foi desenvolvido um teste rápido para o diagnóstico de todas as formas clínicas da infecção a partir da detecção de anticorpos no soro de pacientes. O método foi validado clinicamente em pacientes atendidos no hospital da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
“O teste permite agilizar o diagnóstico e fazer o acompanhamento do tratamento dos pacientes infectados, que leva no mínimo três meses. Além disso, permite diminuir os custos com internação pela demora ou diagnósticos errôneos”, contou Lopes Bezerra.
Agora, com o apoio do PIPE-FAPESP, a empresa incubada no Centro de Inovação, Empreendedorismo e Tecnologia (Cietec) da Universidade de São Paulo (USP) pretende desenvolver um teste de diagnóstico da esporotricose causada pela espécie S. brasiliensis a partir de outro antígeno específico.
Essa espécie de fungo, descoberta em 2007, é mais prevalente e virulenta do que a S. schenckii e causa graves manifestações clínicas até então consideradas raras, como infecção nas mucosas, endocardite (infecção no revestimento interno do coração) e meningite.
Durante o projeto, os pesquisadores pretendem validar o teste usando os dois antígenos que caracterizaram, a fim de verificar seu grau de sensibilidade e especificidade em amostras de soro de pacientes com esporotricose causada pelo S. brasiliensis.
Além disso, querem testar a potencial aplicação do teste no diagnóstico diferencial de esporotricose e leishmaniose cutânea.
“Até o momento, não existe nenhum produto semelhante no mercado e, por esse motivo, o teste que desenvolvemos para diagnosticar a esporotricose causada pelo S. schenckii é o único recomendado na literatura médica”, afirmou Lopes Bezerra.
“Apesar de as metodologias usadas hoje serem muito válidas, elas não permitem fazer um grande número de análises e o resultado demora, no mínimo, 15 dias”, comparou.
Mudança de foco
No plano de negócios inicial da empresa, o teste de diagnóstico estava voltado preferencialmente para o mercado veterinário. Ao participar do 12º Treinamento PIPE em Empreendedorismo de Alta Tecnologia, oferecido pela FAPESP, e realizar 105 entrevistas com potenciais interessados na tecnologia, os pesquisadores constataram que teriam de mudar o foco de mercado.
“Embora o teste seja aceito como uma ferramenta de diagnóstico pelos médicos veterinários, eles manifestaram receio de ter que manipular felinos para extrair a amostra de sangue necessária para fazer o teste”, explicou Lopes Bezerra.
“No entanto, constatamos nas entrevistas com médicos de saúde humana que o teste seria uma ferramenta importante para o acompanhamento de pacientes. Acabamos direcionando nosso plano de negócios para esse segmento”, afirmou.
Os pesquisadores constataram que a maior parte dos pacientes passa, em média, por entre quatro e nove consultas médicas no sistema público de saúde até serem encaminhados para um especialista, geralmente após tomarem antibióticos ou terem sido submetidos a uma terapia que não surtiu efeito.
“Hoje, nos estados em que a notificação da esporotricose é compulsória, como no Rio de Janeiro, tem sido registrado, praticamente, um caso de infecção humana para cada notificação de animal infectado”, disse a pesquisadora.
Segundo dados da Vigilância Sanitária do município do Rio, onde tem sido registrada uma epidemia de esporotricose desde 1998, apenas em 2015 foram diagnosticados 3.800 gatos, 120 cães e 4.000 pacientes infectados. Já em 2016, verificou-se um aumento de 400% no número de animais diagnosticados.
“Já há relatos de casos da doença também em outros países vizinhos do Brasil, o que levou a OPAS [Organização Pan-Americana da Saúde] a emitir um alerta, no final de agosto. Dessa forma, um novo teste com o antígeno do Sporothrix brasiliensis suprirá uma demanda não apenas do país”, avaliou Lopes Bezerra.
Este texto foi originalmente publicado por Agência FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.