11/09/2025 - 16:06
Com voto de Cármen Lúcia, Supremo encaminha primeira condenação de um ex-presidente por tentativa de golpe de Estado. Penas serão definidas após voto de Cristiano Zanin.A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria nesta quinta-feira (11/09) para condenar o ex-presidente Jair Bolsonaro pelo crimes de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça e deterioração de patrimônio tombado.
Foram favoráveis à condenação os ministros Flávio Dino, Alexandre de Moraes e Cármen Lúcia. Em seu voto, a magistrada acatou a tese da Procuradoria-Geral da República (PGR) de que o ex-presidente articulou sua permanência no poder a despeito do resultado das urnas em 2022.
O ministro Luiz Fux apresentou divergência, pediu a nulidade do processo evotou pela absolvição de Bolsonaro.
Com os três votos favoráveis e um contrário, o STF encaminha a primeira condenação de um ex-presidente brasileiro por estes crimes.
O ministro Cristiano Zanin, que tem seguido o entendimento de Moraes nos casos relacionados à trama golpista, ainda precisa apresentar seu voto para sacramentar a condenação.
Cármen Lúcia vê Bolsonaro como líder de organização criminosa
“Tenho por comprovado que Jair Messias Bolsonaro praticou os crimes que são imputados a ele na condição de líder da organização criminosa”, disse a ministra.
Ela acatou a denúncia de que Bolsonaro estruturou a propagação de desinformação sobre o sistema eleitoral, fez ataques aos poderes constituintes, instrumentalizou instituições de Estado, cooptou militares e planejou atos de neutralização violenta de agentes públicos.
“O que mais se alega para desfazer as alegações é que não há formalmente assinatura [de Bolsonaro]. Passar um recibo de cartório do que está sendo feito não é o que acontece nesses casos. Diferente do alegado, ele não foi tragado para o cenário das insurgências. Ele é o causador, ele é o líder de uma organização”, continuou em seu voto.
A magistrada ainda defendeu que há um grande acervo de provas para indicar que os planos de tomada do poder “não ficaram no mundo das ideias”, mas foram consolidados.
A pena, que pode chegar a 30 anos de prisão em regime fechado, só será estabelecida após finalizada esta rodada de votação. No momento, Bolsonaro cumpre prisão preventiva domiciliar.
Moraes e Dino acatam tese da PGR
Moraes e Dino apresentaram seus votos na terça-feira. Para os ministros, Bolsonaro não apenas estava ciente como liderou núcleos de apoiadores formados para desacreditar o resultado das urnas e instigar ataques contra instituições democráticas.
A ação coordenada fomentou a presença de apoiadores na porta de quarteis, planejou o assassinato de autoridades, rascunhou um decreto para determinar uma intervenção militar e incitou a destruição da Praça dos Três Poderes, defenderam os magistrados em seus votos.
Relator do caso, Moraes estabeleceu a condenação de Bolsonaro e de outros sete réus. “Jair Bolsonaro exerceu o papel de líder da organização criminosa, utilizando-se da estrutura do Estado brasileiro para implementação do projeto autoritário de poder”, declarou Moraes.
Já Dino indicou posicionamento mais brando sobre a pena de alguns dos réus, mas ressaltou que os crimes listados são “insuscetíveis de anistia, de modo inequívoco”.
Fux apresenta divergência e pede nulidade do processo
Em seu voto, Fux defendeu que a Primeira Turma do STF não teria competência para julgar o ex-presidente Jair Bolsonaro. “Ou o processo vai para o Plenário, ou tem de descer para a primeira instância. Acolho preliminar de incompetência da Primeira Turma e declaro a nulidade de todos os atos praticados por este Supremo Tribunal Federal”, disse ele.
O ministro também acolheu o argumento das defesas dos réus de que houve violação à garantia da ampla defesa no processo, considerado o grande volume de material apreendido e usado no processo e o tempo disponível para a sua análise pelos advogados.
Sobre o mérito do processo, Fux rejeitou integralmente a acusação da PGR. Para ele, a procuradoria “adotou uma narrativa desprendida dos fatos”. Ele argumentou que os atos praticados por Bolsonaro quando ele estava no cargo não podem ser entendidos como crimes.
O magistrado avaliou que Bolsonaro apenas cogitou medidas golpistas, mas “não aconteceu nada”, argumentando que a cogitação não é suficiente para punir o ex-presidente.
Fux também votou para absolver outros seis dos oito réus. Os dois únicos que receberam voto pela condenação foram o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid, e o general Walter Braga Netto, ambos somente pelo crime de abolição do Estado democrático de Direito.
O ministro foi poupado de sanções estabelecidas pelos EUA contra o STF e se tornou esperança para o bolsonarismo devido a votos anteriores contrários ao entendimento de Moraes.
O voto divergente pode abrir caminho para que a defesa do ex-presidente apresente embargos de declaração – um tipo de recurso processual que deve ser analisado pela mesma Primeira Turma.
Os embargos declaratórios podem ser pedidos quando há omissão ou contradição nos votos. No entanto, raramente levam à extinção completa da pena. O caso somente pode ser levado ao colegiado se dois dos cinco ministros votarem pela absolvição.
Ministros condenam outros sete réus
Além de Bolsonaro, o voto de Cármen Lúcia também forma maioria para condenar outros sete membros do “núcleo crucial” da trama golpista pelos mesmos crimes.
Eles foram responsáveis por arquitetar o plano para impedir o presidente Luiz Inácio Lula da Silva de assumir o poder. São eles:
Tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. Braço direito do ex-presidente, esteve presente em diversas reuniões que levaram à arquitetura do plano de golpe. Sua delação foi peça principal para a denúncia da PGR.
General Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa e ex-vice na chapa de Bolsonaro em 2022. Articulador da trama golpista e responsável pelo plano para assassinar autoridades.
Alexandre Ramagem, ex-chefe da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Utilizou a estrutura da Abin para espionar opositores e favorecer os interesses políticos de Bolsonaro.
Almirante Almir Garnier, ex-comandante da Marinha. Apoiou planos de intervenção militar e ajudou a elaborar minuta golpista.
General Augusto Heleno, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI). Representava a face “institucional” do golpe dentro do governo, conferindo legitimidade militar às conspirações.
General Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Casa Civil e da Defesa. Integrou o núcleo militar que apoiou a narrativa de fraude eleitoral e usou seu cargo para realizar pressão institucional.
Anderson Torres, ex-ministro da Justiça. É acusado de ter se omitido no 8 de janeiro de 2023, quando comandava a segurança do Distrito Federal e bolsonaristas invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes, em Brasília. Foi em sua casa que a PF encontrou a minuta de um decreto para instaurar um estado de defesa na sede do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Relembre a cronologia do processo
A maioria formada pela condenação desdobra mais uma etapa de uma disputa judicial aberta desde abril de 2020, quando as primeiras manifestações com clamores por intervenção militar tomaram as ruas do país.
O discurso anti-democrático ganhou fôlego nos anos seguintes, inflamado publicamente pelo então presidente e seus apoiadores, que proferiram repetidos ataques às urnas eletrônicas e às instituições democráticas brasileiras.
As investigações apontaram um sistemático esforço para desacreditar o sistema eleitoral brasileiro e, por fim, subvertê-lo. Repetidos depoimentos de Mauro Cid, prestados em delação premiada, levaram a operações de busca e apreensão que permitiram à Polícia Federal (PF) obter trocas de mensagens e documentos sobre a intenção dos réus de consumar um golpe de Estado.
Para a PGR, o rompimento democrático só não ocorreu por falta de apoio dos comandantes das Forças Armadas. Alexandre de Moraes chegou a ter os passos vigiados por membros do esquema.
A disputa culminou no que a PF considerou um risco de obstrução da Justiça. A corporação acredita que Bolsonaro e seu filho, Eduardo Bolsonaro, agiram para coagir autoridades a abandonarem o julgamento do ex-presidente. O lobby do deputado federal pela anistia do pai levou a autoridades americanas a aplicarem sanções contra o Brasil e contra ministros do Supremo.
gq (DW, OTS)