07/06/2020 - 13:57
O coronavírus viajou pelo mundo, infectando uma pessoa de cada vez. Algumas pessoas doentes podem não espalhar o vírus muito mais, mas algumas pessoas infectadas com o vírus SARS-CoV-2 são o que os epidemiologistas chamam de “superdisseminadores”.
Elizabeth McGraw, diretora do Centro de Dinâmica de Doenças Infecciosas da Universidade Estadual da Pensilvânia (EUA), explica as evidências e por que os superdisseminadores podem ser cruciais para a transmissão de uma doença.
O que é um superdisseminador?
No início do surto, os pesquisadores estimaram que uma pessoa portadora de SARS-CoV-2 infectaria, em média, outras duas a três pessoas. Estudos mais recentes argumentam, no entanto, que esse número pode realmente ser maior.
Já em janeiro, havia relatos de Wuhan, na China, sobre um único paciente que infectou 14 profissionais de saúde. Isso o qualifica como um superdisseminador: alguém responsável por infectar um número especialmente grande de outras pessoas.
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Desde então, os epidemiologistas rastrearam uma série de outras instâncias da disseminação do SARS-CoV-2. Na Coreia do Sul, cerca de 40 pessoas que compareceram a um único serviço de uma igreja foram infectadas ao mesmo tempo. Em um ensaio de coral de 61 pessoas no estado de Washington (EUA), 32 participantes contraíram covid-19 com certeza, e mais 20 apresentaram casos prováveis. Em Chicago (EUA), antes do distanciamento social, uma pessoa que compareceu a um jantar, um funeral e uma festa de aniversário foi responsável por 15 novas infecções.
Durante qualquer surto de doença, os epidemiologistas querem descobrir rapidamente se os superdisseminadores fazem parte do quadro. Sua existência pode acelerar a taxa de novas infecções ou expandir substancialmente a distribuição geográfica da doença.
Quais são as características de um superdisseminador?
Se alguém é um superdisseminador ou não, dependerá de alguma combinação do patógeno, da biologia do paciente e de seu ambiente ou comportamento.
Alguns indivíduos infectados podem lançar mais vírus no ambiente do que outros se o seu sistema imunológico tiver problemas para subjugar o invasor. Além disso, indivíduos assintomáticos – até 50% de todos os que contraem covid-19 – continuarão suas atividades normais, infectando inadvertidamente mais pessoas. Mesmo as pessoas que apresentam sintomas são capazes de transmitir o vírus durante uma fase pré-sintomática.
O comportamento de um indivíduo, os padrões de viagem e o grau de contato com outras pessoas também podem contribuir para a disseminação. Um comerciante infectado pode entrar em contato com um grande número de pessoas e mercadorias todos os dias. Um viajante de negócios internacional pode cruzar o mundo em um curto período de tempo. Um profissional de saúde doente pode entrar em contato com um grande número de pessoas especialmente suscetíveis, dada a presença de outras doenças subjacentes.
Protestos públicos – onde é difícil manter distância social e as pessoas podem estar levantando a voz ou tossindo com gás lacrimogêneo – são propícios à superdisseminação.
Qual é o tamanho do grupo de superdisseminadores em relação à covid-19?
Vários estudos recentes em pré-impressão, ainda não revisados por pares, lançaram luz sobre o papel da superdisseminação na dispersão da covid-19 em todo o mundo.
Pesquisadores em Hong Kong examinaram vários aglomerados de doenças usando rastreamento de contato para analisar todos com quem os pacientes com covid-19 haviam interagido. No processo, eles identificaram várias situações em que uma única pessoa era responsável por seis ou oito novas infecções.
Os pesquisadores estimaram que apenas 20% de todos os infectados com SARS-CoV-2 foram responsáveis por 80% de toda a transmissão local. É importante ressaltar que eles também mostraram que esses eventos de transmissão estavam associados a pessoas que tinham mais contatos sociais – além de apenas membros da família –, destacando a necessidade de isolar rapidamente as pessoas assim que elas testam positivo ou mostram sintomas.
Outro estudo realizado por pesquisadores em Israel adotou uma abordagem diferente. Eles compararam as sequências genéticas de amostras de coronavírus de pacientes dentro do país com as de outros lugares. Com base nas diferenças entre os genomas, eles podiam identificar cada vez que o SARS-CoV-2 entrava em Israel e, então, seguir como ele se espalhava domesticamente.
Esses cientistas estimaram que o rastreamento de 80% dos eventos de transmissão na comunidade – uma pessoa que espalhou o coronavírus para outra – levaria originariamente a apenas 1%-10% dos indivíduos doentes.
E quando outro grupo de pesquisa modelou a variação de quantas outras infecções por SARS-CoV-2 uma única pessoa infectada tende a causar, descobriu também que ocasionalmente havia indivíduos muito infecciosos. Essas pessoas foram responsáveis por mais de 80% das transmissões em uma população.
Quando os superdisseminadores desempenharam um papel fundamental em um surto?
Existem vários exemplos históricos de superdisseminadores. A mais famosa é Mary Tifoide, que no início do século 20 infectou 51 pessoas com febre tifoide através dos alimentos que ela preparava como cozinheira.
Durante as últimas duas décadas, os superdisseminadores iniciaram uma série de surtos de sarampo nos Estados Unidos. Indivíduos doentes e não vacinados visitaram lugares densamente lotados, como escolas, hospitais, aviões e parques temáticos, onde infectaram muitos outros.
Os superdisseminadores também tiveram um papel fundamental nos surtos de outros coronavírus, incluindo o SARS, em 2003, e o MERS, em 2015. Tanto no caso do SARS como no do MERS, a disseminação ocorreu principalmente em hospitais, com dezenas de pessoas sendo infectadas ao mesmo tempo.
A superdisseminação pode ocorrer em todas as doenças infecciosas?
Sim. Pesquisadores identificaram superdisseminadores em surtos de doenças causadas por bactérias, como tuberculose, bem como aquelas causadas por vírus, incluindo sarampo e ebola. Assim como parece ser o caso do coronavírus, alguns cientistas estimam que, em um surto de qualquer patógeno, 20% da população geralmente é responsável por causar mais de 80% de todos os casos da doença.
A boa notícia é que as práticas corretas de controle específicas de como os patógenos são transmitidos – lavagem das mãos, máscaras, quarentena, vacinação, redução de contatos sociais e assim por diante – podem diminuir a taxa de transmissão e deter uma pandemia.
Esta é uma versão atualizada de um artigo publicado originariamente em 30 de janeiro de 2020.
* Elizabeth McGraw é professora de entomologia e diretora do Centro de Dinâmica de Doenças Infecciosas da Universidade Estadual da Pensilvânia (Penn State, EUA)
** Este artigo foi republicado do site The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original aqui.