Esqueça os pequenos gênios que você vê fazendo contas mirabolantes de cabeça. A superdotação é muito mais que o estereótipo mostrado na TV, que faz com que os próprios superdotados duvidem de sua condição.

“Quando imaginava altas habilidades, sei lá, que fosse aquele geniozinho”, afirma Tales Nasir em um vídeo no TikTok.

Para complicar, muitos traços da condição também aparecem no autismo e/ou no TDAH. E ainda tem gente que tem os dois (ou três) ao mesmo tempo.

“Quando eu fui fazer o meu diagnóstico, vi que não era o TDAH apenas, né? Tinha a superdotação. E aí eu fui colocar ali a lista de sintomas. São basicamente os mesmos”, diz Tatiana Guimarães, superdotada e fundadora da PEN Educação.

“Problema com ruído demais, barulho demais. Às vezes, no banho, sente cheiro na água que ninguém nunca sentiu. E, como o sistema sensorial é conectado diretamente com o centro emocional do cérebro, isso acaba trazendo uma irritabilidade, um cansaço, uma sobrecarga. Muitos sentimentos que são negativos, mas que não deveriam existir, porque a superdotação era para ser só lindeza, mas não é”, conta Olzeni Ribeiro, doutora em educação de superdotados.

É essa imagem exclusivamente positiva que faz com que muitos superdotados ignorem, escondam ou até mesmo neguem sua condição.

“Aí o superdotado fica com vergonha. Se você chega num grupo e fala assim: ‘Gente, eu sou superdotada’, pronto. Aí começam os olhares”, frisa Olzeni Ribeiro.

O que é visto como um “superpoder” acaba virando um obstáculo na vida social do superdotado, que é considerado arrogante por querer saber demais ou se sente excluído por não se interessar por “coisas de criança”.

“Quando eu questionava os adultos: ‘Por que que tem que ser assim?’, ‘Por que que ninguém responde às minhas perguntas?’, eles não respondiam, não tinham paciência [e diziam]: ‘A criança não pergunta, criança estuda, memoriza e vai bem na prova'”, explica Tatiana Guimarães.

“Chega num ponto em que o superdotado começa a ter baixo desempenho, porque ele começa a calcular a média [e pensa]: ‘Eu não quero me destacar'”, comenta Olzeni Ribeiro.

Mas, afinal, o que tem de diferente no cérebro de um superdotado?

“Ele tem a massa cinzenta muito mais expandida do que num cérebro típico. Cabe muito mais informação e favorece a interconectividade entre aquelas regiões cerebrais. Então, existe uma comunicabilidade intensa, ágil, potencializada por um sistema de memória absurdo”, observa Olzeni Ribeiro.

Aqui no Brasil, são usadas oficialmente duas nomenclaturas para a mesma condição: superdotação e altas habilidades. Mas, para Olzeni, este segundo termo complica as coisas.

“Na legislação, altas habilidades ou superdotação é exatamente a mesma coisa. Não existe diferença nem de índice de QI, de característica nenhuma. Mas precisa ser mudado, porque a habilidade é algo treinável. Qualquer pessoa que tem paixão por alguma área e se dedica profundamente desenvolve uma habilidade muito superior. Mas isso não é a condição do neurodesenvolvimento”, acrescenta Olzeni Ribeiro.

Mas, assim como o autismo, a superdotação é um espectro. Ou seja, os traços não necessariamente vão se manifestar da mesma forma e com a mesma intensidade em todos que compartilham da condição. E, para as entrevistadas, o mais importante é que o superdotado seja visto, acima de tudo, como um ser humano.

“Eu acho que a superdotação é apenas mais uma forma de ser no mundo. No fundo, a gente é legal”, conclui Tatiana Guimarães.