20/12/2012 - 14:36
Pouca gente sabe, mas Bangcoc é a abreviação de um nome inusitadamente extenso, que consta no Guinness World Records como o mais longo nome de cidade do mundo: Krung Th ep Mahanakhon Amon Rattanakosin Mahinthara Yuthaya Mahadilok Phop Noppharat Ratchathani Burirom Udomratchaniwet Mahasathan Amon Piman Awatan Sathit Sakkathattiya Witsanukam Prasit. Em bom português, isso quer dizer: “A cidade dos anjos, a grande cidade, a cidade joia eterna, a cidade inabalável do deus Indra, a grande capital do mundo ornada com nove preciosas gemas, a cidade feliz, o palácio real, imenso em abundância que se assemelha à morada celestial onde reina o deus reencarnado, a cidade dada por Indra e construída por Vishnukam.”
Além de não sofrer problemas de autoestima, Bangcoc é uma das mais vibrantes cidades do sudeste da Ásia, com nove milhões de habitantes, capital de um país singular, jamais colonizado pelos europeus. A Tailândia é um mosaico de culturas, cenários, cores e sabores, com 65 milhões de habitantes governados pela monarquia constitucional do rei Bhumibol Adulyadej.
No norte predominam montanhas tropicais, plantações de arroz, selvas com tigres e elefantes e povos nativos de diferentes etnias. Já na capital e na península malaia a dinâmica é totalmente cosmopolita e urbana, com cidades multiculturais, praias sofisticadas e trânsito caótico, com grandes edifícios modernos convivendo com antigos templos budistas. O país também é um grande produtor de commodities agrícolas como o arroz e a cana-de-açúcar.
Apesar das pressões das potências do século 19, a Tailândia soube tirar vantagem política das tensões e rivalidades entre a França e a Inglaterra e se manter livre de dominações. Assim, sua cultura acumula camadas de contribuições e características antiquíssimas, consolidadas no tempo em que era o poderoso Reino do Sião (1351-1767) do povo tai, originário do sudoeste da China. Sua cultura é influenciada pelo animismo, pelo hinduísmo, pelo budismo e pela contribuição de chineses, vietnamitas, indianos, japoneses, persas, portugueses, espanhóis, holandeses, franceses e malaios.
O idioma oficial é o tailandês, ramo do grupo linguístico tai. A ortografia complexa da língua é similar à do idioma do vizinho Laos. O budismo é praticado por 95% da população. Só em Bangcoc há mais de 300 templos budistas. Todo jovem tailandês, menino ou menina, passa um ano da vida em um mosteiro. Alguns seguem a vocação religiosa, tornam-se monges e dedicam-se a uma existência despojada.
Em Chiang Mai, segunda maior cidade e capital do norte do país, todas as madrugadas jovens monges saem dos seus mosteiros e caminham até a periferia, onde, por volta das 7h da manhã, transeuntes, motoristas e gente de todas as classes sociais oferecem a eles pequenos sacos com alimentos. Os monges jovens devem se alimentar até as 12h e, depois disso, não ingerir mais alimentos pelo resto do dia, somente água.
Com tanto patrimônio o setor turístico manteve-se em expansão durante décadas, atraindo turistas norte-americanos e europeus. Além de Bangcoc, as Ilhas Phi Phi (pronuncia-se “pi pi”) atraem milhares de viajantes para praias ensolaradas e mares azul-turquesa, pontuados por formações rochosas que emergem surrealisticamente do oceano.
Trauma tropical
O dia 26 de dezembro de 2004 abalou esse panorama. O país se preparava para celebrar o ano novo e nada parecia errado, a despeito do histórico de instabilidade geológica na região. Mas no litoral ocidental da ilha de Sumatra (Indonésia), a centenas de quilômetros da Tailândia e a 30 quilômetros abaixo da linha da água do Oceano Índico, um terremoto que atingiu 9,3 graus na escala Richter mudou tudo.
O abalo provocou um enorme movimento no leito do oceano, que gerou o deslocamento de um grande volume de água – um tsunami. Em segundos, a massa deslocada se converteu em uma sucessão de ondas que, partindo do epicentro do terremoto, se dispersou em todas as direções, movendo-se à velocidade de centenas de quilômetros por hora e incorporando mais volume de água e poder destrutivo ao longo do caminho.
As ondas atingiram 14 países, mas sobretudo a Tailândia, a Malásia, o Sri Lanka e a Indonésia. Não houve tempo para que populações costeiras se inteirassem do evento e preparassem a fuga. Poucos puderam correr para áreas mais altas. Na Tailândia, seis levas de ondas atingiram a costa sul com fúria inaudita, engolfando e destruindo tudo pela frente. À medida que invadiam cidades litorâneas e ruas estreitas, ultrapassando muros de 13 metros de altura, arrastavam carros, caminhões, pedaços de concreto, casas e muitos tipos de objetos, potencializando seu efeito destrutivo.
Entre 230 mil e 280 mil pessoas morreram em 14 países. Milhares perderam a vida por afogamento ou esmagados pelos escombros arrastados pela força do mar. Nos litorais mais planos, a devastação foi intensa. Até a distante Somália, na costa leste da África, a milhares de quilômetros do epicentro, recebeu o golpe de uma onda de sete metros de altura, movimentando-se a 450 km/hora.
Na Tailândia, 11 mil pessoas não resistiram ao impacto direto. “Algumas comunidades pesqueiras isoladas foram varridas do mapa com tal violência que ficou difícil precisar sua posição geográfica original”, conta o pescador refugiado Fontip Seeboonruang, que hoje vive em Los Angeles (Estados Unidos) com a família. “Até mesmo os alicerces das palafitas foram arrancados e levados pela força das águas. Centenas de habitantes das vilas nunca mais foram encontrados.”
Eventos geológicos dessa magnitude causam tragédias descomunais em áreas densamente habitadas e desprovidas de informação sobre os eventos. “A destruição foi enorme porque não tínhamos sistemas de prevenção contra esse tipo de fenômeno”, diz o ex-governador de Bangcoc, Bhichit Rattakul, atual diretor do Centro de Preparação para Desastres na Ásia, vinculado à Organização das Nações Unidas. “Após a catástrofe, sistemas preventivos foram instalados, como alarmes que soam ao menor sinal de ameaças. Investimos também em equipamentos de monitoramento de movimentos sísmicos, instalados no fundo do oceano. Hoje, temos condições de alertar a população à menor suspeita de tsunami”, completa Rattakul.
Recuperação
Oito anos depois, há poucas cicatrizes visíveis. A guia turística Tassanee Norma, fluente em quatro idiomas – inclusive o português, aprendido em Portugal –, passou por experiências terríveis. “Vi meu país ser engolfado por uma catástrofe descomunal. Perdi amigos e colegas, mas, após o primeiro momento de choque, não quis permanecer no sofrimento. Arregacei as mangas e fiz o que pude para ajudar”, conta. Tassanee encarna o espírito tailandês: adora o rei, celebra a identidade tai, menciona repetidamente “meu país” e pratica o budismo.
Alegres e positivos, os tailandeses referem-se ao evento traumático com serenidade e um quê de resignação. Nos hotéis em Phuket, cidade costeira que serve de base para os turistas que buscam o arquipélago de Phi Phi, os hotéis agora exibem alertas aos hóspedes sobre como agir em casos de terremoto, tsunami, furacão ou até mesmo de um simples incêndio. É impossível bater os olhos nesses alertas sem engolir em seco e olhar para os lados, tentando vislumbrar os riscos e as rotas de fuga.
Como resultado da catástrofe, as cidades costeiras e as Ilhas Phi Phi, habitadas ou não, ganharam um sistema de sinalização de rotas de escape. Ruas específicas foram alargadas para facilitar o escoamento em situações de emergência, nas quais os veículos são proibidos de estacionar. Escolas e empresas realizam treinamentos e simulações periódicas, testando a eficiência do sistema e das vias de evacuação.
Há pouco o que fazer em prevenção a prejuízos materiais, uma vez que, soado o alarme, as pessoas têm apenas alguns minutos para buscar lugares mais altos. Há pouco tempo para carregar bens, arrebanhar parentes e correr em direção aos terrenos mais altos. Mas o governo tailandês baixou novas leis com limites para a ocupação urbana. Áreas de risco despovoadas foram mantidas assim, sem gente. Várias comunidades pesqueiras devastadas não foram reerguidas.
Apesar da tragédia, a cada ano aumenta o número de turistas que procuram as praias e ilhas paradisíacas. Os visitantes parecem não querer se lembrar do ocorrido ou avaliam como muito improváveis as chances de uma repetição. O povo tailandês prossegue de bem com a vida e, em vez de demonstrar preocupação e angústia, exibe alegria de viver, bom humor e fé religiosa. Talvez como meios de superação da catástrofe traumática.