27/03/2025 - 16:13
Nos próximos anos, centenas de bilhões de euros fluirão para o setor armamentista. Fábricas de automóveis alemãs passam a produzir tanques. Para suprir a demanda de mão de obra, uma ajuda inesperada parte dos EUA.Na indústria alemã, as cartas do baralho vão ser redistribuídas: enquanto montadoras-modelo como a Volkswagen cortam empregos, os produtores de tanques de guerra e mísseis de cruzeiro buscam desesperadamente por novos funcionários.
Segundo uma análise da consultoria de empresas EY e do Dekabank, “com base em dados atuais, nos próximos anos os países-membros europeus da Otan investirão 72 bilhões de euros por ano em armamentos, criando ou consolidando 680 mil vagas de trabalho na Europa”.
Um estudo da consultora Kearney chega a resultados semelhantes. O número de empregados que faltam, no entanto, depende de até que ponto os Estados pretendem se armar: caso empreguem 2% de seu PIB para esse fim, como preveem as regras da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), faltam até 2030 160 mil trabalhadores.
“No caso de um acréscimo médio (2,5% do PIB), 460 mil vagas ameaçam ficar em aberto; e num aumento pronunciado (3%), o déficit pode chegar até a 760 mil”, estimam os autores Guido Hertel e Nils Kuhlwein. Faltam, acima de tudo, especialistas em inteligência artificial (IA) e big data.
Colocando em perspectiva: atualmente, firmas armamentistas como a Rheinmetall mantêm 60 mil funcionários na Alemanha; incluindo-se os fornecedores, são cerca de 150 mil, informa Klaus-Heiner Röhl, especialista em armamentos do Instituto da Economia Alemã (IW).
Funcionários na dança das cadeiras
Os fabricantes de peças de artilharia, tecnologia de radar ou engrenagens para veículos movidos por lagarta mecânica não necessitam só mão de obra, mas também locais de produção, para encarar a esperada onda de encomendas. E a solução mais óbvia é lançar mão dos setores em crise.
“Nós nos beneficiamos das dificuldades de indústria automobilística”, afirmou o presidente da produtora de radares Hensoldt, Oliver Dörre, em entrevista à agência de notícias Reuters. Os radares de alto desempenho que sua empresa produz na Baviera estão sendo empregados, por exemplo, na defesa aérea da Ucrânia. Um dos sistemas da Hensoldt é até capaz de localizar bombardeiros furtivos, como o americano F-35.
Dörre confirma já estarem em curso negociações sobre transferência de pessoal com as montadoras automobilísticas Continental e Bosch. Em Görlitz, no leste da Alemanha, na fronteira com a Polônia, a armamentista KNDS adquiriu uma fábrica da produtora de trens Alstom, marcada para fechar em 2026. Empregando cerca da metade dos 700 funcionários, em vez de vagões a unidade passa a produzir peças e módulos para os tanques Leopard 2, Puma e Boxer.
A concorrente Rheinmetall igualmente aposta na transferência de pessoal: um antigo especialista em peças para o setor petrolífero está fabricando canos de canhões para tanques blindados, numa unidade no Norte alemão; uma ex-esteticista agora laqueia granadas.
Segurança ralenta remanejamento de pessoal
Porém a transição de um setor civil para um armamentista não é tão fácil assim, esclarece a consultora de pessoal Eva Brückner, especializada na indústria de segurança e defesa. “Uma troca só é possível em determinadas posições e especialidades”: o operário que trabalha na esteira da Volkswagen e companhia, pode também atuar em certas empresas armamentistas; assim como um engenheiro, após um período de treinamento.
Em outras funções, contudo, tal não é possível, como na distribuição ou aquisições: “Um comprador do setor de automóveis, acostumado que o fornecedor salte quando ele manda, nós não podemos simplesmente trazer para a indústria de armamentos”, exemplifica a diretora-gerente da consultora de recursos humanos Heinrich & Coll.
Outro obstáculo são os controles de segurança obrigatórios para grande parte do pessoal, os quais exigem tempo: “Os prazos para concessão dessas licenças no momento não permitem um remanejamento rápido do pessoal necessário”, confirma Hans Christoph Atzpodien, diretor-chefe da Confederação da Indústria de Segurança e Defesa alemã.
Para os candidatos de países que representam risco significativo à segurança alemã, as exigências são especialmente altas. Da lista do Ministério do Interior constam, por exemplo, o Afeganistão, China, Vietnam, Iraque, Irã, Síria e as antigas repúblicas soviéticas. Uma mera estadia mais prolongada num desses Estados já é extremamente problemática para um contrato no setor armamentista.
Evasão de cabeças dos EUA ajuda – mas vai custar
Uma certeza é que será impossível encontrar a toque de caixa tantos especialistas e gerentes assim, só na Alemanha e na Europa. E aí a esperança parte justamente dos Estados Unidos e seu atual presidente, Donald Trump.
Até agora, com suas universidades de elite e orçamentos de pesquisa generosos, os EUA atraíam os melhores especialistas de todo o mundo. Porém Trump começou a anunciar cortes nos institutos de pesquisa e universidades. “Se as verbas vão ser retiradas, é a chance para a Europa dizer: ‘Nós somos o motor de inovação. E vamos trazer o pessoal'”, comenta Eva Brückner
A especialista em recursos humanos da Heinrich & Coll já recebeu dos EUA candidaturas de estrangeiros cujos green cards não serão renovados, ou de altos especialistas que não se sentem mais valorizados em seu local de trabalho. Muitos se perguntam se estão dispostos a colaborar com o novo curso americano na política e geopolítica. “É uma chance gigantesca, e deve ser aproveitada. Aí a gente vai conseguir as cabeças realmente inteligentes.”
Brückner está convicta que, de um modo geral, o setor de armamentos precisa trilhar novos caminhos. Faria bem ter mais mulheres nas posições de liderança, dominadas por ex-oficiais do sexo masculino. “É preciso gente modesta, discreta, que prefira voar sob o radar com o seu trabalho”, sobretudo quando se trata de assuntos relevantes para a segurança.
A digitalização também altera o perfil da procura de pessoal, observa o consultor empresarial Kuhlwein. São tão cobiçados quanto raros os especialistas em TI e IA para a conexão em rede de sistemas bélicos modernos e o emprego de big data, por exemplo, para a análise situacional. “Tradicionalmente, o setor de defesa apostava no analógico. Agora estão faltando cabeças digitais adicionais.”
A transição não sairá barata: a especialista em segurança e defesa Eva Brückner avisa que o setor deve se preparar para, no futuro, investir bem mais nos especialistas necessários. “Estou segura de que as empresas também vão ter que ser ainda um pouco mais generosas com os salários.”