O Museu de Tatuagem Bunshin em Yokohama, Japão, é dedicado à obra do mestre Yoshihito Nakano, mais conhecido no mundo da arte corporal como Horiyoshi III. Quem preside a instituição é sua esposa, Mayumi Nakano.

De blusa sem mangas, revelando ilustrações florais dos pulsos até os ombros, em vermelhos, verdes e amarelos vivos, ela conta que recebeu sua primeira tatuagem aos 20 anos de idade – pelas mãos do marido.

“As tatuagens são mal compreendidas no Japão”, comenta, rodeada por estênceis de designs e fotos de clientes satisfeitos. “Sempre estiveram associadas a gangues do submundo, mas eu torcia que isso mudasse com o tempo. Embora elas não carreguem um estigma em outros países, a sociedade japonesa não está pronta para mudar.”

Agora com 77 anos, seu marido conta em entrevistas que se fascinou com a arte corporal aos 11, 12 anos, depois de ver um membro do sindicato do crime yakuza com as tradicionais tatuagens de corpo inteiro. O aprendizado com o mestre Shodai Horiyoshi, de Yokohama, lhe valeu o título Horiyoshi III.

Ganhador de diversos prêmios, ele costumava a fazer os contornos para seus desenhos à mão, só passando a usar máquinas elétricas na década de 90. As cores e sombreado ainda são aplicadas com a tradicional técnica tebori, que emprega uma vara delgada de bambu ou metal com agulhas na ponta.

Como a maioria de seus colegas japoneses, os designs de Horiyoshi são variações das iridescentes carpas koi, dragões, tigres, serpentes, peônias e folhas de ácer; flores de cerejeira cor-de-rosa vivo também são muito apreciadas.

Outros padrões inspiram-se em divindades budistas ou seres mitológicos. Como o tatuador comentou certa vez, em entrevista ao jornal The Japan Times: “As criaturas que eu desenho ganham vida na pele de alguém.”

Entre fascinação e tabu

No entanto, não há dúvida que, para a grande maioria dos japoneses, as tatuagens são uma insígnia de criminalidade – uma percepção que não se diluiu com o tempo.

Em épocas antigas, os ainu, o povo indígena de Hokkaido, tatuavam-se com a tinta extraída da planta índigo. Eles habitavam as ilhas no extremo sul do país, no então reino Ryukyu, e hoje incorporado ao Japão como prefeitura de Okinawa. Sua arte da pele também se inspirava no meio ambiente e cultura próprios.

Durante o período Edo (1603-1867), com o governo do país mais centralizado, a tatuagem se transformou em punição para certos crimes, como roubo ou homicídio. Não é de supreender que ela tenha se tornado sinônimo de criminalidade. Paralelamente, contudo, desenvolveu-se a apreciação pelas tatuagens decorativas, e a emergência de um gênero artístico distinto.

A atividade foi declarada totalmente ilegal nos primeiros anos da era Meiji (1868-1912). Acreditava-se que as elaboradas ilustrações chocariam ou ofenderiam os estrangeiros, num momento em que o Japão abria suas fronteiras e enviava ao exterior missões políticas e comerciais.

Isso não impediu que uma indústria clandestina florescesse, com os estrangeiros especialmente ávidos de partilhar essa arte japonesa. A família real britânica contava entre tais fãs: em 1869, em Tóquio, o príncipe Alfred, duque de Edimburgo, teve um dragão tatuado em seu braço. Também o príncipe Albert, e George, príncipe de Gales, ambos marinheiros do HMS Bacchante, foram tatuados durante uma visita em 1881.

Do pós-guerra aos Jogos Olímpicos de 2020

Apesar de a tatuagem ter voltado a ser legal no Japão em 1948, as conotações criminais permaneceram, sobretudo devido às dezenas de milhares de homens que ingressaram em gangues yakuza rivais nas difíceis décadas que se seguiram à Segunda Guerra Mundial.

Devido a essa associação, por muito tempo as companhias se recusavam a contratar tatuados, pelo simples temor de que clientes ou parceiros comerciais presumissem que a firma tinha conexões com o submundo do crime. Portadores de desenhos na pele estão também expostos a ser barrados em piscinas ou banhos públicos sento ou onsen. Nas praias, abre-se um amplo espaço em torno deles.

“No Japão, tatuagens ainda são em grande parte uma subcultura de nicho, associada a gente da música, arte ou moda”, explica Kyle Cleveland, professor de cultura japonesa no campus da Temple University em Tóquio.

Ele menciona que, antes dos Jogos Olímpicos de Tóquio de 2020, houve na sociedade japonesa um grande debate sobre os atletas de todo o mundo que competiam com tatuagens visíveis. Essa discussão perdura até hoje, devido ao afluxo constante de turistas estrangeiros.

Tatuagem não é igual a tatuagem

“Mas é importante distinguir entre as raízes históricas e ligações com a yakuza, e as tatuagens de hoje, principalmente as que os jovens portam”, frisa Cleveland. As imagens que ainda distinguem o submundo são “profundamente simbólicas e voltadas a indicar filiação” a um grupo criminoso.

Por sua vez, os designs mais comuns por toda parte, como flores ou animais pitorescos, uma frase ou imagem favorita, são extremamente individualistas, marcando, em geral, uma transição existencial, como matrimônio, nascimento ou morte.

Apesar da rejeição pública, há sinais de que o governo japonês está mudando sua atitude em relação ao tema: preocupado com as baixas taxas de alistamento, o Ministério da Defesa indicou disposição de mudar os regulamentos, permitindo que homens ou mulheres tatuados entrem para as Forças Armadas.

Mas Mayumi Nakano, do Museu Bunshin de Yokohama, não vê perspectivas de mudança, apesar da propagação no resto do mundo. Pois a sociedade japonesa continua a equiparar negativamente ambas as formas de tatuagem, o que dificulta sua popularização.

Sobre uma mesa vê-se a fotografia emoldurada do cantor inglês David Bowie, em visita ao estúdio de Horiyoshi III, por volta de 1990. “Ele era um gentleman de verdade”, comenta a diretora do museu. “E ele entendia.”