A histórica imagem do buraco negro supermassivo no centro da galáxia M87 – às vezes chamado de “rosquinha laranja nebulosa” – teve sua primeira reformulação oficial com a ajuda do aprendizado de máquina. A nova imagem expõe ainda mais uma região central que é maior e mais escura, cercada pelo gás brilhante em forma de “rosquinha fina”. A equipe usou os dados obtidos pela colaboração Event Horizon Telescope (EHT) em 2017 e alcançou, pela primeira vez, a resolução total da matriz.

Em 2017, o EHT usou uma rede de sete telescópios preexistentes em todo o mundo para coletar dados sobre o buraco negro na galáxia M87, criando um “telescópio do tamanho da Terra”. No entanto, como é inviável cobrir toda a superfície da Terra com telescópios, surgem lacunas nos dados – como peças faltando em um quebra-cabeça.

“Com nossa nova técnica de aprendizado de máquina, PRIMO, conseguimos atingir a resolução máxima da matriz atual”, disse a principal autora do estudo, a brasileira Lia Medeiros, do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de Princeton (EUA). “Como não podemos estudar os buracos negros de perto, o detalhe de uma imagem desempenha um papel crítico em nossa capacidade de entender seu comportamento. A largura do anel na imagem agora é menor em cerca de um fator de dois, o que será uma restrição poderosa para nossos modelos teóricos e testes de gravidade.”

PRIMO, abreviatura em inglês de modelagem interferométrica de componentes principais, foi desenvolvido pelos membros do EHT Lia Medeiros (Instituto de Estudos Avançados), Dimitrios Psaltis (Universidade Georgia Tech), Tod Lauer (NOIRLab) e Feryal Özel (Georgia Tech). Sua publicação está agora disponível na revista The Astrophysical Journal Letters.

Visão geral das simulações geradas para o conjunto de treinamento do algoritmo PRIMO. Crédito: Medeiros et al. 2023

Nova abordagem

“PRIMO é uma nova abordagem para a difícil tarefa de construir imagens a partir de observações do EHT”, disse Lauer. “Ele fornece uma maneira de compensar a falta de informações sobre o objeto observado, o que é necessário para gerar a imagem que teria sido vista usando um único radiotelescópio gigantesco do tamanho da Terra”.

O PRIMO depende do aprendizado de dicionário, um ramo do aprendizado de máquina que permite que os computadores gerem regras com base em grandes conjuntos de material de treinamento. Por exemplo, se um computador receber uma série de diferentes imagens de banana – com treinamento suficiente – ele poderá determinar se uma imagem desconhecida é ou não uma banana. Além desse caso simples, a versatilidade do aprendizado de máquina foi demonstrada de várias maneiras: desde a criação de obras de arte no estilo renascentista até a conclusão da sinfonia inacabada de Beethoven. Então, como as máquinas podem ajudar os cientistas a renderizar (chegar ao produto final do processamento digital de) uma imagem de buraco negro? A equipe de pesquisa respondeu a essa mesma pergunta.

Com o PRIMO, os computadores analisaram mais de 30 mil imagens simuladas de alta fidelidade de buracos negros acumulando gás. O conjunto de simulações cobriu uma ampla gama de modelos de como o buraco negro acumula matéria, procurando padrões comuns na estrutura das imagens. Os vários padrões de estrutura foram classificados pela frequência com que ocorreram nas simulações e foram combinados para fornecer uma representação altamente precisa das observações do EHT, fornecendo simultaneamente uma estimativa de alta fidelidade da estrutura ausente das imagens. Um artigo relativo ao próprio algoritmo foi publicado na revista The Astrophysical Journal em 3 de fevereiro de 2023.

O buraco negro supermassivo M87 originariamente fotografado pela colaboração EHT em 2019 (esquerda); e a nova imagem gerada pelo algoritmo PRIMO usando o mesmo conjunto de dados (à direita). Crédito: Medeiros et al. 2023

Aprendizado de máquina

“Estamos usando a física para preencher regiões de dados ausentes de uma forma nunca antes feita usando aprendizado de máquina”, acrescentou Medeiros. “Isso pode ter implicações importantes para a interferometria, que desempenha um papel em áreas como exoplanetas e medicina.”

A equipe confirmou que a imagem recém-renderizada é consistente com os dados do EHT e com as expectativas teóricas, incluindo o anel brilhante de emissão que se espera ser produzido pelo gás quente caindo no buraco negro. A geração de uma imagem exigia assumir uma forma apropriada das informações ausentes, e o PRIMO fez isso com base na descoberta de 2019 de que o buraco negro M87 em detalhes amplos parecia o previsto.

“Aproximadamente quatro anos após a primeira imagem em escala horizontal de um buraco negro ter sido revelada pelo EHT em 2019, obtivemos outro marco, produzindo uma imagem que utiliza a resolução total da matriz pela primeira vez”, afirmou Psaltis. “As novas técnicas de aprendizado de máquina que desenvolvemos fornecem uma oportunidade de ouro para nosso trabalho coletivo entender a física dos buracos negros.”

Maior precisão

A nova imagem deve levar a determinações mais precisas da massa do buraco negro M87 e dos parâmetros físicos que determinam sua aparência atual. Os dados também fornecem uma oportunidade para os pesquisadores colocarem maiores restrições nas alternativas ao horizonte de eventos (com base na depressão de brilho central mais escura) e realizarem testes de gravidade mais robustos (com base no tamanho do anel mais estreito). O PRIMO também pode ser aplicado a observações adicionais do EHT, incluindo as de Sgr A*, o buraco negro central em nossa galáxia, a Via Láctea.

A M87 é uma galáxia massiva, relativamente próxima, no aglomerado de galáxias de Virgem. Há mais de um século, um misterioso jato de plasma quente foi observado emanando de seu centro. Começando na década de 1950, a então nova técnica de radioastronomia mostrou que a galáxia tinha uma fonte de rádio compacta e brilhante em seu centro.

Durante a década de 1960, suspeitava-se que M87 tinha um enorme buraco negro em seu centro alimentando essa atividade. Medições feitas a partir de telescópios terrestres começando na década de 1970, e mais tarde o Telescópio Espacial Hubble começando na década de 1990, forneceram um forte suporte de que a M87 realmente abrigava um buraco negro pesando vários bilhões de vezes a massa do Sol com base em observações das altas velocidades de estrelas e gás orbitando seu centro.

As observações da M87 feitas pelo EHT em 2017 foram obtidas ao longo de vários dias de vários radiotelescópios diferentes conectados ao mesmo tempo para obter a maior resolução possível. A agora icônica imagem “rosquinha laranja” do buraco negro M87, lançada em 2019, refletiu a primeira tentativa de produzir uma imagem a partir dessas observações.

“A imagem de 2019 foi só o começo”, afirmou Medeiros. “Se uma imagem vale mais que mil palavras, os dados subjacentes a essa imagem têm muito mais histórias para contar. O PRIMO continuará a ser uma ferramenta crítica na extração de tais conhecimentos.”