11/02/2022 - 12:30
Os cientistas estudam Júpiter em detalhe desde a década de 1970, mas o gigante gasoso ainda está cheio de mistérios. Novas observações do observatório espacial NuSTAR, da Nasa, revelaram a luz de maior energia já detectada proveniente do planeta. A luz, na forma de raios X que o telescópio NuSTAR pode detectar, também é a luz de maior energia já detectada de um planeta do Sistema Solar que não a Terra. Um artigo publicado na revista Nature Astronomy relata a descoberta e resolve um mistério de décadas: por que a missão Ulysses não viu raios X quando passou por Júpiter em 1992.
Os raios X são uma forma de luz, mas com energias muito mais altas e comprimentos de onda mais curtos do que a luz que os olhos humanos podem ver. O observatório de raios X Chandra, da Nasa, e o observatório XMM-Newton, da Agência Espacial Europeia (ESA), estudaram raios X de baixa energia das auroras de Júpiter – shows de luz perto dos polos norte e sul do planeta que são produzidos quando vulcões na lua jupiteriana Io despejam no planeta íons (átomos despojados de seus elétrons). O poderoso campo magnético de Júpiter acelera essas partículas e as canaliza em direção aos polos do planeta, onde colidem com sua atmosfera e liberam energia na forma de luz.
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Os elétrons de Io também são acelerados pelo campo magnético do planeta, de acordo com observações da sonda Juno, da Nasa, que chegou a Júpiter em 2016. Os pesquisadores suspeitavam que essas partículas deveriam produzir raios X de energia ainda mais alta do que o Chandra e o XMM-Newton observaram. O NuSTAR (abreviação de Nuclear Spectroscopic Telescope Array) é o primeiro observatório a confirmar essa hipótese.
Acelerador de partículas gigante
“É bastante desafiador para os planetas gerarem raios X na faixa que o NuSTAR detecta”, disse Kaya Mori, astrofísica da Universidade de Columbia (EUA) e autora principal do novo estudo. “Mas Júpiter tem um campo magnético enorme e está girando muito rapidamente. Essas duas características significam que a magnetosfera do planeta age como um acelerador de partículas gigante, e é isso que torna possíveis essas emissões de alta energia.”
Os pesquisadores enfrentaram vários obstáculos para fazer a detecção do NuSTAR. Por exemplo, as emissões de alta energia são significativamente mais fracas do que as de baixa energia. Mas nenhum dos desafios poderia explicar a não detecção pelo Ulysses, uma missão conjunta entre a Nasa e a ESA que era capaz de detectar raios X de energia mais alta que o NuSTAR. A espaçonave Ulysses foi lançada em 1990 e, após várias extensões de missão, operou até 2009.
A solução para esse quebra-cabeça, de acordo com o novo estudo, está no mecanismo que produz os raios X de alta energia. A luz vem dos elétrons energéticos que Juno pode detectar com seu Jovian Auroral Distributions Experiment (Jade) e o Jupiter Energetic-particle Detector Instrument (Jedi), mas existem vários mecanismos que podem fazer com que as partículas produzam luz. Sem uma observação direta da luz que as partículas emitem, é quase impossível saber qual mecanismo é responsável.
Radiação de frenagem
Neste caso, o culpado é algo chamado emissão de bremsstrahlung. Quando os elétrons em movimento rápido encontram átomos carregados na atmosfera de Júpiter, eles são atraídos pelos átomos como ímãs. Isso faz com que os elétrons desacelerem rapidamente e percam energia na forma de raios X de alta energia. É como um carro em movimento rápido transferiria energia ao seu sistema de frenagem para desacelerar; na verdade, bremsstrahlung significa “radiação de frenagem” em alemão. (Os íons que produzem os raios X de baixa energia emitem luz por meio de um processo chamado emissão de linha atômica.)
Cada mecanismo de emissão de luz produz um perfil de luz ligeiramente diferente. Usando estudos estabelecidos de perfis de luz de bremsstrahlung, os pesquisadores mostraram que os raios X devem ficar significativamente mais fracos em energias mais altas, inclusive na faixa de detecção de Ulysses.
“Se você fizesse uma simples extrapolação dos dados do NuSTAR, isso mostraria que o Ulysses deveria ter sido capaz de detectar raios X em Júpiter”, disse Shifra Mandel, doutoranda de astrofísica na Universidade de Columbia e coautora do novo estudo. “Mas construímos um modelo que inclui a emissão de bremsstrahlung, e esse modelo não apenas corresponde às observações do NuSTAR, mas nos mostra que em energias ainda mais altas, os raios X teriam sido muito fracos para o Ulysses detectar”.
As conclusões do artigo se basearam em observações simultâneas de Júpiter por NuSTAR, Juno e XMM-Newton.
Novos capítulos
Os cientistas detectaram raios X nas auroras da Terra com energias ainda mais altas do que o NuSTAR viu em Júpiter. Mas essas emissões são extremamente fracas – muito mais fracas que as de Júpiter – e só podem ser detectadas por pequenos satélites ou balões de altitude elevada que se aproximam muito dos locais na atmosfera os quais geram esses raios X. Da mesma forma, observar essas emissões na atmosfera de Júpiter exigiria um instrumento de raios X próximo ao planeta com maior sensibilidade do que os transportados por Ulysses na década de 1990.
“A descoberta dessas emissões não encerra o caso; está abrindo um novo capítulo”, disse William Dunn, pesquisador da University College London (Reino Unido) e coautor do artigo. “Ainda temos muitas dúvidas sobre essas emissões e suas fontes. Sabemos que os campos magnéticos rotativos podem acelerar as partículas, mas não entendemos completamente como atingem velocidades tão altas em Júpiter. Que processos fundamentais produzem naturalmente essas partículas energéticas?”
Os cientistas também esperam que estudar as emissões de raios X de Júpiter possa ajudá-los a entender objetos ainda mais extremos em nosso universo. O NuSTAR normalmente estuda objetos fora do Sistema Solar, como estrelas explosivas e discos de gás quente acelerados pela gravidade de buracos negros maciços.
O novo estudo é o primeiro exemplo de cientistas capazes de comparar as observações do NuSTAR com os dados obtidos na fonte dos raios X (por Juno). Isso permitiu que os pesquisadores testassem diretamente suas ideias sobre o que cria esses raios X de alta energia. Júpiter também compartilha várias semelhanças físicas com outros objetos magnéticos do universo – magnetares, estrelas de nêutrons e anãs brancas –, mas os pesquisadores não entendem completamente como as partículas são aceleradas nas magnetosferas desses objetos e emitem radiação de alta energia. Ao estudarem Júpiter, os pesquisadores podem revelar detalhes de fontes distantes que ainda não podemos visitar.