O fenômeno, denominado como “tempestade canibal”, acontece quando múltiplas erupções solares se combinam, tendo assim um maior impacto no campo magnético da Terra. As recentes erupções solares são as mais intensas já registradas nos últimos anos e estão causando prejuízo. Recentemente, uma delas motivou apagões de rádio tanto na África quanto na Europa e ainda formou surpreendentes auroras boreais.

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O Sol se localiza a 150 milhões de quilômetros da Terra, mas apesar da distância, o que acontece lá interfere direta ou indiretamente na vida terrestre, explicou o doutor Gabriel Hickel, parceiro do Observatório Nacional (ON/MCTI), professor da Universidade Federal de Itajubá (UNIFEI) e integrante do programa “O Céu em Sua Casa”.

O que é uma erupção solar?

Erupções solares são liberações súbitas de energia e material que acontecem nas camadas mais externas do Sol e podem ser observadas. O Sol, como outras estrelas, é uma grande esfera de plasma, gás ionizado composto por elétrons e íons em constante movimento devido à sua rotação e aos processos de convecção nas camadas externas. O movimento dessas cargas elétricas gera campos magnéticos como demonstrado por Ampère no início do século 19, resultando em um campo magnético solar intenso e complexo.

O campo magnético do Sol varia ciclicamente, sendo o ciclo principal de 22 anos, quando o campo inverte sua polaridade e depois retorna ao normal. Nos intervalos de 11 anos, as linhas magnéticas podem emergir nas camadas externas, formando arcos carregados de plasma e submetidos a grande tensão. Quando esses arcos se rompem em um processo chamado reconexão magnética, o plasma é lançado em altíssima velocidade: parte retorna para a superfície solar, liberando radiação ionizante (raios-X e UV), e parte é expelida para o espaço como ejeção de massa coronal, referente à coroa solar.

Como essa erupção pode causar apagões?

Telecomunicações utilizam ondas eletromagnéticas que atravessam a atmosfera, especialmente a ionosfera camada composta por plasma e permeada pelo campo magnético terrestre. Para determinadas frequências, como ondas longas usadas por radioamadores e navegação marítima, a ionosfera funciona como um espelho, o que permite a comunicação entre os continentes.

Quando ocorre uma ejeção de massa coronal, o primeiro efeito que chega à Terra é a radiação ionizante (raios-X e UV), que altera a altura e a densidade da ionosfera, interferindo nas condições de transmissão e reflexão de ondas de rádio.

Entre 20 horas e três dias depois do evento, o plasma ejetado pode atingir a Terra, interagindo com a ionosfera e o campo magnético terrestre e provocando tempestades magnéticas. Esse fenômeno perturba o campo e a ionosfera, gerando ruídos fortes e pode levar a apagões de rádio em algumas frequências.

Quais aparelhos podem ser prejudicados?

Somente equipamentos no espaço, sem a proteção da atmosfera, sofrem efeitos diretos. O que é prejudicado na prática é a comunicação, pois as ondas utilizadas podem perder precisão ou estabilidade. O GPS, por exemplo, reduz sua eficácia. Já a internet funciona principalmente por cabos, sendo pouco afetada nesse formato.

Entre os aparelhos citados, apenas os satélites são realmente vulneráveis à radiação ionizante e ao plasma, podendo sofrer panes temporárias, falhas e, em casos extremos, danos internos permanentes.

Para que dispositivos eletrônicos em solo fossem atingidos, seria necessário um evento solar extremamente intenso, capaz de gerar flutuações severas no campo magnético terrestre algo que não ocorre desde o Evento Carrington de 1859, que danificou telégrafos. Eventos desse tipo são raros, embora existam registros geológicos ainda mais intensos.

Pessoas correm riscos?

Na superfície terrestre apenas 1% dos eventos mais energéticos, cerca de 5 a 8 ocorrência por ciclo de 11 anos, podem atingir o solo com pequena quantidade de raios-X, semelhante à exposição de uma radiografia odontológica. Mesmo pequena, a dose é acumulativa e pode aumentar o risco de câncer de pele ao longo da vida.

Além disso, a grande emissão de raios-X e UV é absorvida pela alta atmosfera, afetando temporariamente a camada de ozônio, que pode levar horas ou dias para se recuperar. Nesse período, ficamos mais expostos à radiação UV diária, o que eleva o risco de câncer de pele e catarata.

O que deve ser feito em eventos como esse?

É recomendado evitar exposição direta ao Sol por algumas horas após esses eventos. Aplicativos de clima espacial, como o SpaceWeatherLive, podem emitir alertas sobre erupções intensas. Eles não impedem o impacto da radiação ionizante, mas avisam sobre possível enfraquecimento da camada de ozônio.

Não é necessário isolamento ou alarme, mas não é aconselhável permanecer longos períodos sob sol direto, como tomar sol ou realizar atividades prolongadas ao ar livre. Quando houver necessidade de exposição, recomenda-se uso de roupas longas, chapéu e protetor solar.

A relação entre erupções solares e auroras boreal e austral

As auroras são resultado da interação do plasma solar ejetado com a magnetosfera da Terra. O plasma transporta linhas magnéticas que podem acoplar-se ao campo terrestre caso as polaridades sejam opostas, permitindo que partículas penetrem na magnetosfera e sigam em direção aos polos, onde colidem com átomos de oxigênio e nitrogênio na alta atmosfera.

Esses átomos liberam energia em forma de luz visível, oxigênio produz tons verdes ou vermelhos e nitrogênio gera luz azulada. O fenômeno ocorre nas regiões polares do campo magnético terrestre, formando a aurora boreal no hemisfério norte e a austral no hemisfério sul, com igual frequência.