Fast fashion e outros produtos baratos das gigantes chinesas vêm inundando mercados europeus, provocando uma série de problemas logísticos e regulatórios. Autoridades europeias começam a reagir.Quando a varejista online chinesa de ultra fast fashion Shein inaugurou sua primeira loja física na Europa, na semana passada, houve protestos e uma multidão de compradores.

A inauguração do espaço dentro da loja de departamentos BHV Marais, no centro de Paris, causou polêmica, e não apenas por estar localizada no berço da alta costura europeia. Foi uma reação de amor e ódio à empresa, como já foi visto em muitas outras áreas.

Ultrabarato e ainda livre de impostos

A Shein, que muitas vezes é colocada na mesma categoria da plataforma online Temu – que permite que fabricantes vendam muito mais do que apenas moda diretamente aos consumidores –, tem sido criticada por questões como falsificações, marketing agressivo, más condições de trabalho e falhas de segurança nos produtos. Apesar disso, muitas pessoas estão felizes com as opções de compras mais amplas e os preços baixos.

Embora as duas empresas sejam diferentes e tenham modelos de negócios distintos, o resultado costuma ser o mesmo: uma enxurrada de produtos chineses baratos com as embalagens que os acompanham.

Além de serem extremamente baratos, outro fator que favoreceu essas empresas foi a isenção de impostos de importação da União Europeia (UE) para pacotes avaliados em menos de € 150 (R$ 920).

Os EUA tinham uma brecha semelhante para pacotes avaliados em menos de 800 dólares (R$ 4,2 mil), mas o governo alterou as regras, o que levou a uma redução nas remessas. A UE está na fase final de aprovação de uma regra semelhante para fechar sua própria brecha de baixo valor, embora seja possível que ela não entre em vigor até 2028.

No primeiro semestre de 2025, a Temu teve uma média de 115 milhões de usuários ativos mensais na UE e a Shein, 145 milhões, de acordo com seus próprios números. Para ambas as plataformas, isso representa um aumento de cerca de 12% em relação aos seis meses anteriores.

Milhões de pacotes da China

Uma das maiores preocupações em relação a essas plataformas chinesas de comércio eletrônico é a sustentabilidade. A maioria dos produtos comprados nesses portais é enviada diretamente aos consumidores em todo o mundo, a partir de fabricantes na China. Esses produtos embalados individualmente são transportados por via aérea para entrega rápida, sobrecarregando as autoridades alfandegárias e, muitas vezes, não podem ser devolvidos.

Grupos ambientalistas estão preocupados com o desperdício de roupas causado pela moda rápida e barata, com o lixo de embalagens de plástico e papelão, além das emissões de todos esses voos para transportar as mercadorias pelo mundo. E os números são realmente enormes.

Em 2024, cerca de 4,6 bilhões de itens de baixo valor foram importados para a UE, de acordo com um relatório publicado em fevereiro pela Comissão Executiva do bloco. Esse número é o dobro do registrado em 2023 e mais que o triplo do registrado em 2022.

Desses 12 milhões de pacotes por dia, 91% vêm da China. Nem todos esses pacotes são da Temu ou da Shein, mas juntas elas detêm uma grande fatia do mercado.

“A Europa está sendo inundada por um tsunami de pequenos pacotes vindos da China, e isso não vai parar tão cedo”, afirmou à DW Agustin Reyna, diretor-geral da Organização Europeia de Consumidores (BEUC), com sede em Bruxelas.

Protegendo os consumidores na UE

Além das questões de sustentabilidade, os órgãos de defesa do consumidor e a Comissão Europeia têm alertado repetidamente sobre produtos inseguros que não atendem aos padrões da UE.

Novos resultados de testes publicados em 30 de outubro pelo Stiftung Warentest, uma organização independente com sede em Berlim especializada em testes de qualidade de produtos, reforçam o que muitos temiam.

Os testes, que foram conduzidos com organizações da Bélgica e da Dinamarca, mostraram resultados alarmantes. Juntos, eles analisaram colares, carregadores USB e brinquedos para bebês.

Dos 162 itens comprados de fabricantes que vendem através da Temu e da Shein, 110 não atendiam aos padrões da UE e cerca de um quarto era potencialmente perigoso. Alguns dos itens apresentavam altos níveis de formaldeído ou metais pesados como cádmio. Alguns dos carregadores USB simplesmente esquentavam demais.

A Organização Europeia dos Consumidores considera que o desrespeito às normas de segurança leva à concorrência desleal, uma vez que algumas empresas vendem produtos que não cumprem as normas de segurança europeias, enquanto as locais são obrigadas a seguir essas normas.

Países e autoridades da UE reagem

Em maio, a Comissão Europeia notificou a Shein sobre práticas em sua plataforma que infringem a legislação de defesa do consumidor da UE. Entre as queixas estavam descontos falsos, pressão sobre os consumidores para que concluam compras, informações enganosas sobre os direitos legais dos consumidores, rótulos enganosos de produtos e alegações enganosas sobre sustentabilidade.

Em julho, a Comissão concluiu preliminarmente que a Temu está violando suas obrigações sob a Lei de Serviços Digitais por não fazer o suficiente para impedir a venda de produtos ilegais. Investigações adicionais estão em andamento e podem resultar em uma multa considerável.

Em outubro, a autoridade antitruste da Alemanha, o Departamento para Cartéis, iniciou um processo contra a Temu. Eles querem verificar se a plataforma está possivelmente influenciando os preços em seu marketplace online alemão, incluindo a definição dos preços finais de venda.

Em agosto, a Shein foi multada em 1 milhão de euros pela autoridade de concorrência da Itália por usar alegações ambientais enganosas.

Em julho, a Shein foi multada em 40 milhões de euros pela agência controladora de concorrência da França por descontos enganosos e alegações ambientais. Isso eleva o total de multas francesas para a empresa este ano para € 191 milhões. A França foi além e está trabalhando em novas regulamentações para empresas de fast fashion como Temu e Shein. Se aprovadas, as medidas proibirão os anúncios destas na França, as obrigariam a relatar os impactos ambientais de seus produtos e adicionariam uma taxa de até 10 euros por peça de roupa comprada.

Necessidade de reformas na UE

Grandes multas e mais regulamentações podem desacelerar as gigantes chinesas do comércio eletrônico, mas não as impedirão.

“A Europa precisa se organizar e responsabilizar a Temu e a Shein”, disse Agustín Reyna. “Precisamos de responsabilidades claras e consequências dissuasivas quando os produtos que elas vendem violarem nossas regras.”

Para que isso aconteça, a UE precisa de uma reforma aduaneira ambiciosa e de fiscalização de mercado. Mas se a Bruxelas permitir que pacotes com valor inferior a 150 euros entrem sem impostos até 2028, as empresas continuarão a se aproveitar dessa brecha e os consumidores europeus provavelmente continuarão comprando.