15/03/2025 - 13:08
Disputas entre presidente e vice desencadearam surtos de violência; ataque a helicóptero da ONU que fazia resgates matou membro da organização e general sul-sudanês, piorando a crise no país.O Sudão do Sul enfrenta um aumento nas tensões políticas e sociais, com a violência crescente de milícias, mudanças de gabinete e prisões de várias autoridades do alto escalão do governo na capital, Juba.
Nas últimas semanas, o presidente Salva Kiir e seu vice, Riek Machar, se envolveram em divergências políticas que conduziram a confrontos mortais. O ataque a um helicóptero das Nações Unidas que matou um membro da tripulação da ONU e um general sul-sudanês na semana passada foi mais um passo em direção ao risco de uma nova guerra civil no país mais jovem do mundo.
Os rivais fazem parte de um acordo de paz instável assinado em 2018 que encerrou uma guerra civil de cinco anos entre as forças leais a Kiir e Machar, na qual quase 400 mil pessoas foram mortas.
Como surgiu a última discórdia?
Kiir demitiu vários funcionários importantes do governo em fevereiro como parte de uma reformulação do gabinete, o que foi visto por Riek Machar como uma violação ao acordo de paz de 2018, explica Daniel Akech, analista do Sudão do Sul no International Crisis Group, uma organização não governamental de prevenção de conflitos.
“E no oeste de Bahr al-Ghazal, houve alguns surtos de violência em protesto contra essas mudanças que o presidente fez sem consultar o vice-presidente”, acrescentou Akech, em referência a uma região no noroeste do país.
De acordo com Akech, a ordem de Kiir para a redistribuição de forças em algumas áreas desencadeou a violência em regiões como Nasir, no Alto Nilo, no leste do país, onde o helicóptero das Nações Unidas que tentava resgatar soldados foi atacado.
A Radio Miraya, afiliada à ONU, informou que o chamado Exército Branco, um bando de jovens armados da comunidade étnica Nuer, a mesma de Machar, era suspeito de envolvimento no ataque.
Desde então, a Embaixada dos Estados Unidos no Sudão do Sul ordenou a saída do país de funcionários não emergenciais do governo americano. O ataque foi condenado ainda pelas embaixadas de países como França, Canadá, Holanda, Alemanha e Noruega.
“O conflito armado está em andamento e inclui lutas entre vários grupos políticos e étnicos. As armas estão prontamente disponíveis para a população”, diz um aviso de viagem dos EUA.
Mediadores e Uganda entram em cena
Em 12 de março, a Autoridade Intergovernamental para o Desenvolvimento (Igad) da região, que tem a atribuição de lidar com questões de paz e segurança no Sudão do Sul, convocou uma cúpula para discutir os últimos acontecimentos.
Enquanto isso, a vizinha Uganda, membro líder da Igad, enviou esta semana forças especiais para o Sudão do Sul.
“Há dois dias, nossas unidades das Forças Especiais entraram em Juba para protegê-la”, disse o chefe do exército do país, Muhoozi Kainerugaba, no X.
“Nós, da UPDF [forças armadas de Uganda], reconhecemos apenas um presidente do Sudão do Sul, S.E. Salva Kiir… qualquer movimento contra ele é uma declaração de guerra contra Uganda”, diz.
Kiir e o presidente de Uganda, Yoweri Museveni, são aliados, e Museveni já interveio militarmente ao lado de Kiir no Sudão do Sul.
As forças armadas de Kiir estão posicionadas nos condados vizinhos a Juba, enquanto as forças armadas ligadas a Machar e à oposição também estão posicionadas nos chamados locais de contenção em áreas próximas, disse Akech à DW.
“Portanto, se houver algum movimento agressivo entre as duas forças, essa pode ser uma área em potencial. Mas até agora as coisas têm se mantido calmas, porém tensas”, disse ele.
ONU alerta sobre “regressão”
Em 8 de março, Yasmin Sooka, presidente da Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas no Sudão do Sul, emitiu uma declaração severa.
“O Sudão do Sul deveria estar avançando, implementando as disposições do acordo de paz, fortalecendo as instituições e construindo uma base para a democracia”, afirma. “Em vez disso, estamos testemunhando uma regressão alarmante que pode apagar anos de progresso duramente conquistado.”
A comissão também observou que o Sudão do Sul retornou “às disputas de poder imprudentes que devastaram o país no passado”.
Em seu relatório mais recente sobre o país, a comissão disse que uma grande crise de direitos humanos se instalou. Mais da metade da população está enfrentando insegurança alimentar aguda, enquanto 2 milhões de sul-sudaneses estão deslocados internamente e 2,3 milhões buscaram refúgio em países vizinhos.
Nos últimos dias, grupos da sociedade civil local, organizações lideradas por mulheres e líderes da igreja sudanesa têm pedido diálogo político para evitar novas hostilidades.
Especialistas dizem que a volátil dupla que está no poder não ajuda a situação geral. “Há muitas tensões não resolvidas entre os dois líderes, que remontam à época da guerra civil… alguns desses episódios de conflito que estamos vendo agora estão ligados a essas feridas”, disse Akech.
Os dois ainda precisam estabelecer confiança, chegar a um acordo sobre uma constituição e implementar outras disposições importantes do acordo de paz. “Tem sido um relacionamento com muitas suspeitas e desconfianças. Portanto, não espero que eles transformem essa relação em uma relação positiva. É uma relação muito hostil”, disse o analista à DW.
Como resultado, o Sudão do Sul não tem uma constituição acordada e uma força armada unificada ainda não foi formada.
A guerra civil em grande escala é inevitável?
“Cada líder tem suas próprias forças armadas em todo o país, e esse é o problema”, disse Akech. Machar tem as forças de oposição da SPLA-IO.
Os pesquisadores do International Crisis Group dizem que as avaliações internacionais indicam uma rápida deterioração da situação de segurança e a possibilidade de uma nova guerra civil. O grupo alertou sobre a possibilidade de as milícias do Exército Branco assumirem o controle de Nasir e de outras partes estratégicas do Sudão do Sul e se espalharem pelo Sudão, ao norte.
Há também a atual crise no Sudão. “O tipo de tensão que estamos vendo agora tem muito a ver com o alastramento da guerra no Sudão”, de acordo com Akech. O Sudão do Sul se tornou independente do Sudão em junho de 2011. Juba depende dos petrodólares do petróleo transportado pelo Sudão.
Nos últimos dias, Kiir consultou seus colegas no Sudão e na Somália.
Seria imprudente sugerir que a violência em grande escala é inevitável no Sudão do Sul agora, de acordo com Abiol Lual Deng, um cientista político sul-sudanês-americano.
“Quando falamos sobre o Sudão do Sul e a violência, fico triste em dizer que, infelizmente, é um país em que sempre houve violência de baixo nível”, disse ela à DW.
A medida em que a comunidade internacional pode exercer pressão é o que realmente está em jogo no país com uma população jovem que não necessariamente compartilha as divisões étnicas de seus líderes.
Deng acredita que o que está em jogo é até que ponto a comunidade internacional pode exercer pressão sobre os lados em conflito.
“Acho que a comunidade internacional se unirá para enviar mensagens para [Kiir e Machar] discretamente, e também publicamente, para que parem”, disse ela.