Flutuar em uma superfície de água salgada à temperatura do corpo, em um ambiente que bloqueia a luz e o som, pode soar assustador e incômodo. Mas promete afastar dores físicas, destravar questões psicológicas e trazer experiências transformadoras.

Quem assistiu à série “Stranger Things”, da Netflix, já viu algo parecido: um tanque improvisado é usado pela protagonista para acessar outros estados de consciência. Uma inspiração clara nos primórdios das pesquisas do neurocientista e escritor americano John Lilly nos anos 1950, que deu origem à prática da flutuação em tanques de isolamento ou terapia de flutuação.

Embora pouco conhecida no Brasil, essa técnica é a nova tendência no campo do desenvolvimento pessoal e no trabalho em equipe. Grandes times de basquete e futebol americano, como Golden State Warriors e New England Patriots, praticam regularmente essa terapia. Ela também é adotada por integrantes do grupo de elite militar Seal Team Six (ou DevGru, como é denominado oficialmente), atletas da Red Bull e praticantes de esportes radicais em geral.

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Estudos de neurociência validados pelas modernas tecnologias de imagem (ressonância magnética funcional e neurofeedback) já comprovaram seus benefícios na diminuição e até mesmo eliminação de dores crônicas, recuperação física e muscular, alívio do estresse, redução de dependências químicas e muito mais. Há também inúmeros relatos de insights pessoais e criativos.

Cadu Lemos ao lado do tanque de flutuação: técnica tende a se expandir no Brasil. Foto: Divulgação

Hoje, já existem mais de 400 centros de flutuação nos Estados Unidos. Na Europa, contam-se outras centenas. No Brasil, somente um lugar oferece essa experiência até o momento: o Flutuar Float Center, em São Paulo, que conta com três salas e tanques de flutuação. Mas, diante do interesse nacional, existem planos de ampliação para breve (veja quadro no final deste artigo).

Flutuar é igual a ser, não a fazer

A sensação de gravidade próxima a zero é garantida por 500 quilos de sal de Epsom (sulfato de magnésio). Além de ajudar qualquer tipo de corpo a flutuar, esse elemento proporciona inúmeras benesses ao ser absorvido pela pele por ser um anti-inflamatório natural.

A temperatura da água igual à do corpo faz com que se perca a sensação de estar em contato com ela e se sinta realmente flutuando. A cápsula possui isolamento acústico e oferece escuridão total. O mundo lá fora já não existe mais e quem entra ali está prestes a viver uma experiência incrível.

Essa ausência de estímulos externos libera o cérebro de fazer seus inúmeros cálculos para se manter em pé ou tentar ficar prevendo situações. Acontece, portanto, um quase total desligamento do córtex pré-frontal (hipofrontalidade transitória). O lado racional, crítico e avaliador do cérebro abre espaço para outras funções neurológicas.

Como não há nada para distrair a mente, os níveis de concentração e processamento de informação e de conhecimento são impressionantes. Intuição, criatividade e insights são extremamente potencializados.

Fluidez total

Os níveis de dopamina e endorfinas ficam elevados, fazendo com que o estado de espírito do praticante da técnica alcance níveis ótimos por até dois dias depois da sessão (que dura de 60 a 90 minutos).

Mihaly_Csikszentmihalyi psicólogo húngaro criador do conceito de “flow”. Foto: Divulgação

É ativado assim o chamado “estado de flow (fluxo)”, definido pelo psicólogo húngaro Mihaly Csikszentmihalyi como uma sensação de fluidez total que acontece quando corpo e mente estão ativados no limite. Ou seja, aquela sensação de descoberta, exploração, solução de problemas, novidade, desafio, fusão de ação e consciência, noção de tempo anulada e, acima de tudo, o enorme prazer que resulta da combinação desses elementos.

Em outras palavras: o estado físico e mental mais buscado na Terra, há séculos. E a terapia de flutuação comprovou ser uma das poucas maneiras de se ativar o ciclo completo do estado de Flow, formado por quatro estágios.

Origem da flutuação

A história da flutuação se inicia nos anos 1950, quando os cientistas Jay Shirley e John Lilly, trabalhando no Instituto Nacional de Saúde Mental dos Estados Unidos, dedicaram-se a testar como o cérebro humano responderia a um ambiente isolado de qualquer estímulo sensorial. Eles descobriram que, em vez de cair num sono pesado ou perder a consciência, os participantes (começando pelo próprio Lilly) mantiveram total presença e consciência.

Médico, psicanalista e especialista em neurofisiologia, Lilly queria criar um “instrumento de pesquisa” com o qual pudesse estudar algumas áreas intrigantes da neuropsicologia. Nem imaginava que as experiências também trariam aprendizados sobre meditação, estados de consciência diversos, paz, prazer e mesmo sobre melhoras físicas musculares.

John Lilly: pesquisas que estão na origem da terapia de flutuação. Foto: Divulgação

No início, os participantes do estudo ficavam imersos verticalmente num tanque de água com um capacete opaco conectado a uma série de tubos de respiração. Nessa época, os participantes, em sua maioria, eram astronautas da Nasa, treinando para as missões lunares, que ainda estavam por vir. Ainda hoje a flutuação faz parte do programa de treinamento de astronautas.

Popularização

Nos anos 1970, Glenn Perry, jovem engenheiro de computação, em parceria com Lilly, inventou a primeira versão horizontal do tanque, onde já não havia necessidade de uso de capacete. Nessa versão, os participantes ficavam deitados, sustentados pela alta concentração de sal de Epsom, o que permitia a eles manter confortavelmente o rosto fora d’água. Essa mudança foi crítica na popularização da terapia.

Perry viria a ser o primeiro construtor de tanques comerciais. Seu modelo foi a base para o nascimento de uma nova indústria. E tudo começou porque o jovem era tímido para falar em público, mas conseguiu vencer essa barreira pessoal ao fazer parte do estudo de John Lilly (e se tornar seu amigo), transformando-se num dos mais eloquentes porta-vozes da técnica. Seu tanque, Samadhi, até hoje é fabricado.

Mas muito se evoluiu também nesse ponto. A criação de tanques mais espaçosos, parecidos a cápsulas espaciais, e até mesmo de salas de flutuação tem feito a prática crescer exponencialmente na última década. E ainda há muito a se expandir.

 

QUADRO

Oportunidade de conhecer o processo

Em 18 de setembro, um programa inédito de difusão da técnica acontecerá às 18 horas no Flutuar Float Center (Av. Pedroso de Morais, 1803, São Paulo, SP; fone 11-96379-2036; site https://flutuar.me/v2/). O “The Deep Now – Flow, Flutuação e Estados Elevados de Consciência” é uma parceria do Projeto Flow (https://www.cadulemos.com.br/) e Flutuar. Durante esse evento, os interessados poderão entender o flow mais a fundo. Mais informações: http://bit.ly/deepnowevento.

 

Sobre o autor

*Cadu Lemos (https://www.cadulemos.com.br/sobre-1), criador do Projeto Flow, atua desde 1998 como autor, facilitador e palestrante internacional na área de desenvolvimento humano e equipes de alta performance. Seus programas focam o equilíbrio entre a vida profissional e pessoal, buscando aumentos de desempenho, aprendizagem e qualidade de vida.