19/12/2024 - 18:24
Estudo afirma que doença sexualmente transmissível foi originada nas Américas há 8 mil anos. Há evidências de que navegadores do século 15 disseminaram enfermidade pelo mundo.A sífilis e Cristóvão Colombo têm mais em comum do que muitos imaginam. Ambos aterrissaram em novos continentes e colonizaram os habitantes locais no final do século 15: Colombo, os indígenas americanos; a sífilis, os europeus. Ambos também buscavam uma rota para a Ásia.
A sífilis surgiu pela primeira vez na Europa em 1494 em um acampamento do Exército francês, um ano após Colombo retornar de uma viagem à América. A doença desfigurante se espalhou entre os soldados e suas parceiras sexuais, causando feridas em órgãos genitais, reto ou boca.
Em apenas cinco anos, a sífilis havia se espalhado por toda a Europa e, logo depois, pela Índia, China e Japão.
O sexo, embora não seja a única via de transmissão, é um disseminador eficaz da doença.
A chamada “hipótese colombiana” argumenta que a sífilis foi trazida para a Europa por marinheiros que retornavam da colonização dos indígenas americanos. A ideia é que as doenças foram trocadas entre europeus e americanos da mesma forma que novas mercadorias, como a pólvora por tomates ou a varíola por sífilis. Um novo estudo publicado nesta quarta-feira (18/12) na revista científica Nature reforça essa hipótese.
Kirsten Bos, antropóloga do Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva em Leipzig, Alemanha, realizou uma análise genética de cinco esqueletos encontrados na América do Sul. As análises levaram Bos e seus colegas a acreditar que um precursor da bactéria causadora da sífilis havia circulado nas Américas há 8 mil anos.
“Quatro dos cinco esqueletos [que analisamos] são datados de antes de 1492, o que indica que essa diversidade de patógenos já estava presente nas Américas na época do contato colombiano”, disse Bos, autora do estudo.
Origem na América há 8 mil anos
Para testar a hipótese colombiana, Bos e seus colegas realizaram uma análise genética de bactérias em lesões ósseas nos cinco esqueletos, provenientes de Chile, Argentina, Peru e México.
As amostras bacterianas deles incluíam três subespécies da bactéria Treponema pallidum que são responsáveis por diferentes doenças. Uma subespécie, a homônima Treponema pallidum, é a que causa a sífilis moderna.
Bos comparou as diferenças genéticas de subespécies mais antigas com amostras da sífilis moderna. Esses dados permitiram que a equipe calculasse o tempo necessário para a evolução da bactéria e estimasse quando o patógeno surgiu.
A análise pareceu confirmar que a bactéria Treponema pallidum, causadora da sífilis, surgiu por volta da época de Colombo, a partir de seu precursor de 8 mil anos atrás.
“Nosso modelo sugere que a sífilis apareceu pela primeira vez em cena há cerca de 500 ou 600 anos, seja nas Américas ou na Europa (ou em outro lugar), a partir de uma cepa [bacteriana] introduzida das Américas”, disse Bos.
Como doença se espalhou pelo mundo?
O estudo fornece evidências convincentes de que a T. pallidum estava circulando amplamente nas Américas antes da chegada de Colombo, vindo da Europa renascentista. No entanto, ele não prova conclusivamente que a sífilis foi levada das Américas para a Europa.
“Isso mostra que as Américas agiram como um reservatório onde [as bactérias causadoras da sífilis] estavam circulando amplamente. Ela ainda poderia ter vindo para a Europa de outro lugar ou já estar aqui”, disse Mathew Beale, especialista em genômica do Wellcome Sanger Institute em Cambridge, Reino Unido. Beale não participou do estudo.
Num estudo divulgado em janeiro passado também pela Nature, uma equipe internacional de pesquisadores encontrou vestígios de bactéria da espécie Treponema pallidum, responsável pela sífilis, em restos humanos datando de 2 mil anos atrás, num sítio arqueológico de Santa Catarina, no Brasil.
Pesquisas mostram que as doenças treponêmicas podem ter sido endêmicas no norte da Europa por volta da mesma época das viagens de Colombo ou possivelmente até antes.
As origens exatas da sífilis são difíceis de rastrear, disse Kerttu Majander, arqueogeneticista da Universidade da Basileia, na Suíça.
Uma hipótese é que as doenças causadas pela bactéria Treponema pallidum sempre existiram, pegando carona nos seres humanos quando eles migraram da Ásia para as Américas, há cerca de 12 mil anos.
“Outra teoria é que elas são zoonóticas, ou seja, [os precursores da sífilis] passaram dos animais para os humanos na América. Mas ainda não encontramos evidências de animais com doenças treponêmicas”, disse Majander.
Também não está claro o que fez com que, entre 500 e 600 anos atrás, a sífilis moderna surgisse como uma infecção sexualmente transmissível altamente contagiosa.
“Pode ser que algo tenha feito com que as espécies de bactérias treponêmicas se recombinassem e causassem formas mais agressivas de sífilis, mas não sabemos”, disse Majander.
O que torna a situação ainda mais complicada é que a sífilis e a gonorreia eram frequentemente confundidas nos registros históricos e só foram formalmente reconhecidas como doenças distintas há cerca de 200 anos.
“Ainda há um debate histórico sobre se o surto de ‘sífilis’ descrito no século 15 foi realmente causado pela Treponema pallidum”, ressaltou Beale.
Cepas resistentes a antibióticos são problema
Sem tratamento, a sífilis pode desfigurar o corpo das pessoas e causar paralisia, cegueira, ataques de dor e até mesmo a morte.
O desenvolvimento do antibiótico penicilina em 1943 erradicou os sintomas perigosos da sífilis, mas não a doença em si.
A sífilis continua viva. A transmissão sexual causa mais de 8 milhões de novos casos a cada ano, enquanto a sífilis congênita causa cerca de 200 mil natimortos. Os casos também estão aumentando em adultos jovens, e as pesquisas sugerem que isso pode estar ligado a um aumento do sexo sem proteção.
Também existem cepas resistentes a antibióticos, levando ao ressurgimento de infecções mais fatais por sífilis.
É por isso que estudos como esse são importantes, segundo Majander, especialmente se quisermos erradicar a sífilis. “[O estudo mostra] que a sífilis tem a capacidade de se adaptar a qualquer ambiente. Isso levanta a questão de saber se outras doenças treponêmicas existiam antes e se novas doenças mais agressivas poderiam surgir no futuro.”