07/11/2025 - 15:20
Iniciativa lançada pelo Brasil visa recompensar países e investidores pela conservação das florestas tropicais no mundo. Considerado inovador, TFFF não depende de doações diretas.Embora as florestas tropicais abriguem uma das maiores biodiversidades do mundo, regulem o clima e armazenem vastas reservas de dióxido de carbono, os humanos muitas vezes enxergam maior valor em destruí-las.
Inúmeros tratados internacionais e leis ambientais destinados a proteger essas florestas tiveram sucesso limitado. Mas uma nova iniciativa de conservação, o chamado Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF, na sigla em inglês), planeja mudar esse cenário, atribuindo valor à preservação.
O fundo é a principal aposta do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP30, que começa na próxima segunda-feira.
Lançado oficialmente por Lula nesta quinta-feira (06/11), durante o Encontro dos Líderes em Belém, o mecanismo é considerado inovador, pois se inspira no modelo de investimento soberano, não em doação direta, e concilia recursos públicos e privados. Nele, os ganhos do fundo seriam distribuídos entre investidores e países que protegem suas florestas.
“As florestas valem mais em pé do que derrubadas. Elas deveriam integrar o PIB dos nossos países. Os serviços ecossistêmicos precisam ser remunerados, assim como as pessoas que protegem as florestas. Os fundos verdes internacionais não estão à altura do desafio”, disse o presidente na ocasião.
Os primeiros aportes são feitos por governos nacionais, com recursos que devem ativar o fundo para alavancar capital da iniciativa privada.
A meta – considerada “ambiciosa”, mas “viável” pelo ministro brasileiro da Fazenda, Fernando Haddad – é reunir 10 bilhões de dólares (R$ 53 bilhões) em recursos públicos de países ainda no primeiro ano. Até agora, pouco mais de 50% desse montante já está garantido.
De fundos soberanos, o Brasil espera angariar 25 bilhões de dólares, mas o governo não está fixando um prazo para atingir esse montante. A ideia é que os recursos públicos sirvam de alavancagem para atrair o dinheiro privado.
O Brasil quer multiplicar esses valores com ajuda de investidores privados, tornando o TFFF um fundo de 125 bilhões de dólares (R$ 670 bilhões). A promessa é que os investidores vão recuperar o montante investido e terão remuneração compatível com as taxas médias de mercado.
O mecanismo financeiro e o secretariado do TFFF serão hospedados pelo Conselho do Banco Mundial, e os valores serão aplicados em carteira de renda fixa.
De onde vão sair os lucros prometidos pelo TFFF?
O plano é investir o dinheiro do fundo em títulos de alto rendimento, com os investidores recebendo um retorno anual de taxa de juros fixa sobre os aproximadamente 4 bilhões de dólares de lucro anual esperado. Após o pagamento dos juros aos investidores, o restante será distribuído entre os países em desenvolvimento que se comprometerem a preservar ou restaurar suas florestas tropicais.
Pagos por hectare, esses recursos quase triplicarão o financiamento atualmente disponível para a proteção das florestas tropicais. Em alguns países, os valores poderão ultrapassar os orçamentos dos ministérios do meio ambiente nacionais.
Nesta quinta-feira, a Noruega anunciou que investirá 3 bilhões de dólares (R$ 16 bilhões) no fundo, maior contribuição anunciada até o momento. Segundo a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, a França também sinalizou que aportará 500 milhões de euros (R$ 3 bilhões). Já a Alemanha sinalizou que pretende contribuir “significativamente” com o fundo, mas ainda não anunciou um valor específico.
Brasil e Indonésia já se comprometeram com 1 bilhão de dólares (R$ 5,3 bilhões) cada, e Portugal prometeu um investimento modesto, de 1 milhão de euros (R$ 6,2 milhões).
“Nós sabemos que as florestas tropicais são fonte de estabilidade climática porque elas retêm carbono e garantem os ciclos hídricos”, afirmou em comunicado André Aquino, assessor especial de Economia e Meio Ambiente do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA). “Mais de 80% da biodiversidade terrestre de todo o mundo está nas florestas tropicais.”
Aquino já havia afirmado que o TFFF busca remunerar alguns serviços ecossistêmicos vitais por meio de um fundo estável e também protegido dos ciclos políticos de curto prazo.
“O Brasil apresentou um mecanismo de financiamento que pagará por hectare de floresta protegida, seja no Brasil, Congo, Indonésia ou Malásia”, disse à DW a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva.
Buscando proteger as florestas em pé, que estão diminuindo, o presidente Lula sugeriu pela primeira vez o mecanismo de financiamento na COP28 em Dubai, em 2023.
Um preço para as florestas ficarem em pé
Mais de 70 países em desenvolvimento com florestas tropicais são elegíveis para receber fundos. Além do Brasil, as nações que aderiram à iniciativa TFFF incluem Colômbia, Gana, República Democrática do Congo, Indonésia e Malásia.
“Finalmente estamos atribuindo um preço e um valor às florestas em pé”, disse Claudio Angelo, diretor de comunicação da ONG Observatório do Clima. “Isso pode mudar tudo, porque altera a forma como pensamos sobre o valor das florestas”, disse ele à DW.
Para Natalie Unterstell, fundadora e presidente da Talanoa, um think tank de políticas climáticas com sede no Rio de Janeiro, o valor agregado do TFFF reside no fato de não promover compensações de carbono, ou seja, esquemas de reflorestamento usados para compensar as emissões de carbono.
“Não há compensação”, disse ela, observando que as medidas de proteção florestal no âmbito do TFFF não incentivam os países a emitir carbono em outros lugares. O esquema é puramente “para fins de conservação”, acrescentou Unterstell.
A ativista climática espera que os países se comprometam generosamente com o TFFF na COP30 “para que a meta inicial seja atingida o mais rápido possível”.
Comunidades indígenas e locais
Embora os governos nacionais que administram as florestas sejam os principais beneficiários dos pagamentos do TFFF, as comunidades indígenas locais terão acesso direto a 20% do financiamento total para a proteção florestal previsto no acordo.
Os povos indígenas e tribais são os “melhores guardiões” das florestas, o que significa que há menos desmatamento e menos emissões de carbono nos ecossistemas que administram, de acordo com um relatório de 2021 da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e do Fundo para o Desenvolvimento dos Povos Indígenas da América Latina e do Caribe (FDILAC). No Brasil, o desmatamento em territórios indígenas é 2,5 vezes menor do que em outras áreas, observou o relatório.
Embora a nova iniciativa multilateral tenha sido descrita pelo Greenpeace como um potencial “avanço na proteção florestal”, a organização ambiental também quer garantir que os fundos sejam investidos adequadamente em conservação eficaz e que qualquer desmatamento e degradação florestal em curso sejam monitorados por especialistas.
Syahrul Fitra, co-líder global do projeto de soluções florestais do Greenpeace Indonésia, afirmou em comunicado que espera que a iniciativa seja bem-sucedida se evitar as “mesmas armadilhas” de iniciativas anteriores que não conseguiram reduzir o desmatamento – que dobrou globalmente entre 2023 e 2024 devido a incêndios provocados principalmente para limpar florestas tropicais para a agricultura.
