05/04/2019 - 9:47
A salvadorenha Sonja Lara estava muito contente naquela manhã, na segunda metade dos anos 1990, pois havia recebido uma oferta de emprego do diretor de uma maquila, uma fábrica têxtil voltada para exportação. Mas a alegria não durou muito: à tarde, seu estado de espírito mudou quando ela foi conhecer o lugar onde trabalharia e viu os responsáveis gritando e arremessando objetos em algumas tecelãs.
Sonja perguntou o que acontecia. Suas futuras colegas responderam que os capatazes estavam insatisfeitos com a qualidade do trabalho. Elas lhe contaram também que quem não trabalhava seguindo as exigências dos superiores era obrigado por vezes a ficar em pé do lado de fora das instalações, sob o sol a pino. Na noite da véspera do seu primeiro dia de trabalho, a moça voltou para casa estarrecida. “A atmosfera de trabalho era assustadora, mas eu precisava de dinheiro”, relata Sonja. Seu marido ganhava muito pouco, e ela, aos 21 anos, acabara de ter uma filha. Os sete meses que passou na fábrica ficaram registrados para sempre na sua memória.
A jovem mãe trabalhava 12 horas por dia, e muitas vezes, durante o fim de semana, chegou a cumprir jornadas de 24 horas seguidas. Um dia, quando já não aguentava mais, decidiu não seguir os conselhos das colegas e resolveu organizar um sindicato. Ao entenderem o que estava acontecendo, os dirigentes a demitiram, assim como já haviam feito com outras antes dela.
Na fábrica onde passou a trabalhar, seus superiores quiseram obrigá-la a se inscrever em um sindicato organizado pela própria direção da empresa. Sonja se recusou e, mais uma vez, foi demitida. Por sua sorte, depois disso foi convidada por Sergio Chávez, que a conhecia de quando colaboravam juntos no sindicato, a participar de uma pesquisa sobre as condições de trabalho nas fábricas. Ela aceitou, e desde 1999 o ativista Sergio e a corajosa Sonja, que cria sozinha quatro filhos, trabalham juntos.
Custos reduzidos
Dos 6,3 milhões de habitantes de El Salvador, 70 mil trabalham na indústria têxtil. As primeiras fábricas nasceram no início dos anos 1980 nas novas zonas industriais, onde as empresas que produzem para exportação não pagam taxas. “Want to cut you label costs?” era o slogan das primeiras propagandas para a potencial clientela americana.
Na época, El Salvador estava em meio a uma violenta guerra civil, na qual entre 1979 e 1992 morreram 75 mil pessoas. Os habitantes de todo o país se mudaram em massa para a capital, San Salvador, em busca de oportunidades. Depois de terminar a faculdade, em 1979, Sergio Chávez conseguiu um emprego em uma companhia telefônica privada e criou ali um sindicato. Pouco tempo depois, descobriu que o serviço secreto salvadorenho o acompanhava de perto. Naquela época, os esquadrões da morte comandados pela direita assassinavam em média quatro sindicalistas por dia.
Sergio decidiu então fugir do país. Ele voltou quando a guerra civil acabou, em 1992, e logo em seguida foi convidado por uma organização norte-americana a participar de estudos sobre a situação das maquilas de El Salvador. Naquele momento crescia o interesse em se divulgar as condições de trabalho nessas fábricas ao redor do mundo.
Com o convite de Sergio, Sonja começou a trabalhar em várias maquilas para conhecer de perto as condições de trabalho. Geralmente ela fala com as operárias apenas quando estas se reúnem, na hora do almoço, nos bancos da parte externa da fábrica. “Compro qualquer coisa para comer e converso com elas discretamente”, diz Sonja. Ela revela às costureiras que está recolhendo informações sobre a maquila apenas se percebe que existe uma relação de confiança recíproca.
Esses dados são a base do trabalho de muitas entidades sindicais. Os trabalhadores que decidem se organizar em sindicatos recebem ameaças continuamente. Além disso, os proprietários das maquilas não hesitam em colaborar com as associações criminosas do país. Em El Salvador, muitos trabalhadores inscritos em sindicatos são parados na frente das fábricas ou no meio da rua por homens armados, que os intimam a sair das organizações. Outros recebem ameaças diretas ou dirigidas a seus familiares.
Perigo constante
Uma das maquilas mais simbólicas desse clima é a Florenzi, situada em um dos bairros mais pobres e perigosos de San Salvador. A gangue Bairro 18, um dos quatro grupos criminosos que controlam a zona, pede uma “taxa” aos vendedores ambulantes dos mercados e aos proprietários de ônibus. Os partidos políticos pagam às gangues para poder fazer suas campanhas eleitorais ali.
Isabel Menjivar faz um sinal com a mão aos quatro jovens armados. Depois me explica que tinha feito um acordo com o chefe da gangue para minha visita. Essa mulher graciosa pula um córrego e continua caminhando tranquila pela rua principal do bairro. Ao fundo encontra-se um rapaz com um boné de lado, calça jeans e o número 18 tatuado do pescoço.
Isabel segue por uma ruela e para em frente a uma casa com teto de alumínio ondulado e chão de argila. O estilo de vida de uma costureira que trabalha há 30 anos em uma fábrica têxtil é modesto. Essa mulher mantém seus cinco filhos sozinha. Com um salário de US$ 211, que quase nunca chega até o fim do mês, ela muitas vezes passa a noite em claro para remendar as roupas dos vizinhos com sua velha máquina de costura. Mas não é raro que, mesmo com esse esforço extraordinário, ela não consiga comprar os três itens mais importantes na despensa de um salvadorenho: açúcar, feijão e farinha.
“Estou cansada”, diz Isabel, que tem de fazer as contas sob a pressão de suas colegas mais jovens. “Quando sou muito lenta, elas me insultam”, explica. O sistema interno das fábricas é pensado para favorecer a competição entre as trabalhadoras: um grupo pode ser premiado apenas se todos os seus integrantes conseguem entregar o trabalho com rapidez. Os empreendedores também se encontram sob pressão, visto que devem ganhar da grande concorrência proveniente da Ásia, onde os salários são ainda menores do que na América Central e a procura por empregos é muito maior.
Fábricas lucrativas
Os proprietários das fábricas de El Salvador exigem sempre mais dos trabalhadores, conta Gilberto García, que faz parte do conselho de fábrica da Young One. Nesse estabelecimento, 1.450 pessoas produzem roupas para a marca de roupas esportivas The North Face. Enquanto antigamente cada um dos 45 operários tinha de costurar 23 casacos por hora, hoje há equipes de 20 mulheres que, no mesmo período, devem produzir 30 peças per capita. A fábrica triplicou seu rendimento.
“Muitas operárias ficam nas maquilas até os 40 anos; depois disso, não conseguem mais suportar o ritmo extremamente intenso de trabalho”, explica Sonja Lara. Mas Isabel quer resistir outros cinco anos, até seus filhos terem idade suficiente para se virar sozinhos. Infelizmente, como muitas operárias, que durante os turnos praticamente não bebem água nem vão ao banheiro, Isabel está doente do coração e tem problemas nos rins. Alguns dias antes de conversarmos, o médico lhe disse que devia ser operada. “Não posso nem pensar nisso”, protesta. “Preciso ganhar dinheiro.”
No degrau mais baixo da indústria têxtil salvadorenha estão as bordadoras, como Ines Coella e Maria Carmen Millendes, que trabalham em casa e têm os dedos cobertos por calos. Essas mulheres recebem US$ 2 por peça que costuram, bordando motivos coloridos como princesas, animais ou frutas por até 16 horas seguidas. O salário delas é um terço do que Isabel Menjivar ganha na fábrica. Se a representante da maquila nota qualquer imprecisão, real ou não, quando passa para retirar as roupas bordadas, as bordadoras ganham ainda menos.
Os tempos são outros, porque hoje os operários têm a coragem de expor as injustiças sofridas. Nos primeiros sete meses de 2018 chegaram às autoridades 19 mil denúncias sobre o trabalho nas maquilas, e para simplificar o procedimento o ministério criou um call center para receber as reclamações. Mas a situação continua ainda difícil. Os jovens não têm muitas outras possibilidades de trabalho além das fábricas têxteis.
A filha mais velha de Sonja tem hoje 21 anos, a idade em que sua mãe começou a trabalhar na primeira maquila. “Minha filha fez faculdade e se formou em inglês”, diz a mãe, orgulhosa. “Se tiver sorte, vai conseguir um emprego em um call center ou em um fast food. De qualquer forma, é sempre melhor do que em uma fábrica têxtil.”