01/06/2007 - 0:00
Guardas florestais do Parque Chitwan, no Nepal, exibem peles de tigre e a cabeça de um rinoceronte indiano apreendidos de traficantes.
O mercado negro de animais na Ásia é um negócio que prospera com uma intensidade que os governos locais não conseguem deter. Forças policiais fortemente armadas vigiam os parques nacionais em diversos países, na tentativa de parar principalmente a matança e o tráfico de tigres. Pouco adianta. Um prato de sopa de pênis de tigre no mercado negro de Taiwan é vendido por mais de 300 euros (aproximadamente R$ 800,00, ao câmbio oficial). A iguaria é servida em restaurantes procurados por gente ávida de seus supostos efeitos explosivos na potência sexual. Os olhos do tigre, que teriam o poder de controlar a epilepsia e curar a malária, rendem 150 euros. Na Coréia, sua paleta chega a valer 1.500 euros.
“20 anos de prisão: assim são punidos os contrabandistas no Nepal.”
Um elefante de 50 anos acorrentado, com as presas cortadas por traficantes de marfim.
“Um tigre morto vale um saco de dinheiro”, assegura um dirigente da World Wild Foundation (WWF), o italiano Massimiliano Rocco. “A pele do tigre é um troféu valioso para os ricos, enquanto o resto é uma farmácia de quatro patas para a medicina tradicional chinesa”, diz. Os dentes curam insônia; a gordura, o reumatismo; os ossos, a artrite, infecção e disenteria; o rabo, doenças da pele; os miolos, a acne… A lista é longa e atende aos males de uma população que vai da China à Índia, do sudeste da Ásia a Hong Kong, da Coréia ao Japão e à Malásia. É mais da metade da população do globo terrestre.
“Urso da lua doa sua bile para curar os chineses.” “Urso da lua doa sua bile para curar os chineses.”
Uma fábrica de bile de urso no Vietnã: a bile retirada do animal serve contra câncer, úlcera e febre.
Em Taiwan, a polícia apreendeu recentemente 140 quilos de ossos de tigre, embalados em 24 caixas desembarcadas de um navio que chegava de Jacarta, na Indonésia. Na ilha de Sumatra atualmente restam 500 tigres, que são abatidos à média de 50 por ano. Na Índia, que sempre teve a maior população de tigres do planeta, em um século, ela diminuiu de 40 mil para 3.700 animais.
“A medicina chinesa é uma das maiores ameaças à sobrevivência de numerosas espécies animais da Ásia. Pelo menos 60% do 1,3 bilhão de chineses que formam hoje a população do país usam a farmacopéia tradicional”, explica Rocco. E os asiáticos não são os únicos consumidores. Na Itália, nove mil produtos fabricados a partir de plantas e animais protegidos foram confiscados no ano passado, durante a operação Marco Polo, realizada de Roma a Milão por agentes da polícia florestal.
“70% dos animais oferecidos na Internet fazem parte de espécies protegidas.”
As “fábricas” de bile
A caça aos animais silvestres para levá-los aos pratos de restaurantes da Ásia e da Europa ou às prateleiras das farmácias asiáticas não perdoa quase nenhuma espécie, de insetos, como formigas, a aranhas e borboletas. Alguns se tornam moda, como o veado da montanha, pela galhada, e o rinoceronte indiano, por seu corno. Outros nunca saem de moda e, em vez de mortos, são mantidos em cativeiro para sessões periódicas de extração de hormônios produzidos por suas glândulas.
O urso da lua é um deles. Conhecido por esse nome devido à mancha branca em forma de meia-lua no peito, esse animal é mantido dentro de uma gaiola de ferro onde só cabe seu corpo. Fica lá, prensado, enquanto viver. O bicho é alimentado para que a vesícula biliar aumente a produção de bile e, depois de comer, é anestesiado, arrastado da jaula e colocado de barriga para cima. Um homem introduz, então, a cânula de uma seringa no local da vesícula, junto ao fígado, e suga a bile que o bicho acumulou para processar a digestão.
Kolkata, Índia: quando não são mortos, animais selvagens são aprisionados em zoológicos.
A medicina chinesa prescreve a bile do urso da lua para uma lista de males que incluem febre, dores, úlcera, hemorragia interna e até câncer. O urso, se escapa da morte a tiros, não sobrevive por muito tempo ao achaque cruel e sistemático de sua bile e às deformações ósseas causadas pela jaula. Muitos morrem de infecção das feridas provocadas pela cânula, com a qual são perfurados várias vezes, até que o líquido verde comece a encher a seringa.
Para facilitar o manejo, um catéter permanente é introduzido na vesícula, ficando a ponta de fora, fechada por uma válvula. O pouco espaço que o animal tem dentro da jaula é para impedi-lo de se mexer e arrancar o catéter. O risco de infecção não é menor. “Tudo isso é totalmente legal para o governo chinês, que estimula o desenvolvimento semi-industrial da atividade”, informa Rocco.
O International Fund for Animal Welfare (Ifaw) luta há anos para salvar os ursos da lua dos maus tratos e da extinção, mas tudo o que conseguiu até agora foi reduzir em 24% o número de “fábricas” de bile do urso na China. Não é pouco, mas já será um grande passo se conseguir convencer o governo chinês a promover o desenvolvimento de produtos sintéticos ou à base de ervas, capazes de substituir a bile do urso da lua. O Ifaw tem pesquisas que indicam o apoio da maioria dos chineses à causa.
A Internet é o meio preferido dos traficantes para vender o que roubam da natureza. Um leopardo negro sai por 3.300 euros; um filhote de chimpanzé, 60 mil euros; uma girafa, 15 mil euros; um gorila de 7 anos, oito mil euros – valores apurados pelo Ifaw ao procurar sites do mercado negro de animais na Internet. A entidade detectou quase cem sites que vendiam animais, dos quais 70% eram de espécies protegidas por lei. Em apenas uma semana, encontrou à venda 146 primatas, 5.527 partes de elefante, 526 tartarugas, 2.630 objetos feitos com o couro e outras partes de serpentes.
No alto, funcionário da Scotland Yard com uma cabeça de tigre apreendida em Londres (Inglaterra); no centro, peles num mercado tailandês; embaixo, suvenires exóticos de animais selvagens vendidos ilegalmente na Tailândia.
“Chimpanzés, gorilas e serpentes são capturados para ir à mesa dos ricos.”
O ataque dos pumas
Atualmente, não há lugar no planeta em que os animais não estejam sob alguma ameaça, seja por desmatamento, seja por assentamentos humanos cada vez mais próximos, construção de represas, estradas e outros. Os animais estão perdendo o seu espaço vital. Um único puma necessita de um território de vários quilômetros quadrados para sobreviver nas matas da Califórnia, nos Estados Unidos. Acuados pelas casas e estradas que invadem seu habitat, os pumas estão atacando a população humana que chega cada vez mais perto deles.
Na África, a falta de espaço já começa a ser um problema em muitas áreas, mas a maior ameaça do momento é o consumo de carne de animais selvagens. Segundo a Bushmeat Crisis Task Force, organização de cientistas e ambientalistas dedicados ao estudo e controle do consumo de carnes silvestres, de 40% a 80% da carne vendida nos mercados e feiras da África são de espécies de pequenos antílopes, que, por isso, já se encontram em processo de extinção, como os antílopes de Ader e Jentink.
Mesmo os primatas, que na África eram e ainda são milhões, estão perdendo a guerra. Comer carne de símios, chimpanzés e gorilas hoje é corriqueiro na maior parte da África central. O comércio ocorre em vasta escala. Estima-se que nas florestas equatoriais africanas sejam mortos três mil gorilas e quatro mil chimpanzés por ano para consumo de carne. Há 20 anos, a população africana de elefantes era de 1,2 milhão de animais. Hoje, não passa de 500 mil.
Entre 1979 e 1989, Hong Kong importou cerca de quatro mil toneladas de presas de elefantes, o que corresponde a 400 mil animais. Desde 1989, o comércio de presas de elefantes está proibido pela Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies em Extinção (Cites), mas colares, brincos, pulseiras e estatuetas de marfim ainda são produzidos aos milhares mundo afora. “Isso se deve ao tráfico que provém de países em guerra civil ou com grande instabilidade política, que dificultam controles e o retorno à legalidade, como na República Centro-Africana, Camarões e Gabão”, denuncia Rocco.
Acima, uma serpente é mostrada aos clientes de um restaurante em Hanói (Vietnã); seu coração, sangue e bile são pratos apreciados pelos freqüentadores da casa.
Com a proibição desse comércio, os caçadores descobriram outra grande fonte de renda: o hipopótamo. Sua carne é considerada uma iguaria e ele também é um fornecedor de pequenas quantidades de marfim. Com isso, a maior população de hipopótamos do mundo, a do Parque Nacional Virunga, no Congo, na África, caiu de 20 mil animais para 1.300.
“A Itália importa por ano cerca de 30 mil animais silvestres, dos quais 25% morrem no transporte. Encontramos de tudo. Há poucos meses, apreendemos 60 répteis venenosos dentro da mala de um automóvel que trafegava pela auto-estrada Florença- Pisa”, conta Davi De Laurentis, dirigente da Cites no país.
Iguanas, papagaios, serpentes e rãs tropicais também são muito encontrados. No porto de Ancona, a equipe de De Laurentis apreendeu uma caixa de ovos de um abutre raro da Turquia. Estavam dentro de uma incubadora para não estragar, e seu provável destino, quando nascessem os filhotinhos, seriam os pratos de luxuosos restaurantes especializados em aves raras “al primo canto”.