24/11/2025 - 13:33
Descoberta de uma montanha de lixo na Inglaterra na semana passada expôs atuação de quadrilhas que atuam na Europa e lucram com despejo ilegal e tráfico transfronteiriço de resíduos.Organizações criminosas têm expandido sua atuação na Europa num negócio lucrativo e de baixo risco – o tráfico de lixo.
A agência policial da União Europeia (UE), a Europol, alertou recentemente que “o tráfico de resíduos está se intensificando, com uma projeção de crescimento ainda maior em escala e sofisticação”, em seu último relatório sobre a ameaça do crime organizado.
Esses grupos encontram maneiras de contornar contratos de gestão de resíduos sólidos domésticos e comerciais e contam com uma rede de corrupção presente em todas as etapas do processo, aponta a Europol. Eles falsificam documentos, exploram ineficiências e lacunas e cruzam fronteiras para tirar proveito de uma aplicação mais frouxa da lei.
À medida que essa atividade ilegal cresce, as sanções continuam muito mais brandas do que as impostas contra crimes mais “tradicionais”, como tráfico de drogas, destaca o gabinete antifraude da União Europeia (Olaf).
Comércio ilegal de resíduos
O problema voltou a chamar atenção recentecemente com a descoberta de uma montanha de lixo de seis metros de altura escondida perto do rio Tâmisa, em Oxfordshire, Inglaterra. Na última quarta-feira (19/11), foi relatado que a pilha continha evidências de resíduos de escolas e órgãos públicos locais, sugerindo abuso de contratos de gestão de resíduos com instituições estatais e empresas subcontratadas de forma legal.
É difícil obter estatísticas precisas para um mercado ilícito, mas estima-se que “15% a 30% de todos os transportes de resíduos podem ser ilegais; o valor deste comércio pode atingir até 9,5 bilhões de euros [R$ 59,2 bilhões] anualmente”, como aponta relatório do Olaf.
A União Europeia transporta cerca de 67 milhões de toneladas de resíduos legais por ano dentro de suas fronteiras e exporta 35,1 milhões de toneladas, segundo dados oficiais divulgados pelo Olaf.
“Resíduos perigosos ou gerenciados de forma inadequada podem contaminar o solo, a água e o ar, e seu movimento descontrolado através das fronteiras prejudica a transição da UE para uma economia mais verde e sustentável”, disse a assessoria de imprensa da organização à DW. “Isso também dá uma vantagem injusta às redes criminosas em relação às empresas que cumprem a lei.”
Criminosos se aproveitam de transição verde
A lei que rege o manejo de resíduos sólidos na UE, atualizada em outubro, tem como base o princípio de que o produtor original deve arcar com os custos de gestão dos resíduos. Os Estados-membros devem apresentar relatórios à Comissão Europeia pelo menos uma vez a cada dois anos e elaborar novos planos de gestão de resíduos a cada seis anos.
A aplicação da lei é complexa. A Comissão é responsável pela aplicação da lei de forma ampla, mas depende de agências em cada país, assim como da Olaf, da Europol e de vários outros órgãos nacionais e europeus.
Para complicar ainda mais a situação, nem todos os resíduos são iguais. Ao passo que a Europa avança para uma economia com menos impacto ambiental, alguns materiais demandam agora novos custos de tratamento para cumprir com os requisitos legais de descarte.
Isso inclui eletrônicos, veículos, gases fluorados, têxteis e plásticos de baixa qualidade . Os criminosos que operam na Europa, que empregam especialistas do setor como parte de sua organização, muitas vezes reciclam e vendem o que podem e despejam o resto, geralmente na Europa Central e Oriental, Ásia, África ou América Latina .
Os resíduos perigosos, provenientes da construção civil ou da indústria médica, por exemplo, são um pouco diferentes. Às vezes, eles são misturados com outros materiais para se tornarem algo vendável, mas ainda perigoso, ou transferidos para instalações que os descartam ilegalmente, sem levar em consideração os impactos ambientais e à saúde.
Redes criminosas sofisticadas
Em fevereiro, 13 pessoas foram presas na Croácia por importar 35 mil toneladas de resíduos perigosos da Itália, Eslovênia e Alemanha. A Europol, autoridade responsável pela prisão, disse que os resíduos foram “simplesmente enterrados ou despejados em pelo menos três locais”, em vez de serem descartados de forma adequada.
Estima-se que o grupo envolvido tenha lucrado 4 milhões de euros (R$ 24, 9 milhões). Os criminosos são acusados de usar uma rede de empresas legais para transportar os resíduos, que obtêm lucro ao cortar custos e evitar as taxas associadas aos resíduos tóxicos.
“As redes se especializam em falsificar documentos, organizar rotas de transporte complexas, usar empresas de fachada e misturar fluxos de resíduos legais e ilegais para evitar a detecção”, disse Alexandra Ghenea, da organização sem fins lucrativos romena ECOTECA, à DW. “A Romênia tem visto casos envolvendo redes transfronteiriças, com resíduos chegando de países como Itália, Alemanha, Reino Unido e Bélgica, muitas vezes falsamente declarados como material reciclável.”
Acontece também de o lixo ser descartado da forma menos trabalhosa possível, sem cruzar fronteiras, como em Oxfordshire. Casos assim são comuns na Romênia, como mostrou um incêndio florestal causado pela queima ilegal de materiais recicláveis que se aproximou da capital, Bucareste, em julho.
“Essa região é emblemática, com incêndios que se repetem, gerando fumaça tóxica, poluição atmosférica grave e colocando em evidência as lacunas no monitoramento, policiamento e gestão local”, afirmou Ghenea. “É importante mencionar que o problema da Romênia não é a ausência de legislação — o quadro jurídico está alinhado com as normas da UE. A principal fraqueza é a aplicação da lei, tanto em termos de capacidade (pessoal, equipamento, conhecimentos especializados) como de consistência.”
Aplicação da lei difícil de alcançar
Embora os países membros da UE estejam alinhados em relação às leis e normas nessa área, o caso da Romênia destaca como cada um pode ter desafios muito diferentes, além da dificuldade de aplicar essas regras num continente onde cruzar fronteiras é simples .
“As autoridades policiais investiram recursos suficientes nesta área apenas em alguns Estados-Membros”, admitiu a Europol num relatório de 2022. “Como grande parte das atividades criminosas ambientais são realizadas por empresas legais, elas são frequentemente rotuladas como crimes corporativos (ou crimes de ‘colarinho branco’). O fato de as redes criminosas utilizarem amplamente as empresas torna esses crimes menos visíveis.”
À medida que a Europa tenta se tornar um continente mais verde, ainda se vê às voltas com as dificuldades em torno do lixo que produz e com a pressão de grupos criminosos cada vez mais articulados.
